A reforma introduzida pela nova lei buscou aprimorar o ambiente de negócios no país e abrange temas relacionados (i) à redução do tempo para abertura de empresas; (ii) à governança corporativa de companhias abertas e assembleias gerais; (iii) à recuperação de crédito; (iv) ao comércio exterior; e (v) ao setor de energia.
Destacamos abaixo as principais alterações à Lei das S.A.:
Voto Plural. De acordo com a nova redação da Lei das S.A., em especial nos artigos 16, 16-A e 110-A, as companhias abertas e fechadas passam a ter a faculdade de constituir classes de ações ordinárias com voto plural.
O que é voto plural? Voto plural é a atribuição de mais de um voto por ação de determinada classe do capital social, em exceção ao princípio do “one share, one vote”. De acordo com o novo artigo 110-A, as companhias poderão constituir uma classe de ações à qual seja atribuído o voto plural, de forma que cada ação ordinária poderá contar com até 10 votos.
O voto plural é amplamente aceito no mercado norte-americano e recentemente se estendeu para outras jurisdições e mercados que costumavam vedá-la, como é o caso de Hong Kong e Cingapura, e, agora, o Brasil.
O objetivo da alteração normativa é justamente viabilizar que companhias cuja reputação ou condução das atividades estejam intensamente ligadas à figura do acionista fundador ou do grupo de controle possam ampliar o acesso ao financiamento via emissão de ações sem que haja necessariamente a perda do controle por parte de tais fundadores ou controladores.
No modelo introduzido no Brasil pela Lei nº 14.195/21, assumindo o cenário mais extremo, em que a companhia emita ações preferenciais na mesma quantidade das ações ordinárias e o acionista controlador detenha ações ordinárias que lhe atribuam 10 votos por ação, tal acionista poderá exercer o controle da companhia mesmo detendo apenas 4,6% do seu capital social.
Esse tipo de modelo costuma ser utilizado em companhias do setor de tecnologia.
Proibições. Vale ressalvar que as companhias abertas que já possuam ações ou valores mobiliários conversíveis em ações admitidos à negociação em mercados organizados de valores mobiliários não poderão atribuir o voto plural às suas ações. A fim de restringir mecanismos para escapar a essa vedação, a Lei nº 14.195/21 proibiu ainda:
(i) a incorporação, incorporação de ações e fusão de companhia aberta que não adote voto plural, cujas ações já sejam negociadas em mercado organizado, em companhia que adote o voto plural; e
(ii) a cisão de companhia aberta que não adote o voto plural para constituição de nova companhia com adoção do voto plural, ou incorporação da parcela cindida em companhia que o adote.
Além disso, também houve proibição de ações com voto plural em empresas públicas, sociedades de economia mista e subsidiárias ou sociedades controladas direta ou indiretamente pelo Poder Público.
Atribuição do voto plural. Para implementar o voto plural, é necessária a aprovação de, no mínimo, metade do total de votos conferidos pelas ações com direito à voto e, se emitidas, das ações preferenciais com voto restrito reunidas em assembleia especial. O legislador também permitiu que o estatuto social defina maior quórum para essas deliberações.
Tanto na assembleia geral que delibere sobre a constituição do voto plural, como em sua eventual prorrogação, os acionistas dissidentes farão jus ao direito de retirada da companhia mediante reembolso do valor de suas ações, exceto se a criação da classe de ações com voto plural já estar expressamente autorizada pelo estatuto.
Duração do voto plural. O voto plural atribuído às ações ordinárias terá prazo de vigência inicial de até sete anos, prorrogável por qualquer período, desde que (i) sejam cumpridas as formalidades para a aprovação da prorrogação; (ii) sejam excluídos dessa votação os titulares de ações com voto plural que se pretende prorrogar; e (iii) seja assegurado o direito de retirada aos acionistas dissidentes na hipótese de prorrogação.
Nada obstante, será possível estabelecer voto plural com extinção condicionada à ocorrência de evento ou termo específico, hipótese na qual deverão ser indicadas as condições para sua extinção.
