Nova Lei do Gás publicada

​Abaixo os principais aspectos da Nova Lei do Gás.

Acesso de Terceiros

A Nova Lei estabelece que os gasodutos de escoamento da produção, as instalações de tratamento ou processamento de gás natural e os terminais de liquefação e regaseificação (“Infraestruturas Essenciais”) estarão sujeitos ao acesso não discriminatório e negociado de terceiros interessados. A Lei do Gás anterior previa acesso a gasodutos de transporte, com regras complementares no Decreto 9.616/2018 criando a possibilidade sanções concorrenciais em caso de negativa que configure conduta anticompetitiva.

No caso dos gasodutos de transporte, dentre outras mudanças, destaca-se:

  • Previsão expressa de que a ANP irá regular e supervisionar o acesso de terceiros;

  • Previsão de que ANP poderá estabelecer, para novos gasodutos que não integrem o sistema de transporte de gás natural, período no qual o acesso não será obrigatório;

  • Exclusão de restrição que previa que o acesso à capacidade ociosa só se daria após a contratação integral da capacidade livre; e

  • Exclusão de obrigação de realização de chamada pública para acesso ao serviço de transporte firme.

O proprietário da instalação terá preferência para uso das Infraestruturas Essenciais. Os proprietários, em conjunto com os terceiros interessados, deverão elaborar código de conduta e prática de acesso à infraestrutura, observado as boas práticas da indústria e a regulação. As tarifas a serem pagas aos proprietários serão objeto de negociação entre as partes, conforme critérios previamente definidos no código de conduta e prática de acesso. Em caso de controvérsia em relação ao acesso negociado, caberá a ANP decidir sobre a matéria, ressalvada a possibilidade de as partes, em comum acordo, elegerem outro meio de resolução de disputas (como arbitragem). O acesso de terceiros a terminal de GNL situado em instalação portuária deverá observar as regulações setoriais pertinentes.


Regime de Autorização para Transporte

A lei anterior previa regime de concessão, precedida de licitação, para outorga das atividades de transporte de gás natural em gasodutos de transporte de interesse geral, ou autorização, no caso de gasodutos que envolvessem acordos internacionais. Não houve construção de gasodutos de transporte sob o regime de concessão. A Nova Lei simplifica a outorga e adota o regime de autorização para as atividades de transporte de gás natural.

Diferente de minutas anteriores do projeto de lei, a Nova Lei adotou regime de autorização simples, sem incorporar elementos legais detalhados como existiam no regime de concessão ou seriam típicos em serviços públicos – que não é o caso do transporte de gás. Espera-se que isso facilite a ampliação da rede de gasodutos nacional.


Desverticalização do Transporte

A Nova Lei veda a relação societária, direta ou indireta, entre os agentes que desempenham a atividade de transporte de gás e empresas ou consórcios que atuem nas atividades de exploração, desenvolvimento, produção, importação, carregamento e comercialização. Busca-se a independência e autonomia do transportador em relação aos agentes que exercem atividades concorrenciais da indústria de gás natural.

Há regra de transição para empresas de transporte existentes. A Nova Lei permite que tenham sua independência certificada pela ANP, conforme regulação a ser emitida. A adequação deverá ser feita no prazo de até três anos contados da publicação da Nova Lei do Gás ou de até dois anos da regulação pela ANP, o que expirar por último.


Contratação do Transporte: Entrada e Saída, Plataformas Eletrônicas, Contratos-Legado

A Nova Lei do Gás determina que os serviços de transporte sejam oferecidos no modelo de contratação independente de capacidade por entrada e saída. Este modelo permitirá redistribuição de custos de transporte.

A Nova Lei estabelece o uso de plataforma eletrônica para oferta de serviços padronizados de transporte. Nada impede que a cessão de capacidade (mercado secundário) também seja incorporada a tal plataforma. Há potencial de redução de custos de transação e de maior liquidez nos serviços de transporte.

Os contratos de transporte celebrados antes da Nova Lei (“Contratos-Legado”) deverão ser ajustados no prazo de cinco anos a fim de refletir o novo regime de contratação de capacidade. Independentemente do ajuste, a receita obtida pelos transportadores por meio destes contratos deverá ser preservada e a ANP deverá, quando for definir e rever as tarifas de transporte, considerar a compensação por possíveis perdas.


Autorregulação: Gestor de Área de Mercado e Conselho de Usuários

A Nova Lei estabelece que os transportadores deverão criar um Gestor de Área de Mercado, que será constituído pelos transportadores que operem em uma mesma área de mercado de capacidade. Suas atribuições são, em suma: (i) publicar informações acerca das capacidades e tarifas de transporte; (ii) conciliar os planos de manutenção das instalações integrantes da área de mercado; (iii) submeter o plano coordenado de desenvolvimento do sistema de transporte de gás natural à aprovação da ANP; (iv) submeter à aprovação da ANP os códigos comuns de redes e o plano de contingência, elaborados de forma conjunta pelos transportadores e carregadores; e (v) assegurar a atuação conjunta coordenada e transparente dos transportadores.

Do lado dos carregadores, a Nova Lei determina que os carregadores deverão constituir Conselho de Usuários para monitoramento do desempenho, da eficiência operacional e de investimentos dos transportadores. O Conselho de Usuários deverá elaborar, periodicamente, relatório sobre não-conformidades e encaminhá-lo à ANP, para fins de apuração e devidas providências.


Tarifas – Receita Máxima Permitida

A ANP, após a realização de consulta pública, estipulará a receita máxima permitida de transporte, bem como os critérios de reajuste, de revisão periódica e de revisão extraordinária, nos termos da regulação, e essa receita não será garantida pela União. As tarifas de transporte de gás natural serão propostas pelo transportador e aprovadas pela ANP, após consulta pública, segundo critérios por ela previamente estabelecidos.

