No último dia 25.11.2010, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 4.458/20 (PL), que moderniza a Lei 11.101, de 09.02.2005 (LFR), que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Em 26.08.2020, o projeto de lei já havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados (PL 6220/2005) e agora segue para sanção, ou veto, do Presidente da República.
Dentre as diversas alterações promovidas, destacamos a seguir as principais inovações relacionadas às dívidas de natureza tributária, que facilitam o processo de recuperação judicial da sociedade empresária.
Tributação do ganho de capital decorrente da alienação judicial de bens ou direitos
O PL 4.458/20 introduz o art. 6º-B à LFR, que permite que os ganhos de capital decorrentes da alienação de bens ou direitos pela sociedade em recuperação judicial ou com falência decretada sejam compensados com os saldos acumulados de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL, sem a limitação da chamada “trava dos 30%”, o que pode potencialmente eliminar totalmente a tributação sobre esses ganhos. Além disso, acrescenta o §4º ao art. 50 da LFR, que estabelece que o IRPJ e da CSLL incidentes sobre os ganhos de capital resultantes da alienação de bens e direito pela sociedade em recuperação judicial podem ser parcelados, com atualização monetária das parcelas, observado o disposto na Lei 10.522/02 e a mediana do alongamento da dívida no plano de recuperação judicial.
Desta forma, além da possibilidade de parcelamento, o dispositivo autoriza que até a totalidade dos ganhos obtidos seja compensado com os prejuízos acumulados existentes, evitando-se a cobrança do IRPJ e da CSLL. Trata-se de alteração bastante positiva, pois a empresa em recuperação judicial tem a sua capacidade contributiva comprometida, não fazendo sentido a tributação de “ganhos” decorrentes da venda de ativos para quitação de dívidas até que os seus prejuízos acumulados sejam integralmente absorvidos. Nos termos da redação proposta, contudo, o disposto não se aplica na hipótese em que o ganho de capital decorra de transações com pessoas ligadas.
Em sentido semelhante, nota-se que o art. 109 da Lei 12.973/2014 já prevê que as pessoas jurídicas que se encontrem inativas desde o ano-calendário de 2009 ou que estejam em regime de liquidação ordinária, judicial ou extrajudicial, ou em regime de falência, poderão apurar o IRPJ e a CSLL relativos ao ganho de capital resultante da alienação de bens ou direitos, ou qualquer ato que enseje a realização de ganho de capital, sem a aplicação da trava dos 30%, desde que o produto da venda seja utilizado para pagar débitos de qualquer natureza com a União. Esse mesmo “benefício”, entretanto, não foi concedido para as empresas em recuperação judicial, motivo pelo qual se espera a aprovação da inovação introduzida pelo PL.
Tributação sobre reduções obtidas com a renegociação de dívidas
O PL também acrescenta o art. 50-A à LFR, que estabelece que a “receita” obtida pela sociedade em recuperação judicial na renegociação de dívidas (“haircut”) não será computada na apuração da base de cálculo do PIS e da Cofins, ficando afastada, assim, a incidência desses tributos. Também se espera que essa proposta seja sancionada pelo Presidente da República, pois a própria caracterização da redução do passivo como “receita” para fins tributários (em lugar de uma simples recuperação ou redução de despesas) é bastante controvertida. Além disso, no contexto do processo de recuperação judicial, esse tipo de redução do passivo não revela capacidade contributiva do devedor.
Por outro lado, embora o PL mantenha a incidência do IRPJ e da CSLL sobre o “lucro” correspondente à redução da dívida (principal e juros), o que não atende da melhor maneira possível o princípio da preservação da empresa, estabelece que esse lucro não estará sujeito à trava dos 30% para compensação de prejuízos fiscais e base negativa de CSLL, o que também, na prática, pode eliminar completamente os efeitos da incidência tributária. Nos termos do PL, entretanto, essas disposições não se aplicam no caso de dívidas com pessoas ligadas.
Dedutibilidade de despesas assumidas no plano de recuperação judicial
O PL também introduz o art. 50-A, deixando expresso que as despesas correspondentes às obrigações assumidas no plano de recuperação judicial serão consideradas dedutíveis para fins de apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL, desde que não tenham sido objeto de dedução anterior.
Novas hipóteses de parcelamento tributário
O PL também altera a redação do art. 10-A à Lei 10.522/02, autorizando a sociedade em recuperação judicial a parcelar dívidas com a Fazenda Nacional, de natureza tributária ou não tributária, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa, mediante uma das seguintes modalidades:
I) Parcelamento em até 120 parcelas mensais (em lugar das 84 parcelas mensais atualmente previstas), observados os seguintes percentuais mínimos aplicados sobre o saldo devedor: a) da 1ª à 12ª prestação: 0,5%; b) da 13ª à 24ª prestação: 0,6%; e c) da 25ª prestação em diante: percentual correspondente ao saldo remanescente, em até 96 prestações mensais e sucessivas; ou
II) Em relação aos débitos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia, liquidação de até 30% da dívida consolidada no parcelamento com a utilização de créditos decorrentes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL, ou com outros créditos próprios relativos aos tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, hipótese em que o restante poderá ser parcelado em até 84 parcelas, calculadas de modo a observar os seguintes percentuais mínimos, aplicados sobre o saldo da dívida consolidada: a) da 1ª à 12ª prestação: 0,5%; b) da 13ª à 24ª prestação: 0,6%; e c) da 25ª prestação em diante: percentual correspondente ao saldo remanescente, em até 60 prestações mensais e sucessivas.
