Marco Legal das Startups: entenda os principais aspectos da nova lei e as alterações para o ambiente de inovação brasileiro

​Trazemos abaixo nossos comentários sobre as principais novidades da LC 182, bem como sobre assuntos que foram tratados no âmbito das discussões deste texto legislativo, mas que ficaram de fora da sua versão final.

Embora os
dispositivos se alinhem aos bons princípios e valores do empreendedorismo, como
um ponto de partida para a elaboração de futuras normas e indicação positiva ao
mercado no sentido de que as especificidades do ecossistema devem ser
observadas na análise do arcabouço jurídico aplicável, as mudanças efetivas
foram modestas.

O texto
final do Marco Legal traz redundâncias conceituais e deixou de endereçar os
maiores anseios do mercado, tais como as questões pertinentes a planos de stock
option (que deve seguir em projeto independente para não abarcar apenas as
startups, mas para o regime geral de empresas brasileiras), a possibilidade de
perdas entrarem para o cálculo de ganho capital a ser declarado pelo
investidor-anjo, atribuição de uma tributação diferenciada (e benéfica) aos
investimentos em startups para estimular novos investimentos em inovação, bem
como a possibilidade de S.A. ser enquadrada no simples nacional.

1.       Definição de startups. A LC 182 define como startups “as organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados” e tem aplicação condicionada a uma série de outros parâmetros, conforme abaixo:

    1. Tipo societário. o empresário individual, a empresa individual de responsabilidade limitada, as sociedades empresárias, as sociedades cooperativas e as sociedades simples.

    2. Teto de receita.  até R$ 16 milhões no ano-calendário anterior ou de R$ 1.333.334 multiplicado pelo número de meses de atividade no ano-calendário anterior, quando inferior a 12 meses, independentemente da forma societária adotada.

    3. Anos de inscrição no CNPJ. até 10 anos de inscrição. No caso de empresas formadas por incorporação ou fusão, será considerado o tempo de inscrição da empresa incorporadora ou da parte mais antiga na fusão. Na hipótese de cisão de uma empresa, será considerado tempo de inscrição da empresa cindida.

    4. Requisitos. a empresa precisa atender a pelo menos um dos seguintes requisitos:

      1. declaração em seu ato constitutivo ou alterador e utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços (conforme disposto na Lei da Inovação); ou

      2. enquadramento no regime especial Inova Simples (conforme previsto na Lei Complementar nº. 123/06).

O fato de haver uma definição específica para startups traz conforto para operações entre partes que claramente se qualificam nestes conceitos. Ressaltamos, no entanto, que (i) os parâmetros objetivos acabam gerando certa insegurança jurídica para empresas que se encontram no limiar destas definições, e (ii) deixam de abranger empresas que têm operação voltada à inovação, com clara identidade com aquilo que se espera de uma startup, mas por algum motivo não se enquadram em algum dos requisitos previstos na LC 182.

2.       Instrumentos de investimento em inovação. A LC 182 consolida os entendimentos de que (i) o aporte realizado por investidores por meio de instrumentos como contrato de opção de subscrição de ações ou quotas, contrato de opção de compra de ações ou quotas, debênture conversível, mútuo conversível em participação societária, estruturação de Sociedade em Conta de Participação (“SCP“), investimento-anjo na forma da Lei Complementar No. 123/06, por exemplo, não é considerado integrando do capital social da empresa, (ii) o investidor somente é considerado quotista ou acionista após a conversão efetiva e formal em participação societária, não possuindo, até que isso ocorra, direito a gerência ou a voto na administração da empresa “conforme pactuação contratual“; e (iii) o investidor não responderá por dívida da empresa e a ele não se estenderá o conceito da desconsideração da personalidade jurídica existentes na legislação vigente, dentre elas o Código Civil, Consolidação das Leis Trabalhistas e Código Tributário Nacional.

A LC 182 também determina que os valores recebidos por empresa e oriundos dos instrumentos jurídicos estabelecidos neste artigo serão registrados contabilmente, de acordo com a natureza contábil do instrumento, e confere à Comissão de Valores Mobiliários (“CVM“) a responsabilidade para estabelecer em regulamento as regras de capital por parte de fundos de investimento.

