Marco legal das usinas de geração de energia offshore

​As chamadas “usinas offshore” são projetos de geração de energia elétrica implementadas no mar (na maioria das vezes, por fonte eólica). Diversos projetos em fase de desenvolvimento no Brasil vinham sendo inviabilizados pela ausência de um marco legal claro sobre o uso do espaço marítimo, o que lhes impedia de serem autorizados pela ANEEL. O Decreto 10.946, publicado em 25 de janeiro de 2022 (“Decreto”), cria marco legal próprio para as usinas offshore e regras para a exploração da costa brasileira para geração offshore de energia elétrica.

Escopo. O Decreto regulamenta a cessão de uso de espaços físicos e o aproveitamento dos recursos naturais nas águas interiores de domínio da União, no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental para a geração de energia elétrica a partir de empreendimento offshore.

O Decreto exclui expressamente de sua incidência os potenciais hidráulicos localizados em cursos de rio ou em bacias hidrográficas e as atividades associadas à exploração e à produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos. Além disso, dispõe que as cessões por ele disciplinadas não dispensam a autorização do projeto pela ANEEL. Em resumo, o Decreto determina qual agente possui título para exploração de uma determinada área.

Cessão de Uso. Um dos principais pontos e instrumentos abordados pelo marco legal é a cessão de uso dos espaços marítimos. A decisão quanto à cessão de uso competirá ao Ministério de Minas e Energia (MME), ouvidos outros órgãos (listados abaixo).

A cessão pode se destinar a:

(i) exploração de central geradora de energia elétrica offshore (no regime de produção independente de energia ou de autoprodução de energia) – e neste caso será onerosa; ou

(ii) realização atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico – e neste caso será gratuita.

Áreas em terra da União necessárias para instalações de apoio logístico para a manutenção e a operação do empreendimento e para a conexão com o Sistema Interligado Nacional (SIN) também poderão ser abrangidas.

Os contratos de cessão de uso também englobarão o direito de assentar ou alicerçar dutos e cabos no leito marinho, e os espaços necessários à passagem de dutos e cabos.

Entrega da área. O mar territorial é um bem da União. O exercício da cessão de uma área do mar territorial, ou de áreas em terra da União necessárias ao projeto, dependerá também da entrega prévia da área pela Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (ou SPU, parte do Ministério da Economia) ao MME. Tal Secretaria, responsável pela administração do patrimônio imobiliário da União, deverá avaliar se a área já foi demandada ou destinada a outro empreendimento.

No caso de áreas na zona econômica exclusiva, que não são de competência da SPU, a análise de outras destinações será realizada pelo próprio MME.

Entidades a serem ouvidas. É requisito para a cessão de uso que haja a emissão de Declaração de Interferência Prévia – DIP pelos seguintes órgãos e entidades:

(i) Comando da Marinha;

(ii) Comando da Aeronáutica;

(iii) IBAMA;

(iv) ICMBio;

(v) ANP;

(vi) ANATEL;

(vii) Ministérios da Infraestrutura, Turismo e Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

A análise prévia por tais entidades se presta a detectar possíveis interferências que surgiriam com implementação de usinas offshore (rotas de pesca, tráfego aquaviário, cabos subterrâneos, etc).

Ainda não estão claros, no entanto, quais critérios determinarão qual atividade terá prioridade sobre outra, nem quais são interferências aceitáveis quanto à utilização dessas áreas.

Cessão Planejada. A cessão planejada consiste na oferta de áreas previamente delimitadas pelo MME mediante processo de licitação a eventuais interessados. Desta forma, haverá competição dentre os interessados pela área, sendo o critério de seleção a oferta de maior valor pela exploração do bem.

Cessão independente. A cessão independente consiste na cessão de áreas requeridas pela iniciativa dos interessados, e não por oferta pública. Ou seja, agentes do setor poderão requerer áreas ao MME por iniciativa própria. O Decreto não prevê expressamente se haveria ou não procedimentos licitatórios após tal solicitação – porém o MME esclareceu em webinar sobre diretrizes iniciais para geração de energia offshore  que um procedimento licitatório será sempre necessário nos termos do art. 18, §5 da Lei 9.636/1998.

Descomissionamento. O Decreto determina ainda que as cessões de uso deverão prever obrigações de descomissionamento, inclusive exigindo garantias financeiras para tal atividade. O descomissionamento é o retorno do local próximo ao seu estado original após o fim da vida útil do projeto. Na regulação de tais obrigações, pode-se buscar exemplos no setor de petróleo e gás, cujos procedimentos foram revisados em 2020 e abordam princípios como a exploração de opções para evitar o descomissionamento prematuro de instalações ou a sistemática de estudos de descomissionamento.

Projetos Híbridos. O marco legal não regulamenta a possibilidade de conciliação e sobreposição de exploração de atividades econômicas sobre a mesma porção de água. Mas estabelece que uma norma conjunta das agências reguladoras envolvidas disporá acerca da implantação de projetos híbridos. Além disso, caberá à ANEEL e à ANP avaliarem a possibilidade de outorga de prismas[1] em áreas coincidentes com áreas de produção de petróleo ou de gás natural.

Esta regulação conjunta é de especial interesse para os agentes do setor de óleo e gás offshore, pois há diversas sinergias possíveis entre suas atividades e a geração de energia – atendimento ao seu próprio consumo, descarbonização de sua matriz produtiva, aproveitamento de áreas e de infraestruturas já implementadas, entre outros. Quanto ao atendimento de seu próprio consumo, as cessões de uso podem se destinar à autoprodução.

Leilão Específico para Usinas Offshore. O Decreto permite, a critério do MME, a realização de leilões específicos para a contratação de energia elétrica produzida por instalações offshore. Não se confunda com os leilões de cessão planejada – naqueles, trata-se de leiloar o uso da área; aqui, trata-se de processo de compra de energia, para o mercado regulado, com reserva de mercado para projetos offshore. O leilão teria de ser indicado pelo planejamento setorial (i) por meio de estudos de planejamento desenvolvidos pela EPE; ou (ii) do Plano Decenal de Expansão de Energia, mediante critérios de focalização e de eficiência.

A criação de leilões específicos é uma medida de fomento pois permite que a competição em termos de preço de energia se dê apenas entre projetos de uma determinada fonte. Não está claro qual será o alcance e frequência de tais leilões, considerando as posturas de neutralidade tecnológica muitas vezes defendidas pelo MME e outros órgãos do setor.

Pedidos em curso. Pedidos em curso devem se adaptar às novas disposições, que são aplicáveis automaticamente.

A equipe de Energia do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto fica à disposição para discutir temas a respeito das novas regras de projetos de geração de energia offshore.

Acesse o inteiro teor do Decreto n. 10.946/2022 aqui.

Este boletim apresenta um resumo de alterações legislativas ou decisões judiciais e administrativas no Brasil. Destina-se aos clientes e integrantes do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. Este boletim não tem por objetivo prover aconselhamento legal sobre as matérias aqui tratadas e não deve ser interpretado como tal.

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