As tarifas deverão refletir (a) custos, despesas e investimentos, (b) remuneração justa do investimento nos ativos autorizados pela ANP (base regulatória de ativos).

Trata-se de sistema de regulação tarifária que guarda algumas semelhanças com o setor de transmissão de energia, além de outras indústrias de rede em monopólio natural.


Definição de Gasodutos de Transporte

São definidos como gasodutos de transporte:

(1) aqueles com origem ou destino nas áreas de fronteira do território nacional, destinado à movimentação de gás para importação ou exportação (i.e., gasodutos internacionais);

(2) gasoduto interestadual destinado à movimentação de gás natural;

(3) gasoduto com origem ou destino em terminais de GNL e ligado a outro gasoduto de transporte de gás natural;

(4) gasoduto com origem em instalações de tratamento ou processamento de gás natural e ligado a outro gasoduto de transporte de gás natural;

(5) gasoduto que venha a interligar um gasoduto de transporte ou instalação de estocagem subterrânea a outro gasoduto de transporte; e

(6) gasoduto destinado à movimentação de gás natural, cujas características técnicas de diâmetro, pressão e extensão superem limites estabelecidos em regulação da ANP.

Gasodutos em implantação ou operação que se enquadrem apenas no item 6 ficam com sua classificação preservada. Gasodutos interestaduais destinados à interconexão entre gasodutos de distribuição poderão ter regulação específica pela ANP.


Estocagem Subterrânea

A atividade de estocagem subterrânea de gás natural também passou do modelo de concessão precedido de licitação para o de autorização.

A Nova Lei também estabelece que a ANP disponibilizará de forma onerosa os dados geológicos relativos às áreas com potencial de estocagem subterrânea de gás.


Importação e Exportação

A Nova Lei transfere a competência de autorizar as atividades de importação e exportação de gás natural do Ministério de Minas e Energia (“MME”) para a ANP, o que gerará maior celeridade.


Comercialização

A Nova Lei busca simplificar as transações. Ela não mais obriga a demonstração das reservas que suportarão o fornecimento de gás e prevê que a comercialização no mercado de gás organizado deverá ser realizada por meio de contratos padronizados de compra e venda, nos termos da regulação da ANP.

Por outro lado, a Nova Lei dispõe expressamente sobre quais agentes poderão exercer a comercialização de gás: distribuidoras de gás canalizado, consumidores livres, produtores, autoprodutores, importadores, autoimportadores e comercializadores.

Em elemento adicional de autorregulação, a Nova Lei prevê a possibilidade de um agente do mercado atuar como entidade administradora do mercado de gás. Para isso, o agente deverá celebrar com a ANP um Acordo de Cooperação Técnica, em que terá no mínimo as seguintes obrigações:

  • Prover à ANP o acesso a todos os contratos de compra e venda de gás natural registrados;

  • Certificar que os referidos contratos estão aderentes à regulação da ANP; e

  • Atender ao fluxo e ao sigilo de informações entre as entidades administradoras do mercado e os gestores das áreas de mercado de capacidade.


Distribuição

A Nova Lei não regula as distribuidoras mas visa a estabelecer sua independência frente a alguns agentes da cadeia ao criar restrições para seus acionistas. Ela proíbe que os responsáveis pela eleição da administração de empresas ativas na exploração e produção, importadoras, carregadoras ou comercializadoras de gás tenham acesso à informações concorrencialmente sensíveis, votem na eleição ou indiquem membros da diretoria comercial, de suprimento ou representante legal de distribuidora de gás canalizado.

Ela também autoriza que o MME atue pela harmonização das normas da indústria de gás, inclusive no tocante à regulação do consumidor livre, um dos temas mais sensíveis das regulações estaduais.


Poderes Concorrenciais para a ANP

A Nova Lei se preocupa com a competição no mercado de gás, em linha com diversas medidas adotadas nos últimos anos no sentido de diversificação e desverticalização (ex: Acordo Antitruste da Petrobras).

Além de diversas alterações descritas acima e relevantes para a livre concorrência, ela estabelece que a ANP acompanhará o funcionamento do mercado de gás e poderá adotar mecanismos de estímulo à eficiência e competitividade e de redução da concentração na oferta de gás. Após interagir com as autoridades concorrenciais, a ANP tem poderes para: (i) tomar medidas para diversificar a oferta de gás; (ii) ordenar a cessão compulsória de capacidade de transporte, de escoamento da produção e de processamento; (iii) exigir a de venda de gás por meio de leilões de comercializadores com alta participação no mercado, com preço inicial, quantidades e duração definidos pela ANP; e (iv) restringir a venda de gás entre produtores nas áreas de produção.


Notas Finais

A Nova Lei do Gás foi por muito tempo aguardada e é recebida com entusiasmo. Há potencial para um vibrante novo mercado de gás. Contudo, a interpretação das novas regras, a implementação da lei via regulação pela ANP ou autorregulação e melhorias na legislação tributária serão passos fundamentais para atingir o seu potencial.

Confira um resumo dos principais aspectos clicando em nosso infográfico:

Nova Lei do Gás.png

A equipe de Óleo e Gás do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto fica à disposição para discutir temas a respeito do nº Lei 14.134. Acesse aqui
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Este boletim apresenta um resumo de alterações legislativas ou decisões judiciais e administrativas no Brasil. Destina-se aos clientes e integrantes do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. Este boletim não tem por objetivo prover aconselhamento legal sobre as matérias aqui tratadas e não deve ser interpretado como tal.

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