A evolução tecnológica e de modelo de negócio impõem a constante atualização regulatória, de modo que o regulador permaneça alinhado às formas de prestação do serviço regulado. É o que a Anatel pretende com as alterações aos atuais Plano Geral de Metas de Competição (“PGMC”), aprovado pela Resolução nº 600, de 8 de novembro de 2012, e Regulamento de Uso de Espectro (“RUE”), aprovado pela Resolução nº 671, de 3 de novembro de 2016.
A chegada do 5G no Brasil e o uso exponencial de dispositivos móveis conectados têm reformulado os modelos de negócio das prestadoras de serviço de telecomunicações ao permitir o provimento de conectividade alinhado às demandas de cada perfil de usuário por meio de uma mesma rede. O desenvolvimento de tais novas tecnologias é possível mediante o uso de espectro e deve ser garantido também às novas entrantes por meio da atuação do regulador.
As propostas de PGMC e RUE submetidas à contribuição da sociedade por meio das Consultas Públicas nº 64, de 8 de novembro de 2023 (“Consulta Pública nº 64/2023”) e nº 65, de 8 de novembro de 2023 (“Consulta Pública nº 65/2023”), respectivamente, demonstram a preocupação da Agência com tais questões, conforme detalhado abaixo.
PGMC
O atual PGMC prevê um conjunto de medidas em prol da promoção da competição e da diversidade de oferta de serviços, com base na identificação e análise de mercados relevantes do setor de telecomunicações (“Mercado Relevante”) e de grupos com poder de mercado significativo em tais mercados (“PMS”), bem como na adoção de medidas regulatórias assimétricas, como a obrigatoriedade de apresentação de ofertas isonômicas que estabelecem condições para contratação de produtos no Mercado Relevante (“Oferta de Referência”).
Os Mercados Relevantes, os detentores de PMS e as medidas regulatórias assimétricas devem ser objeto de reavaliação da Anatel a cada quatro anos, razão pela qual a Agência, dando continuidade ao prazo quadrienal, submeteu uma minuta de PGMC à contribuição da sociedade por meio da Consulta Pública nº 64, de 08 de novembro de 2023 (“Consulta Pública nº 64/2023”). A minuta busca a ampliação das condições de desenvolvimento de negócios pelas entrantes no mercado móvel, inclusive mediante alterações das regras de competição relacionadas a espectro de radiofrequências.
Em linhas gerais, os principais pontos da minuta de PGMC submetida à consulta pública são:
(i) Incorporação do Regulamento de Exploração de Linha Dedicada (“EILD”)
De acordo com a área técnica da Anatel, a oferta de EILD é regida tanto por seu Regulamento quanto pelo PGMC, havendo uma sobreposição de regras como aquelas relacionadas à caracterização de PMS e ao preço da EILD. Por essa razão, a proposta submetida à consulta pública prevê a revogação do Regulamento de EILD, que deverá ser incorporado ao PGMC.
(ii) Mercado Relevante de Exploração Industrial de Radiofrequências (“EIR”)
A Anatel sugeriu a inserção de dois novos mercados à regulação ex ante do PGMC, quais sejam: EIR e Operação Virtual do Serviço Pessoal Móvel (“MVNO”).
Mercado Relevante de EIR será aquele correspondente ao aluguel de parcela do espectro autorizado em caráter primário a outra prestadora para provimento de serviços de telecomunicações de interesse coletivo em dimensão geográfica municipal. O Grupo com PMS no Mercado Relevante de EIR deverá apresentar Oferta de Referência e não poderá contratar Oferta de Referência dentro de suas áreas de prestação. Dentre as determinações referentes à Oferta de Referência de EIR, destaca-se a possibilidade de inclusão de oferta de RAN Sharing destinada tão somente à celebração com Prestadoras de Pequeno Porte (“PPPs”).
(iii) Mercado Relevante de MVNO
Por sua vez, quanto o Mercado Relevante de MVNO é definido como a operação virtual “que versa sobre a oferta de representação comercial, infraestrutura e elementos de rede necessários a exploração do SMP por meio de Credenciada e Autorizada de Rede Virtual, ou mecanismo regulatório que venha a substituí-lo, de modo a permitir que a requerente forneça a seus clientes serviços de voz, dados e SMS, inclusive para dispositivos M2M/IoT”.