Algumas considerações adicionais sobre esta seção:  

  • Aspectos societários: Em nossa visão, apesar da louvável intenção de se aumentar a segurança jurídica ao investidor por meio da previsão acima, a lei não trouxe novidade à legislação já existente, apenas formalizando condições que são premissas de inúmeros negócios jurídicos envolvendo investimento em startups. Ao dispor que os instrumentos de dívida mencionados no art. 5º da LC 182 não integram o capital social, abre-se margem para uma desnecessária confusão na interpretação da aplicação destes mesmos instrumentos fora do ambiente da LC 182.

  • Aspectos fiscais: Notamos que um dos vetos ao texto do PL nº. 146/19 diz respeito às perdas incorridas pelos investidores pessoa física para fins de apuração e de pagamento sobre o ganho de capital em operações nas operações com os instrumentos mencionados acima. Pelo texto original, estas perdas poderiam compor o custo de aquisição para fins de apuração dos ganhos de capital auferidos com venda das participações societárias convertidas em decorrência do investimento em startup. Dentre os motivos para o veto, ressalta-se o entendimento de que “a medida encontra óbice jurídico por acarretar renúncia de receitas sem apresentação da estimativa do impacto orçamentário e financeiro e das medidas compensatórias”.

3.       Fomento à pesquisa, ao desenvolvimento e à inovação. Prevê-se a possibilidade de empresas que possuem obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação, decorrentes de outorgas ou de delegações firmadas por meio de agências reguladoras, cumprirem seus compromissos com aporte de recursos em startups por meio de (i) fundos patrimoniais, (ii) Fundos de Investimento em Participações (“FIP“), autorizados pela CVM nas categorias de capital semente, empresas emergentes e empresas com produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação; e (iii) investimentos em programas, em editais ou em concursos destinados a financiamento, a aceleração e a escalabilidade de startups, gerenciados por instituições públicas, tais como empresas públicas direcionadas ao desenvolvimento de pesquisa, inovação e novas tecnologias, fundações universitárias, entidades paraestatais e bancos de fomento que tenham como finalidade o desenvolvimento de empresas de base tecnológica, de ecossistemas empreendedores e de estímulo à inovação.

Está é uma previsão que tende a fazer com que as empresas aloquem maior parte de seus recursos para este tipo de investimento. A lei não trouxe estímulo adicional tributário para este tipo de investimento, o que causou certa frustração às empresas que esperavam essa previsão.

4.       Programas de ambiente regulatório experimental (Sandbox Regulatório). A LC 182 aproveita a experiência positiva iniciada pelo Banco Central, Superintendência de Assuntos Privados (“SUSEP“) e CVM e coloca uma previsão legal para proporcionar ambientes experimentais em outras áreas de atuação.

O ambiente regulatório experimental por meio de um procedimento facilitado permite o desenvolvimento setorial em inovação por parte do poder público, podendo cada órgão dispor de forma específica sobre o funcionamento especial de sua regulação para testes de inovação tecnológica. Isso significa que as entidades públicas poderão ajustar seus critérios para que startups testem suas técnicas e tecnologias com o acompanhamento do regulador.

Entendemos que a prática foi e continua sendo importante para um avanço no ambiente regulatório bancário e de seguros, responsável pelo amadurecimento de ideias e por fomentar soluções inovadoras. A tendência é que benefícios semelhantes sejam trazidos a outros setores.

5.       Da Contratação de Soluções Inovadoras pelo Estado. A LC 182 prevê que a administração pública poderá contratar pessoas físicas ou jurídicas, isoladamente ou em consórcio, para o teste de soluções inovadoras por elas desenvolvidas ou a serem desenvolvidas, com ou sem risco tecnológico, por meio de licitação na modalidade especial regida pela LC 182. As licitações mencionadas na LC 182 têm por finalidade resolver demandas públicas que exijam solução inovadora com emprego de tecnologia ou promover a inovação no setor produtivo por meio do uso do poder de compra do Estado. A LC 182 permite a administração pública dispensar, mediante justificativa expressa, parte da documentação relativa a habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira e regularidade fiscal e trabalhista previstas na Lei nº. 8.666/93, bem como de prestação de garantia para a contratação.