Exceções à adoção do voto plural. De acordo com a Lei nº 14.195/21, na companhia aberta, os titulares das ações com voto plural estarão proibidos de exercê-lo em deliberações acerca da remuneração dos administradores e celebração de transações com partes relacionadas que atendam a critérios de relevância a serem definidos pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”).
Alteração de características do voto plural. Na companhia aberta, após o início da negociação das ações ou dos valores mobiliários conversíveis em ações em mercados organizados de valores mobiliários, é vedada a alteração das características de classe de ações ordinárias com atribuição de voto plural, exceto para reduzir os respectivos direitos ou vantagens.
Extinção automática do voto plural. As ações ordinárias com voto plural serão automaticamente convertidas em ações ordinárias sem voto plural nas seguintes hipóteses:
-
transferência das ações (onerosa ou gratuitamente) para a terceiros, salvo: (i) se os terceiros forem controlados pelo alienante, (ii) se os terceiros forem titulares da mesma classe de ação, ou (iii) se a transferência ocorrer no regime de titularidade fiduciária para fins de constituição do depósito centralizado; ou
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o contrato ou acordo de acionistas, entre titulares de ações com voto plural e acionistas que não sejam titulares de ações com voto plural, dispor sobre exercício conjunto do direito de voto.
Assembleias Gerais. A Lei nº 14.195/21 alterou, principalmente, as matérias de competência privativa e o modo de sua convocação.
Matérias de competência privativa. Foram adicionados como competências privativas da assembleia geral os seguintes temas:
(i) deliberação sobre transformação, fusão, incorporação, cisão, dissolução e liquidação da companhia, além de eleição, destituição dos liquidantes e julgamento de suas contas;
(ii) autorização para administradores confessarem a falência da companhia ou pedirem sua recuperação judicial; e
(iii) no caso de companhias abertas, deliberar sobre: (a) alienação ou contribuição para outra empresa de ativos da companhia que correspondam a mais de 50% do valor de todos os seus ativos, conforme constantes do último balanço aprovado; e (b) celebração de transações com partes relacionadas que atendam critérios de relevância a serem definidos pela CVM.
Em relação ao item (ii) acima, em caso de urgência, a confissão de falência ou pedido de recuperação judicial poderá ser formulada pelo administrador com a concordância do acionista controlador, se houver. Nesse caso, será convocada assembleia geral para deliberar sobre a confissão ou pedido formulado.
Prazo de Antecedência da Convocação de Assembleia Geral. A Lei nº 14.195/21 alterou, ainda, o prazo mínimo de antecedência para primeira convocação de assembleia geral de companhia aberta para 21 dias. A nova lei, portanto, impôs um prazo inferior ao adotado pela Medida Provisória 1.040/21, de 30 dias, que já estava em vigor para as companhias abertas.
De acordo com nova redação da Lei das S.A., a CVM, a pedido de qualquer acionista, mediante decisão fundamentada e ouvida a companhia, poderá determinar o adiamento de assembleia geral por até trinta dias em caso de insuficiência de informações necessárias para a deliberação, contado o prazo da data em que as informações completas forem colocadas à disposição dos acionistas. De acordo com a redação anterior, a CVM poderia aumentar o prazo de antecedência da convocação para até trinta dias depois de os documentos terem sido colocados à disposição dos acionistas.
Nesse sentido, a redação atual torna mais clara a competência da CVM e exclui a limitação anterior no sentido de que a dilação se aplicaria às assembleias que tivessem por objeto operações complexas.
Administração da Companhia.
Possibilidade de eleição de diretor residente no exterior. As pessoas naturais residentes no exterior passam a poder ser eleitas para o cargo de diretor de companhia aberta, desde que nomeiem procurador no Brasil para receber citações, permissão restrita anteriormente aos membros do conselho de administração.
Vedação à cumulação de cargos. Nas companhias abertas, fica vedada a cumulação dos cargos de presidente do conselho de administração e de diretor presidente ou principal executivo. Tal vedação já era prevista nos Regulamentos de Listagem do Novo Mercado, Nível 2 e Nível 1 da B3 S.A. – Brasil, Bolsa, Balcão (“B3”).