Embora o PL estabeleça melhores condições para o parcelamento especial atualmente previsto no art. 10-A da LFR (com o alongamento do prazo e a possibilidade de utilização de prejuízos fiscais para pagamento de até 30% da dívida), infelizmente não estabeleceu qualquer tipo de redução de multa e juros, o que não atende ao objetivo de preservação da empresa da própria lei de recuperação judicial.
As microempresas e as empresas de pequeno porte farão jus a prazos 20% superiores àqueles regularmente concedidos às demais empresas, podendo chegar assim até 144 parcelas. Para aderir aos parcelamentos da LRF, o devedor deverá firmar termo de compromisso no qual assumirá a obrigação de fornecer suas informações bancárias à RFB e PGFN, o dever de amortizar o saldo devedor com percentual do produto de cada alienação de bens e direitos integrantes do ativo não circulante realizada durante o período de vigência do plano de recuperação judicial, o dever de manter a regularidade fiscal e de cumprir regulamente suas obrigações com o FGTS.
As alternativas de parcelamento propostas não impedem o devedor em recuperação judicial de optar pelo parcelamento de seus débitos com a Fazenda Nacional através de outra modalidade de parcelamento prevista em lei, desde que observadas as correspondentes condições para adesão.
O PL também acrescenta o art. 10-B à Lei 10.522/02, o qual prevê hipótese específica de parcelamento para dívidas relativas à tributos sujeitos à retenção na fonte e IOF retido e não recolhido, em relação aos quais, como regra, é vedada a concessão de parcelamento (art. 14). Nessas hipóteses, o PL permite o parcelamento em até 24% parcelas mensais, calculadas de modo a observar os seguintes percentuais mínimos, aplicados sobre o valor da dívida consolidada: I – da 1ª à 6ª (sexta) prestação: 3%; II – da 7ª à 12ª prestação: 6%; III – da 13ª prestação em diante: percentual correspondente ao saldo remanescente, em até 12 prestações mensais e sucessivas.
Transação tributária de débitos inscritos em Dívida Ativa
O PL acrescenta o art. 10-C à Lei 10.522/02, prevendo que, alternativamente aos parcelamentos previstos no art. 10-A e às demais modalidades de parcelamentos aplicáveis previstas em lei, o devedor em recuperação judicial poderá submeter à apreciação da PGFN uma proposta de transação relativa a créditos inscritos em dívida ativa da União, nos termos da recente Lei 13.988/20, que dispõe sobre a transação tributária com a Fazenda Pública Nacional.
Contudo, o art. 10-C prevê a possiblidade da concessão de condições mais vantajosas para o devedor em recuperação judicial do que aquelas previstas na Lei 13.088/20, como: (i) prazo máximo para quitação de até 120 meses (em lugar dos 84 meses); e (ii) redução máxima de 70% no valor da dívida transacionada (em lugar de 50%).
De todo modo, o PL estabelece que a análise da proposta de transação formulada pelo devedor caberá à PGFN, em juízo de conveniência e oportunidade, de forma motivada, e observados o interesse público e os princípios da isonomia, da capacidade contributiva, da transparência, da moralidade, da livre concorrência, da preservação da atividade empresarial, da razoável duração dos processos e da eficiência. Dentre os parâmetros que deverão ser utilizados na análise, destaca-se a recuperabilidade do crédito, inclusive considerando eventual prognóstico em caso de falência, a proporção entre o passivo fiscal e o restante das dívidas, e o porte e a quantidade de vínculos empregatícios mantidos pela sociedade empresária.
Nota-se que embora o PL permita que a transação envolva a redução de até 70% da dívida transacionada, o projeto incorre na mesma omissão da Lei 13.088/20, ao deixar de prever expressamente que os descontos concedidos não estão sujeitos à incidência de PIS, Cofins, IRPJ e CSLL, o que seria desejável, como foi previsto, por exemplo, pela Lei 11.941/09 em relação às reduções nela previstas (art. 4º, parágrafo único). Principalmente no contexto de uma transação realizada por uma empresa em recuperação judicial, não faz sentido que haja a cobrança de tributos sobre os próprios descontos concedidos com o objetivo de viabilizar a preservação da empresa. A ausência de previsão legal sobre a não tributação desses descontos, entretanto, gera insegurança jurídica, sujeitando o devedor a questionamentos pela Receita Federal do Brasil.
A equipe de Tributário do Cescon Barrieu está à disposição para discutir quaisquer questões relacionadas ao Projeto de Lei para alteração da Lei de Falências e Recuperação Judicial.