Foi publicada hoje a Lei Complementar nº 204/23, que altera a Lei Complementar nº 87/96 e veda a incidência do ICMS nos casos de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte.
Além da não incidência nas transferências, a LC 204/23 também regula a transferência de créditos nessas situações.
No caso das transferências interestaduais, o crédito será assegurado pela unidade federada de destino com a aplicação das alíquotas interestaduais sobre o “valor atribuído à operação de transferência realizada“. No entanto, a Lei Complementar nº 204/23 deixou de determinar qual seria esse valor, o que pode gerar dúvidas aos contribuintes, considerando a declaração de inconstitucionalidade do § 4º do art. 13 da LC 87/96, que tratava dessa base de cálculo, no julgamento da ADC 49.
Além da dúvida quanto à base de cálculo, há também uma dúvida se a transferência dos créditos seria obrigatória, já que a LC 204/23 aponta que a transferência será “limitada” ao montante resultante da aplicação das alíquotas interestaduais ao “valor atribuído à operação de transferência”. Seria essa uma limitação ao direito (não obrigação) do contribuinte de transferir os créditos, ou uma trava para que o contribuinte não transfira créditos além dos valores que já eram transferidos quando as transferências eram tributadas?
A nova lei ainda aponta que o crédito também será assegurado pela unidade federada de origem, em caso de diferença positiva entre os créditos pertinentes às operações e prestações anteriores e o transferido ao estabelecimento de destino.
Por outro lado, a possibilidade de optar pelo débito do ICMS nas transferências, que constava no projeto de lei que deu origem à nova lei, foi vetado pelo Presidente da República, sob a justificativa de que “contraria o interesse público, ao trazer insegurança jurídica, tornar mais difícil a fiscalização tributária e elevar a probabilidade de ocorrência de elisão fiscal ou, até mesmo, de evasão”.
A LC 204/203, assim, parece não aderir totalmente à linha do recente Convênio ICMS 178/2023, que deixou clara obrigatoriedade da transferência de créditos, delimitou as bases a serem adotadas nessa transferência e não abriu margem para a opção de debitar o imposto, embora o resultado prático de ambas as medidas (transferência de créditos e débitos), no formato adotado no convênio, seja muito semelhante.
Além da indefinição da base de cálculo, a LC 204/23 não deixou claros alguns pontos essenciais da questão, tais como a forma de aplicação da alíquota de 4% no caso de itens com conteúdo de importação, o cálculo da substituição tributária nas situações em que o estado de destino exija esse recolhimento e a forma de aproveitamento de benefícios fiscais nas transferências, entre outros.
Por sua vez, os recentes Convênios ICMS 178 e 225 tratam de alguns desses temas em aberto, bem como detalham de forma mais específica como será o mecanismo de transferência dos créditos. Contudo, fica a dúvida se esses assuntos não deveriam ter sido objeto da lei complementar ao invés de convênio, na linha do que tem decidido o STF quanto à limitação da competência dos convênios para veicular regras gerais de ICMS.
Paralelamente, os Estados estão começando a regular a transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, como já fizeram São Paulo e Mato Grosso do Sul.
O time Tributário do Cescon Barrieu está à disposição para discutir o tema e auxiliar no endereçamento do assunto.