Covid-19: Entenda as novas medidas para fintechs de crédito e arranjos de pagamento

Em 26 de março de 2020, o Banco Central anunciou ajustes à Resolução nº 4.656/18 que ampliam o escopo de atuação das fintechs de crédito em três frentes principais: (i) emissão de cartão de crédito, (ii) operações com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (“BNDES”) e (iii) novas oportunidades junto aos fundos de investimento em termos da cessão de créditos e controle societário.

Em 31 de março de 2020, o Banco Central também anunciou a edição da Medida Provisória nº 930/20 pelo Presidente da República, que alterou o marco legal de pagamentos no Brasil (Lei nº 12.865/13) para garantir proteção legal aos recursos de arranjos de pagamento destinados à liquidação de obrigações com estabelecimentos comerciais / vendedores finais.

1. FINTECHS DE CRÉDITO: EXPANSÃO DO ESCOPO DE ATUAÇÃO

FINTECHS DE CRÉDITO: O QUE SÃO?

A Resolução nº 4656 instituiu duas novas espécies de instituições financeiras para realizar operações de crédito, exclusivamente por meio de plataforma eletrônica, sujeitas a um regime regulatório simplificado: a Sociedade de Crédito Direto (“SCD”) e a Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (“SEP”):

– A SCD é a instituição financeira cujo objeto principal é conceder empréstimos, financiamentos e realizar operações de aquisição de direitos creditórios com recursos financeiros que tenham como única origem (i) o seu capital próprio ou (ii) recursos oriundos de operações com o BNDES (conforme última alteração).

– A SEP é a instituição financeira cujo objeto principal é intermediar operações de empréstimo ou de financiamento entre pessoas (conhecidas como P2P lending).

O propósito das fintechs de crédito é estimular a concorrência no setor de crédito, com a consequente redução das taxas de juros praticadas e promoção da inclusão financeira no Brasil, com um serviço 100% digital.

MEDIDAS ANUNCIADAS PELO BANCO CENTRAL

As seguintes medidas foram anunciadas pelo Banco Central para fintechs de crédito:

– Operações com recursos do BNDES (apenas SCD): além de operações com capital próprio, a SCD poderá operar com recursos oriundos do BNDES (inclusive repasse). Trata-se de uma quebra de paradigma, não mais limitando a fonte de recursos aos acionistas da SCD.

Você sabia? O BNDES anunciou linhas de crédito especiais para financiamento de micro, pequenas e médias empresas. Com a autorização para operações com esses recursos por SCDs, espera-se a capilarização da oferta a essas empresas, estimulando a oferta de liquidez aos agentes econômicos mais vulneráveis.

– Emissão de cartão de crédito (apenas SCD): além de oferecer conta de pagamento (como emissor de moeda eletrônica), a SCD poderá emitir cartões de crédito e outros instrumentos pós-pagos a seus clientes.

Você sabia? Desde o seu lançamento, a SCD era autorizada a oferecer crédito (empréstimos e financiamentos) e conta de pagamento a seus clientes. Este modelo ficou conhecido como “banco digital”, considerando que as funções básicas oferecidas aos clientes são semelhantes aos bancos tradicionais, mas de forma 100% digital. Com essa medida, o Banco Central (i) reforça seu apoio ao modelo dos chamados “bancos digitais”, ampliando a oferta de serviços para cartões de crédito e (ii) estimula o aumento do crédito em resposta à Covid-19.

– Cessão de créditos para escopo ampliado de fundos de investimento (apenas SCD): pela regra anterior, a cessão da carteira de crédito pela SCD estava limitada aos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios – FIDC. Foi retirada essa restrição, permitindo a cessão dos créditos a outros tipos de fundos de investimento.

Você sabia? A cessão da carteira de crédito pelas SCDs é a forma de “reciclar capital”, pois com a cessão as SCDs são novamente capitalizadas, podendo utilizar os recursos oriundos da cessão para novas operações. Essa medida é uma resposta direta ao atual momento de choque, ampliando a base de potenciais compradores dos créditos das SCDs e, com isso, aumentando o potencial de oferta de crédio na economia como um todo.

– Controle 100% por fundos de investimento (SCD e SEP): pela regra anterior, fundos de investimento só tinham autorização para investir no capital das fintechs de crédito (SCD e SEP) por meio de controle conjunto com pessoas físicas ou jurídicas. Foi removida essa restrição, sendo permitido o controle de 100% por fundos de investimento, mas de forma indireta, devendo ser constituído um veículo para esse investimento (com objeto social específico de participação em instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central).

Você sabia? Em especial para SCDs, os fundos de investimento são importante instrumento para captação de recursos de terceiros para aplicação nas operações. Considera-se a captação por fundos de investimento como “capital próprio”, o que permite o acesso ao mercado de capitais.

*Estruturação via private equity: Essa medida visa facilitar a estruturação de SCDs e SEPs por fundos de private equity, sendo inclusive permitida a captação de recursos junto a investidores não residentes, também servindo ao propósito de aumentar a oferta de crédito na economia em resposta à Covid-19.

