Medida Provisória nº 927, de 22/03/2020

​Com foco nas relações de trabalho, a medida provisória, dentre outras providências, dispensa a negociação coletiva para implementação de determinadas práticas; simplifica as formalidades para implantação de teletrabalho e home office; altera mecanismos de concessão de férias individuais e coletivas; flexibiliza as regras de compensação de jornada de trabalho e afirma o estado calamidade pública como hipótese de força maior. Estas e outras medidas são a seguir sumariadas:

1. Força Maior
A MP 927 dispõe que o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6/2020, com efeitos até 31 de dezembro de 2020, constitui hipótese de força maior, para fins trabalhistas, conforme disposto no artigo 501, da CLT.

Tal significa que enquanto perdurar o estado de calamidade pública, na hipótese de dispensa sem justa causa em decorrência de extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, este terá direito à metade da indenização que seria devida em caso de rescisão sem justa causa.

Da mesma forma, durante o período de calamidade pública o empregador poderá reduzir os salários dos empregados, não podendo tal redução ser superior a 25%, respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região. Cessado o período de calamidade pública, é garantido o restabelecimento dos salários reduzidos.

Ressaltamos que a implementação da redução salarial sem negociação coletiva pode ser questionada, considerando que a Constituição Federal garante aos empregados o direito à irredutibilidade de salários, salvo disposto em convenção ou acordo coletivo de trabalho.

2. Teletrabalho e Home Office
Durante o estado de calamidade pública o empregador poderá alterar o regime de trabalho presencial dos empregados, estagiários e/ou aprendizes para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância (home office), bem como determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos e sem a necessidade de se promover qualquer aditivo contratual.

Embora a MP 927 dispense a formalização de aditivo contratual para a alteração do regime de trabalho presencial para remoto, deverão ser cumpridas algumas formalidades como, por exemplo, a celebração de um contrato dispondo sobre a responsabilidade pela aquisição, pela manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho e ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado.

Para aquelas situações em que já houve a alteração do regime de trabalho presencial para teletrabalho ou trabalho remoto, em decorrência do COVID-19, o contrato dispondo sobre as obrigações e responsabilidades acima mencionadas deverá ser formalizado no prazo de trinta dias, contado da data da mudança do regime de trabalho.

3. Férias individuais e coletivas
Durante o estado de calamidade pública o empregador poderá antecipar as férias individuais dos empregados, ainda que estes não tenham completado o período aquisitivo respectivo.

A antecipação deverá ser informada ao empregado por escrito, com antecedência mínima de quarenta e oito horas, facultando-se a notificação por meio eletrônico. O período mínimo das férias antecipadas será de cinco dias corridos.

De forma a diminuir o impacto econômico decorrente da concessão das férias, a MP dispõe ainda que:
a) O pagamento da remuneração das férias não deverá ser antecipado e poderá ocorrer até o quinto dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias;
b) O adicional de 1/3 poderá ser pago após a concessão das férias e até a ata do pagamento do 13º salário;
c) eventual requerimento por parte do empregado de conversão de um terço de férias em abono pecuniário estará sujeito à concordância do empregador.

A empresa poderá ainda conceder férias coletivas (i) a todos os empregados ou (ii) a todos os empregados de determinados estabelecimentos ou setores da empresa, devendo notificar o conjunto de empregados afetados com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas.

Excepcionalmente, as férias coletivas poderão ser gozadas em mais de dois períodos anuais. A MP dispõe que os períodos de férias coletivas poderão ser inferiores a dez dias corridos, mas não fixa um número mínimo de dias, razão por que recomendamos seja aplicado o limite mínimo de cinco dias corridos, por analogia à regra aplicável para as férias individuais.

A MP 927 dispensa a comunicação prévia das férias coletivas ao órgão local do Ministério da Economia e aos sindicatos representativos da categoria profissional.

4. Aproveitamento e a antecipação de feriados
Durante o estado de calamidade pública, os empregadores poderão antecipar o gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais e deverão notificar o conjunto de empregados beneficiados com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, mediante indicação expressa dos feriados aproveitados.

Os feriados a que se refere o caput poderão ser utilizados para compensação do saldo em banco de horas.

O aproveitamento de feriados religiosos dependerá de concordância do empregado, mediante manifestação em acordo individual escrito.

5. Banco de Horas e Recuperação de Tempo Perdido
Os empregadores poderão interromper as atividades e constituir regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual escrito, para a compensação no prazo de até dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.

A compensação de tempo para recuperação do período interrompido poderá ser feita mediante prorrogação de jornada em até duas horas, que não poderá exceder dez horas diárias.

6. Suspensão de Exigências Administrativas em Segurança e Saúde no Trabalho
A menos que o médico coordenador de programa de controle médico e saúde ocupacional considere que a prorrogação representa risco para a saúde do empregado, durante o estado de calamidade pública ficará suspensa a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, os quais serão realizados no prazo de sessenta dias, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.

