Segurança de barragens: Novo Decreto regulamenta dispositivos da PSNB

​Foi publicado no dia 27.12.2022, no Diário Oficial da União (DOU), o Decreto 11.310/2022, que regulamenta dispositivos da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), Lei 12.334/2010, cujas principais disposições foram sintetizadas abaixo:

Caução para barragens com fins de aproveitamento hidrelétrico:

(i) Por meio dos artigos 23 e 25, foi definido que o órgão fiscalizador pode conceder ao empreendedor até 02 (dois anos) para a prestação do caução referente às barragens de água para fins de aproveitamento hidrelétrico com CRI alto (art. 17, §2º, III, PNSB). De acordo com o disposto no Decreto, tal prazo somente deverá ser concedido se elaborado estudo técnico que ateste a estabilidade do barramento no prazo indicado para a realização das ações que visem à redução do CRI da estrutura.

Embora tais artigos tenham versado sobre a caução, não se afasta a necessidade de regulamentação específica pela ANEEL para detalhamento das diretrizes para que de fato seja exigida do empreendedor.
(ii) Ademais, é possível que o empreendedor se utilize de parte dos recursos destinados à caução para a realização de ações que visem a reduzir ou mitigar os riscos da barragem, exceto nos casos de ações de monitoramento indicadas nos relatórios de inspeções de segurança. Tal redirecionamento de recursos somente será possível após a ANEEL aprovar o plano elaborado pelo empreendedor, que deverá conter, no mínimo, “as determinações estabelecidas pelo órgão fiscalizador a partir do disposto nos relatórios de inspeção de segurança e os respectivos prazos para atendimento.”  Entende-se, contudo, que tal plano necessita de regulamentação mais detalhada a ser realizada pelo órgão fiscalizador.
Vale destacar que o descumprimento das ações para as quais os recursos haviam sido redirecionados acarreta na execução da garantia, pelo órgão fiscalizador, em até 30 (trinta) dias, devendo o empreendedor contratar garantia complementar em até 90 (noventa) dias.

Caução para barragens em nível de alerta: O Decreto determinou que a apresentação de caução, seguro, fiança ou outras garantias financeiras deverá ser exigida prioritariamente dos empreendedores que possuam barragens em situação de alerta.

Classificação de barragens: Aos órgãos fiscalizadores foi atribuída a competência para estabelecer critérios complementares e específicos para a classificação das barragens considerando a CRI, o DPA ou o volume da estrutura, desde que observem os critérios gerais já estabelecidos pelo CNRH (art. 5º). O texto converge com o que já era previsto anteriormente pela Lei nº 12.334/2010.
Classificação da CRI: O Decreto determinou que eventuais critérios específicos para elevação da CRI para alto, além daqueles já determinados pela PNSB, devem ser previstos expressamente pelo órgão fiscalizador em normas específicas sobre isso. Assim, para que uma estrutura de CRI alto seja abrangida pela PNSB exclusivamente em função dessa característica, será necessária a prévia publicação de norma que preveja expressamente o critério objetivo que assim a enquadrará. (art. 6º)
Delimitação da ZAS: Conforme o Decreto nº 11.310/2022, os órgãos fiscalizadores e as autoridades competentes para atuar em situação de emergência possuem competência para regulamentar a extensão ZAS das barragens. Ademais, inexistindo regulamentação neste sentido, a ZAS deverá corresponder à área de inundação referente ao percurso da onda de inundação durante 30 (trinta) minutos. (art. 11, caput).
Ademais, a leitura do Art. 10 leva ao entendimento de que, em regra, a delimitação da ZAS+ZSS para barragens de acumulação de água somente seria obrigatória para barragens com DPA alto ou aquelas cujo rompimento implique em perdas de vidas humanas. Pode-se entender, portanto, que nestes casos o empreendedor poderia elaborar o mapa de inundação sem, necessariamente, delimitar a ZAS e ZSS.

Elementos de autoproteção para a ZSS: A solicitação emitida pelos órgãos de proteção e defesa civil que demandem a extensão dos elementos de autoproteção para a ZSS deverá ser justificada por meio de relatório técnico que demonstre a impossibilidade de atuação em tempo hábil em eventual situação de emergência, ou a complexidade da gestão da emergência. (art. 11, §1º). Entende-se que este dispositivo garante maior segurança jurídica ao empreendedor, já que não é suficiente que a Defesa Civil apenas solicite a extensão dos elementos de autoproteção, como acabava vindo sendo praticado pelas DC, devendo estas justificarem devidamente a necessidade em relatório.
Modelos de PSB e PAE: O Decreto faculta ao órgão fiscalizador das barragens de água estabelecer modelos ou padrões de PSB e de PAE desde que respeitem os conteúdos mínimos previstos na PNSB (artigos 8º e 12). Tais modelos poderão ser observados pelos empreendedores de estruturas enquadradas na PNSB em função da altura do maciço ou de sua capacidade, e que não possuam qualquer uma das demais características descritas nos incisos III, IV ou V do art. 1º, parágrafo único da PNSB.
Também é possível que o empreendedor utilize os modelos de PSB e PAE para as estrutura que estiverem abrangidas pela PNSB em função do seu DPA e que não possuam nenhuma das outras características previstas no artigo 1º, parágrafo único da Lei 12.334/2010.
Estes dispositivos levam ao entendimento de que, nestes casos, o órgão fiscalizador poderia facultar ao empreendedor a elaboração de versões simplificadas do PSB e PAE, obedecendo-se aos critérios mínimos definidos para todas as barragens da PNSB, mas podendo-se dispensar de outros critérios específicos, por exemplo.
Laudo técnico de causas de acidentes: De acordo com o artigo 22, §2º, o laudo técnico referente às causas de um rompimento de barragem serão armazenados no SNISB, devendo ser garantido acesso público à versão não confidencial do relatório. Cabe dizer que, atualmente, o SNISB é alimentado pelos próprios órgãos fiscalizadores, de forma que tal laudo deverá, a princípio, ser disponibilizado no sistema por esses entes.