O grupo com PMS no Mercado Relevante de Operação Virtual do Serviço Móvel Pessoal (“SMP”), deverá apresentar Oferta de Referência contendo infraestrutura e elementos de rede necessário à exploração do SMP por meio de Autorizada de rede virtual, ou mecanismo regulatório que venha a substituí-lo, de modo a permitir que a requerente forneça a seus clientes serviços de voz, dados e SMS, inclusive para dispositivos Machine to Machine (“M2M”) e Internet of Things (“IoT”). Quanto a este ponto, vale destacar que o novo regulamento (i) veda a previsão de exclusividade nas Ofertas de Referência para contratações por Autorizadas e Credenciadas virtuais, (ii) institui a possibilidade de previsão de cobrança de taxa de instalação, desde que devidamente justificada e comprovada, e (iii) veda a cobrança de mensalidade por dispositivo M2M/IoT.
(iv) Mercado Relevante de Roaming
O PGMC já previa o roaming como Mercado Relevante de Atacado, mas a nova minuta de regulamento traz uma roupagem diferenciada à oferta do serviço. Dentre as alterações, destacam-se (i) a vedação de contratação pelas empresas dos Grupos com PMS no Mercado Relevante de Roaming Nacional dentro das áreas em que tenham PMS, (ii) a vedação de roaming permanente, definindo-o como o acampamento fora da área de registro por mais de 90 (noventa) dias corridos na rede de uma única prestadora ofertante de roaming, (iii) a vedação à previsão de exclusividade nas Ofertas de Referência, exceto quando se tratar de roaming sob regime de exploração industrial ou de roaming em redes de telecomunicações que adotarem o padrão 5G, e (iv) a possibilidade de roaming dentro das áreas de registro por entrantes do SMP e operadoras virtuais até 31 de dezembro de 2030.
As alterações ao Mercado Relevante de Roaming, assim como a inclusão do novo Mercado Relevante de MVNO, refletiram as determinações do Conselho Diretor da Anatel decorrentes da aprovação da aquisição da Oi Móvel por meio do Acórdão nº 9, de 31 de janeiro de 2022 (“Acórdão nº 9/2022”) e da análise sobre a homologação das Ofertas de Referências de roaming das adquirentes.
RUE
A Lei Geral de Telecomunicações (“LGT”) dispõe sobre a competência da Anatel para reavaliar, periodicamente, a regulamentação com vistas à promoção da competição e à adequação à evolução tecnológica e de mercado.
Com base nisso, a Anatel propôs a reavaliação da atual regulação de uso de espectro. A Agência pretende garantir o uso e a gestão eficiente do espectro, em razão da relevância do espectro para os novos modelos de negócios do setor de telecomunicações.
Em linhas gerais, os principais pontos da minuta de RUE submetida à consulta pública são:
(i) Gestão do espectro
A Anatel pretende alterar as disposições relativas à gestão do espectro, de modo que haja tratamento a aspectos como coordenação, emissões indesejáveis e emissores não intencionais, incluindo aplicações industriais, científicas e médicas.
(ii) Eficiência no uso do espectro
A Anatel sugeriu a alteração das disposições referentes à eficiência da utilização do espectro, adaptando-as ao novo cenário do setor. De acordo com a nova minuta, o uso eficiente e adequado do espectro de radiofrequências deve considerar não só aspectos técnicos, mas também econômicos, funcionais e sociais. Tais aspectos poderão ser utilizados como critério de avaliação pela Anatel em procedimentos relacionados à autorização de uso de radiofrequências, inclusive previamente à aprovação de processo de fusão ou incorporação e nas anuências prévias para a transferência de titularidades de autorizações de uso, para a EIR ou para a exploração industrial de rede de acesso por rádio.
(iii) Mercado secundário
O acesso ao espectro no mercado secundário poderá ser permitido, mediante prévia anuência da Anatel, nas modalidades de exploração industrial de rede de acesso por rádio, EIR e transferência de titularidade de autorizações de uso de radiofrequência.
A Anatel pretende ampliar o prazo para tal acesso de 6 (seis) meses para 60 (sessenta) meses. De acordo com o Informe nº 59/2021/PRRE/SPR, a ampliação do período não deve onerar de forma excessiva o autorizado em caráter primário, pois “o regramento somente se aplica se esse autorizado em caráter primário não estiver utilizando a faixa e não manifestar interesse quanto ao uso para os próximos anos”.
O uso em caráter secundário, contudo, não deve ser aplicável às radiofrequências obtidas em decorrência de processos licitatórios durante todo o período para o qual foram estabelecidos compromissos de atendimento de municípios e/ou localidades ou ainda metas de cobertura geográfica associados ao respectivo termo de autorização de radiofrequências, como é o caso do leilão do 5G.
O prazo para submissão de contribuições às Consultas Públicas nº 64/2023 e 65/2023 se encerra em 11 de março de 2024.