A CVM fica autorizada a editar normativo para excepcionar tal vedação para companhias de menor porte.
Conselheiro independente. Ainda, a Lei das S.A. passou a exigir a participação de membros independentes no conselho de administração de companhias abertas, conforme termos e prazos a serem ainda definidos pela CVM.
Outros Temas. A Lei nº 14.195/21 também tratou de outros temas relevantes, como:
(i) previu expressamente autorização à CVM para adotar medidas judiciais necessárias em caso de prejuízos causados aos investidores, conforme previsão incluída na Lei de Ação Civil Pública;
(ii) foi atualizado o conceito de sociedade no Código Civil, permitindo que esta seja composta por uma ou mais pessoas;
(iii) regulamentou as notas comerciais, valor mobiliário previsto no rol do artigo 2º da Lei nº 6.385/76 (Lei do Mercado de Valores Mobiliários), definidas como títulos de crédito não conversíveis em ações, de livre negociação, representativos de promessa de pagamento em dinheiro, emitidos exclusivamente sob a forma escritural, que podem ser emitidos por sociedades anônimas, limitadas e cooperativas;
(iv) autorizou expressamente que qualquer pessoa jurídica privada, nos termos do Código Civil, realize suas assembleias gerais por meios eletrônicos, desde que em consonância com leis especiais;
(v) consignou que o prazo de prescrição intercorrente, nos termos do Código Civil, observará o mesmo prazo de prescrição da pretensão, observadas as causas de impedimento, de suspensão e de interrupção;
(vi) estabeleceu normas visando à facilitação na abertura de empresas, sobre (a) unificação de inscrições fiscais, (b) emissão automática de alvará de funcionamento para empresas com atividade econômica de baixo e médio risco e (c) checagem automática de nome empresarial;
(vii) no comércio exterior, constituiu-se um guichê único eletrônico para simplificar a apresentação de documentos às autoridades;
(viii) criou o cadastro fiscal positivo, sob governança da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, visando à redução de juros, privilegiar os bons pagadores e criar alternativas para regularização de débitos;
(ix) previu expressamente a construção de uma base de dados pública, denominada Sistema de Recuperação de Ativos – SIRA, com objetivo de facilitar a identificação e a localização de bens e de devedores, bem como a constrição e a alienação de ativos; e
(x) regulou a aceleração da concessão de licença ou autorização para realização de obras de baixa complexidade para fornecimento de energia elétrica.
Vigência. A entrada em vigor da Lei nº 14.195/21 foi estabelecida de forma gradual, conforme abaixo:
Data de Entrada em Vigor |
Alteração |
3 anos contados da publicação (podendo a Aneel determinar a antecipação da produção de efeitos em cada área de concessão ou permissão) |
Obtenção de energia elétrica mediante procedimento simplificado |
360 dias contados da publicação |
Vedação da cumulação de cargo de Presidente do Conselho de Administração e Diretor-Presidente de companhia aberta |
180 dias contados da publicação |
Recolhimento de taxas impostas por órgãos e por entidades da administração pública federal direta e indireta, bem como qualquer outra receita federal relacionada a operações de comércio exterior, por meio de Documento de Arrecadação de Receitas Federais – Darf |
Primeiro dia útil do primeiro mês após a publicação (no dia 1º de setembro de 2021) |
Vedação à administração pública federal de (i) estabelecer limites aos valores de mercadorias ou serviços praticados em importações ou exportações; ou (ii) deixar de autorizar ou licenciar operações de importação ou exportação em razão dos valores. Outras matérias relacionadas Medidas relacionadas ao processo de importação e exportação e revogação de dispositivos legais |
Data de Publicação (em 27 de agosto de 2021) |
Todas as demais alterações |
Por fim, vale mencionar que a Lei nº 14.195 atribuiu à CVM a competência para estabelecer regras sobre o regime de transição dos dispositivos que alteram a Lei das S.A.