Com relação aos detalhes do Contrato Público para a Solução Inovadora (“CPSI“), a LC 182 trouxe requisitos para a sua formação, dentre os quais destacamos:

  • vigência limitada a 12  meses, prorrogável por mais um período de até 12 meses

  • Valor máximo de R$ 1,6 milhão (“Valor Máximo“)

  • Nas hipóteses em que houver risco tecnológico, os pagamentos serão efetuados proporcionalmente aos trabalhos executados, de acordo com o cronograma físico-financeiro aprovado, observado o critério de remuneração previsto contratualmente.

  • encerrado o contrato, a administração pública poderá celebrar com a mesma contratada, sem nova licitação, contrato para o fornecimento do produto, do processo ou da solução resultante do CPSI ou, se for o caso, para integração da solução à infraestrutura tecnológica ou ao processo de trabalho da administração pública – este novo contrato terá vigência limitada a 24 meses, prorrogável por mais um período de até 24  meses e o valor será limitado a 5 vezes o Valor Máximo, incluídas as eventuais prorrogações, hipótese em que o limite poderá ser ultrapassado nos casos de reajuste de preços e dos acréscimos de que trata o § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666/93.

    Comentários Cescon Barrieu: O Estado buscar no setor de startups soluções para seus problemas e para a adoção de novas tecnologias é mais um indício do desejo de mudança cultural buscado pelo ecossistema de inovação no Brasil refletido na LC 182. Entendemos ser positiva a possibilidade de dispensa de alguns documentos e ausência de garantias, respeitando o estágio de formação das startups. Também é benéfica a possibilidade de contratação parcial dos serviços e criar consórcios futuros. A eficiência desta novidade dependerá de como a administração pública aplicará essa faculdade de dispensa de documentos.

6.       Alterações à LSA: A LC 182 trouxe alterações à Lei das Sociedades Anônimas (“LSA“) que visaram simplificar a abertura e gestão de S.A., por meio das seguintes alterações:

  • Possibilidade de nomeação de apenas 1 diretor.

  • A companhia fechada que tiver receita bruta anual de até R$ 78 milhões poderá (i) realizar as publicações ordenadas por esta Lei de forma eletrônica, em exceção ao disposto no art. 289 da LSA, e (ii) substituir os livros societários, tais como (a) livro de Registro de Ações Nominativas, (b) livro de “Transferência de Ações Nominativas”, (c) livro de “Registro de Partes Beneficiárias Nominativas” e o de “Transferência de Partes Beneficiárias Nominativas”, se tiverem sido emitidas, (d) o livro de Atas das Assembleias Gerais, (e) o livro de Presença dos Acionistas, (f) os livros de Atas das Reuniões do Conselho de Administração, se houver, e de Atas das Reuniões de Diretoria; e (g) o livro de Atas e Pareceres do Conselho Fiscal, por registros mecanizados ou eletrônicos.

Estas alterações tem por objeto facilitar a abertura e gestão de uma sociedade por ações, tendo sido um avanço importante não só para as chamadas startups.

7.       Remuneração de executivos.  A LC 182 acabou por não endereçar a concessão de incentivo por meio da opção de subscrição de ações, forma bastante utilizada para reter talentos nas startups sem comprometer o orçamento mais enxuto que, via de regra, caracteriza os primeiros anos da operação de uma empresa.

Comentários finais.

O texto final do Marco Legal traz redundâncias conceituais e deixou de endereçar os maiores anseios do mercado, tais como as questões pertinentes a planos de stock option (que deve seguir em projeto independente para não abarcar apenas as startups, mas para o regime geral de empresas brasileiras), a possibilidade de perdas entrarem para o cálculo de ganho capital a ser declarado pelo investidor-anjo, atribuição de uma tributação diferenciada (e benéfica) aos investimentos em startups para estimular novos investimentos em inovação, bem como a possibilidade de S.A. ser enquadrada no simples nacional.

No entanto, entendemos que o documento pode ser encarado como um ponto de partida para a elaboração de futuras normas e como uma indicação positiva ao mercado no sentido de que as especificidades do ecossistema devem ser observadas na análise do arcabouço jurídico aplicável.

Nossa
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mudanças e seus impactos sobre os negócios e investimentos de nossos clientes.

Este boletim apresenta um resumo de alterações legislativas ou decisões judiciais e administrativas no Brasil. Destina-se aos clientes e integrantes do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. Este boletim não tem por objetivo prover aconselhamento legal sobre as matérias aqui tratadas e não deve ser interpretado como tal.

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