As alterações objetivam abrir espaço fiscal para os entes federados, por meio de medidas como a modificação da forma de cálculo do teto de gastos, a fixação de um limite temporário para pagamento de precatórios e o parcelamento facilitado de dívidas dos entes com a Previdência Social.
Em linhas gerais, o pano de fundo dessas medidas é a garantia da renda básica familiar aos brasileiros e brasileiras em situação de vulnerabilidade social, por meio de programa permanente de transferência de renda. Sob o aspecto dos direitos sociais, a redução da vulnerabilidade socioeconômica de famílias passa a ser objetivo expresso da assistência social (artigos 6º e 203, VI da CF).
Adiante sintetizamos as principais medidas e modificações. Nossas práticas de Direito Bancário e de Direito Público estão preparadas para tratar desses temas.
1. Aspectos referentes aos Precatórios
Fixação de limite anual para pagamento (art. 107-A do ADCT – EC 114). Até 2026, vigorará como limite para o pagamento de precatórios o valor pago referente ao exercício de 2016, corrigido pelas novas regras do teto de gastos, deduzida a projeção com requisições de pequeno valor (que gozam de prioridade e seguem sistema de pagamento).
Os precatórios não expedidos por falta de margem no ano terão prioridade nos exercícios seguintes, observada a ordem cronológica. O credor do precatório não expedido ou expedido e não incluído no orçamento de 2022, poderá optar pelo recebimento de seu crédito em parcela única com renúncia de 40% até o final do exercício seguinte, mediante acordo direto com o juízo de conciliação de pagamento contra a Fazenda Pública da respectiva Comarca.
Esses precatórios pagos com desconto não entram no cômputo do limite ou do teto de gastos, assim como também não será computada nesses limites os precatórios compensados ou utilizados na compra de bens da União.
Estima-se que essa medida abrirá espaço fiscal de quase R$40 bilhões, vinculado ao custeio da seguridade social e de programas de transferência de renda.
Ampliação das possibilidades de uso (art. 100, §§§11, 21 e 22 da CF – EC 113). Além do uso dos créditos de precatórios para comprar imóveis públicos do ente federado devedor, o credor originário ou cessionário poderá (i) quitar débitos parcelados ou inscritos na dívida ativa, (ii) pagar outorgas de serviços públicos de titularidade do devedor, (iii) adquirir participação societária do devedor ou (iv) comprar direitos disponibilizados para cessão pelo devedor.
Caso o devedor seja a União, poderá ser feita a antecipação dos recebíveis a título do excedente em óleo de contratos de partilha de petróleo. Essas alterações são autoaplicáveis à União e, para os demais entes federados devedores, dependem de regulamentação em lei.
Especificamente no caso de precatórios públicos, qualquer ente da Federação devedor, desde que autorizado pelo ente público credor, poderá usar o crédito para amortizar as seguintes dívidas: (i) refinanciamentos com o ente federativo devedor do precatório, (ii) contratos com garantia a outro ente federativo, (iii) parcelamentos de tributos ou contribuições sociais, e (iv) obrigações decorrentes do descumprimento de prestação de contas ou de desvio de recursos. Em caso de dívidas vencidas, a quitação será a partir das parcelas mais antigas e, em caso de dívidas vincendas, haverá redução uniforme das parcelas devidas.
Compensação em caso de cessão (art. 100, §§ 9º e 14 da CF – EC 113). Passou-se a prever expressamente o abatimento de eventuais débitos do credor inscritos em dívida ativa. Nesse caso, antes da expedição do precatório, o Tribunal solicitará que o ente devedor informe em até 30 dias os débitos contra o credor do precatório inscritos em dívida ativa, para que sejam depositados em conta do juízo responsável pela respectiva ação de cobrança.
Operações de crédito (§5º do Art. 101 do ADCT – EC 113). Em
caso de operações de crédito contratada pelo ente público para pagamento de
precatórios, os credores podem ser pagos diretamente com os recursos captados,
desde que haja autorização do Poder Executivo, acordo entre as partes e
observância à forma estabelecida em lei própria do devedor.
Limitação de encargos (art. 3º da EC 113). Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, a taxa Selic será aplicada uma vez para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora.
Aplicação temporal (art. 5º da EC 113). Todas as modificações no regime de pagamento de precatórios se aplicam aos já expedidos, incluindo-se os dos orçamentos fiscal e da seguridade social de 2022 em diante.