A suspensão acima não se aplica aos exames demissionais, salvo se o exame médico ocupacional mais recente tenha sido realizado há menos de cento e oitenta dias.

Ficará igualmente suspensa a obrigatoriedade de realização de treinamentos periódicos e eventuais dos atuais empregados, previstos em normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho. Tais treinamentos deverão ser realizados no prazo de noventa dias, após o encerramento do estado de calamidade pública.

Não obstante, se o empregador desejar poderá oferecer os treinamentos na modalidade de ensino a distância, cabendo-lhe observar os conteúdos práticos, de modo a garantir que as atividades sejam executadas com segurança.

As comissões internas de prevenção de acidentes (CIPA) poderão ser mantidas até o encerramento do estado de calamidade pública e os processos eleitorais em curso poderão ser suspensos.

7. Suspensão dos contratos de trabalho – Direcionamento do trabalhador para qualificação
Em 23 de março de 2020, a MP 928 revogou o artigo 18 da MP 927, que tratava da possibilidade de suspensão do contrato de trabalho, por um período de até quatro meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional não presencial oferecido pelo empregador, diretamente ou por meio de entidades responsáveis pela qualificação, com duração equivalente à suspensão contratual.

Dessa forma, as disposições do referido artigo deixaram de vigorar e perderam a eficácia a partir desta data. Uma nova medida provisória deverá ser publicada para regulamentar o tema.

8. Diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.
Fica suspensa a exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente.

O recolhimento das competências de março, abril e maio de 2020 poderá ser realizado em até seis parcelas, sem a incidência da atualização, de multa e encargos, com vencimento no sétimo dia de cada mês, a partir de julho de 2020.

Para usufruir da suspensão do recolhimento do FGTS, o empregador deverá declarar as informações até 20 de junho de 2020, sendo que:

i) – as informações prestadas constituirão declaração e reconhecimento dos créditos delas decorrentes, caracterizarão confissão de débito e constituirão instrumento hábil e suficiente para a cobrança do crédito de FGTS; e
ii) – os valores não declarados, nos termos do disposto neste parágrafo, serão considerados em atraso, e obrigarão o pagamento integral da multa e dos encargos devidos.

Se houver rescisão do contrato de trabalho, eventuais parcelas vincendas terão sua data de vencimento antecipada e o empregador ficará obrigado ao recolhimento dos valores correspondentes, bem como ao depósito dos valores referentes ao mês da rescisão e ao imediatamente anterior.

Os prazos dos certificados de regularidade emitidos anteriormente à data da publicação da MP 927 serão prorrogados por noventa dias.

9. Estabelecimentos de Saúde
Durante o de estado de calamidade pública, os estabelecimentos de saúde poderão, mediante acordo escrito individual e mesmo para as atividades insalubres, prorrogar a jornada de trabalho além de duas horas diárias (para trabalhadores com jornada de trabalho diária de oito horas), bem como adotar escalas de horas suplementares entre a décima terceira e a vigésima quarta hora do intervalo interjornada, sem que haja penalidade administrativa, garantido o repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas.

As horas suplementares poderão ser remuneradas como horas extras ou compensadas, no prazo de dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.

10. Não caracterização de Doença Ocupacional
Os casos de contaminação pelo COVID-19 não serão considerados como doenças ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal, como por exemplo infecção contraída por um profissional da saúde, no exercício de seu trabalho.

11. Prorrogação da vigência de acordos e convenções coletivas
Os acordos e as convenções coletivas vencidos ou vincendos no prazo de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor da Mp 927, poderão ser prorrogados, a critério do empregador, pelo prazo de noventa dias, após o termo final desse prazo (de cento e oitenta dias).

12. Fiscalização do Trabalho
Durante o período de cento e oitenta dias, contado a partir de 22 de março de 2020, os Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia atuarão de maneira orientadora, exceto quanto às seguintes irregularidades:

i) falta de registro de empregado, a partir de denúncias;
ii) situações de grave e iminente risco, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas à configuração da situação;
iii) ocorrência de acidente de trabalho fatal apurado por meio de procedimento fiscal de análise de acidente, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas às causas do acidente; e
iv) trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil.

13. Aplicação e abrangência
As disposições da MP 927 também são aplicáveis aos trabalhadores temporários, trabalhadores rurais e trabalhadores domésticos (em especial jornada de trabalho, banco de horas e férias).

14. Convalidação
Consideram-se convalidadas as medidas trabalhistas adotadas por empregadores que não contrariem o disposto na MP 927, tomadas no período dos trinta dias anteriores à 22 de março de 2020.

15. Vigência
A MP 927 entra em vigor na data de sua publicação.

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