Barragens de contenção de cheias: As barragens de contenção de cheias passam a ser equiparadas às barragens de água para fins de aplicação da PNSB. (art. 7º). Assim, as barragens de contenção de trânsito de cheias que apresentem características técnicas que possam a enquadrar na PNSB passam a estar submetidas ao cumprimento das obrigações aplicáveis às barragens de acumulação de água.
Conceito de empreendedor: Nos termos do artigo 8º, a simples outorga de direito de uso de recursos hídricos a usuários de reservatório, ainda que a estrutura não esteja em operação, poderá caracterizar a exploração oficial do reservatório, de forma a caracterizar a figura do empreendedor descrita no artigo 2º, IV da PNSB. Tal caracterização, como se sabe, atrairá a necessidade de se observar o disposto na PNSB e normas correlatas.

Articulação entre órgãos fiscalizadores e defesa civil: Os órgãos fiscalizadores passam a ser obrigados a dar ciência aos órgãos de defesa civil quando constatarem casos de riscos de acidentes (art. 3º). Importante ressaltar que o empreendedor continua sendo responsável por comunicar a Defesa Civil nos casos de acionamento de NE, conforme define a Lei nº 12.334/2010 e regulamentos.

Além disso, o artigo 22 dispõe sobre a permanente atuação coordenada e integrada entre os órgãos fiscalizadores e os de defesa civil federais, que deverão formalizar acordo de cooperação técnica para implementação da PNSB.
 

Ademais, uma das principais novidades trazidas pelo Decreto foi a instituição do Comitê Interministerial de Segurança de Barragens, órgão vinculado à Secretaria-Executiva da Casa Civil da Presidência da República, que detém competências para, no âmbito da administração pública federal direta, (i) definir orientações para o estabelecimento de programas relacionados à implementação da PNSB; (ii) coordenar a articulação ministerial com vistas à implementação da PNSB; (iii) propor ao CNRH e ao SINPDEC e outras instâncias competentes diretrizes para a compatibilização entre a PNSB e a PNPDEC e demais políticas públicas setoriais; e (iv) monitorar a atuação dos demais órgãos quanto ao atendimento das suas orientações e das eventuais recomendações para melhoria da segurança das obras feitas pelo CNRH.

Conforme disposto no artigo 19, o Comitê se reunirá anualmente e poderá contar com a participação de especialistas e representantes de outros órgãos ou entidades públicas e privadas, os quais não terão direito a voto durante a reunião.
Por fim, destaca-se que o Comitê poderá instituir grupos de trabalho que visem a estudar e emitir recomendações sobre temas específicos de sua competência. De acordo com o artigo 20, §2º os temas prioritários dos grupos de estudos visarão à regulamentação dos dispositivos da PNSB que tratam sobre: (i) ZAS, ZSS e mapa de inundação; (ii) PAE; (iii) programa de educação e comunicação; (iv) caução a ser apresentada pelos empreendedores; (v) comunidades na ZAS; e (vi) credenciamento de auditores pelos órgãos fiscalizadores. 
 
Glossário:

1.       CNRH: Conselho Nacional de Recursos Hídricos
2.       CRI: Categoria de risco
3.       DPA: Dano potencial associado
4.       PNPDEC: Política Nacional de Proteção e Defesa Civil
5.       PNSB: Política Nacional de Segurança de Barragens (Lei 12.334/2010, alterada pela Lei 14.066/2020)
6.       SINPDEC: Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil
7.       SNISB: Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens
8.       ZAS: Zona de autossalvamento
9.       ZSS: Zona de segurança secundária

A equipe de Direito de Barragens do Cescon Barrieu se coloca à disposição para prestar eventuais esclarecimentos acerca do novo Decreto.

Este boletim apresenta um resumo de alterações legislativas ou decisões judiciais e administrativas no Brasil. Destina-se aos clientes e integrantes do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. Este boletim não tem por objetivo prover aconselhamento legal sobre as matérias aqui tratadas e não deve ser interpretado como tal.

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