Data limite para inclusão dos precatórios no orçamento (art. 100, §5º da CF – EC 114). A da data limite para inclusão dos precatórios no orçamento passa de 1º de julho para 02 de abril, regra que passa a ter vigência a partir de 2022.
FUNDEF (artigos 4º e 7º da EC 114). Estipulou-se que os precatórios devidos pela União aos demais entes em virtude da complementação do (“FUNDEF”) serão pagos em três parcelas anuais e sucessivas. A partir de 2022, essas despesas são excluídas do teto de gastos. As respectivas receitas para os demais entes serão vinculadas às despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental público, conforme destinação originária do FUNDEF.
Mapeamento da geração de precatórios (art. 6º da EC 114). O Congresso deverá instituir uma comissão mista, em cooperação com o Conselho Nacional de Justiça e com o Tribunal de Contas da União, para analisar os atos, os fatos e as políticas públicas com maior potencial gerador de precatórios e identificar eventuais medidas legislativas a serem adotadas.
2. Mudança de cálculo do teto de gastos (art. 107 do ADCT e art. 4º da EC 113 conforme alterado pelo art. 3º da EC 114)
A forma de cálculo do teto de gastos imposto pela Emenda Constitucional 95/2016 foi alterada. Agora, apura-se o valor realizado até junho e o valor estimado até dezembro. Antes das alterações promovidas, a apuração era realizada pelo período de 12 meses encerrado em junho. A intenção é a de que a correção do limite total de gastos com despesas primárias acompanhe o período de referência para a correção das despesas primárias associadas ao salário mínimo.
Essa modificação do cálculo vale desde 2021 e o espaço fiscal fica limitado a R$15 bilhões, vinculado às despesas com vacinação contra a covid-19, programas de transferência de renda e ações sócio econômicas emergenciais e temporárias. Em eventuais operações de crédito para custear esse espaço fiscal aberto, não se aplica a regra de ouro do art. 167, III da CF (limitação ao montante das despesas de capital salvo autorização por maioria absoluta do legislativo).
Em 2022, o espaço fiscal deve ser utilizado somente para o atendimento das despesas de ampliação de programas sociais de combate à pobreza e à extrema pobreza. A Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados estima a abertura de um espaço fiscal de quase R$65 bilhões em 2022.
Além disso, foi revogado o art. 108 do ADCT, que possibilitava modificação do método de correção do teto de gastos por lei de iniciativa do Presidente (art. 6º da EC 113).
3. Parcelamento de dívidas com a Previdência Social (artigos 115 a 117 do ADCT – EC 113)
Os Municípios poderão parcelar dívidas com a Previdência Social em até 240 meses, com vencimento até 31 de outubro de 2021, desde que cumpram os seguintes requisitos: (i) obtenham autorização legislativa; adequem seu regime próprio de previdência às alterações da Reforma da Previdência listadas na EC 113, (ii) formalizem o parcelamento até 30 de julho de 2022, e (iv) autorizem o pagamento das prestações com os recursos do Fundo de Participação dos Municípios (“FPM”).
No último caso, deve se observar a seguinte ordem de preferência: (i) pagamento à União de garantia, contragarantia ou débitos na forma do art. 167, § 4º, da CF, (ii) parcelamento de contribuições para o Regime Geral de Previdência e (iii) parcelamento de contribuições devidas ao respectivo regime próprio de previdência social.
A Confederação Nacional de Municípios estima que a medida reduzirá as dívidas previdenciárias com o Regime Geral de Previdência Social em pelo menos R$36 bilhões, decorrentes do perdão de juros e multas.
4. Possibilidade de dedução nas cotas do FPE e FPM ou nos precatórios federais (art. 160 da CF – EC 113)
Foi acrescentada mais uma exceção à vedação de a União reter as cotas dos Fundos de Participação (dos Estados, FPE, e dos Municípios, FPM). Para tanto, previu-se que os acordos sobre débitos e dívidas de qualquer espécie entre os entes contenham cláusula autorizando que, dos montantes devidos pela União, sejam deduzidas as parcelas não pagas. Isso também se aplica ao pagamento dos precatórios federais devidos pela União.
Finalmente, entre as matérias originais da PEC dos Precatórios, não foi aprovado o afastamento das regras constitucionais de vinculação de receitas em caso de securitização de recebíveis da dívida ativa, que se limitaria a créditos de difícil recuperação inscritos antes da securitização.