2. ARRANJOS DE PAGAMENTO: PROTEÇÕES ADICIONAIS AOS RECURSOS

ARRANJOS DE PAGAMENTO: O QUE SÃO?

Os arranjos de pagamento são o conjunto de regras e procedimentos que disciplinam a prestação de
determinado serviço de pagamento ao público aceito por mais de uma instituição recebedora.

Você sabia? Exemplos de arranjos de pagamento são as bandeiras de cartão de crédito (MasterCard, Visa, American Express, Elo, dentre outras), que disciplinam as regras dos seus arranjos por meio de um regulamento próprio.

ARRANJOS DE PAGAMENTO: QUEM PARTICIPA?

Os participantes dos arranjos de pagamento, que processam e liquidam operações, são os seguintes:

– Bancos emissores / instituições de pagamento emissoras: são as instituições emissoras do instrumento de pagamento (cartões ou outros) que permitem ao titular do instrumento realizar pagamentos. Os instrumentos de pagamento podem ser pós-pagos (como cartões de crédito) ou pré-pagos (como contas de pagamento / e-wallets).

– Instituições de pagamento: são as instituições que, aderindo a um ou mais arranjos de pagamento, atuem em uma das seguintes modalidades: (i) emissora de cartão de crédito / outros instrumentos pós-pagos, (ii) emissora de instrumento pré-pago (contas de pagamento / e-wallets e cartão pré-pago) ou (iii) credenciadora.

– Subcredenciadoras: são as instituições que, por meio de relação contratual com credenciadoras, são responsáveis por habilitar estabelecimentos comerciais / vendedores finais. Estrutura muito comum para marketplaces e compras por meio eletrônico.

– Bancos e instituições liquidantes e domicílio: são os bancos ou instituições de pagamento (que oferecem conta de pagamento) que atuam na liquidação dos recursos oriundos do arranjo de pagamento para (i) a credenciadora ou subcredenciadora, no momento do pagamento pelo banco emissor / instituição de pagamento emissora (neste caso, “instituição liquidante”) e (ii) os estabelecimentos comerciais / vendedores finais (neste caso “instituição domicílio”).

Você sabia? Ao transacionar quantias superiores a R$20 bilhões em período de 12 meses, o arranjo de pagamento torna-se “aberto” obrigatoriamente a todos os participantes do mercado. São esses os arranjos de pagamento de maior capilaridade, cujas “bandeiras” são aceitas por um número maior de estabelecimentos comerciais.

MEDIDAS ANUNCIADAS PELO BANCO CENTRAL

O Banco Central anunciou a edição da Medida Provisória nº 930/20, que além de dispor sobre os arranjos de pagamento trata de outros assuntos (como hedge cambial e mitigação dos servidores do Banco Central no contexto da Covid-19).

A novidade da medida sobre arranjos de pagamento é segregar legalmente do patrimônio dos participantes do arranjo de pagamento os recursos que tenham por finalidade liquidar operações com estabelecimentos comerciais / vendedores. O objetivo dessa medida é proteger os pequenos comércios e negócios no contexto do cenário de stress causado pela Covid-19, produzindo os seguintes efeitos:

– Aumento da segurança jurídica: com a segregação patrimonial, é legalmente garantido o destino dos recursos ao vendedor final caso algum dos participantes da cadeia de processamento (titular do cartão/instrumento de pagamento, banco emissor, credenciadora ou subcredenciadora) tenha recursos para arcar com o pagamento. É legalmente vedado o arresto e sequestro desses valores, que também não podem ser dados em garantia para cumprimento de obrigações da própria instituição.

Você sabia? Nas operações realizadas em arranjos de pagamento, cada participante é responsável pela quitação da obrigação, ainda que haja um inadimplemento na cadeia. Se o titular do cartão/instrumento de pagamento não pagar a fatura, cabe ao banco emissor quitar esse valor (situação conhecida como “rotativo do cartão de crédito”, em que o banco emissor contrai um empréstimo em nome do titular).

* Risco do banco emissor: Como o risco do banco emissor é muito baixo (em especial se tratando dos cinco grandes bancos), o risco maior é que em um cenário de stress os participantes menores da cadeia (em especial as subcredenciadoras) entrem em colapso financeiro e que os recursos não cheguem aos estabelecimentos comerciais / vendedores finais, o que poderia ter um efeito danoso na economia.

* Subcredenciadoras: como regra geral, estabelecimentos comerciais menores são os que mais utilizam subcredenciadoras, que são empresas de menor porte e que oferecem taxas normalmente mais baixas. Com essa medida, os credores das subcredenciadoras e demais participantes do arranjo de pagamento não poderão bloquear os recursos.

– Antecipação de recebíveis: é permitida a cessão dos recebíveis ou que sejam dados em garantia para fins de antecipação de recebíveis. Com isso, a principal fonte de financiamento dos estabelecimentos comerciais / vendedores finais é mantida e, com a segregação legal dos recursos, reforçada.

Você sabia? Nas operações com cartões de crédito, o prazo médio para recebimento dos recursos pelos estabelecimentos comerciais / vendedores finais é de 30 dias. Para ter liquidez imediata, é muito comum a antecipação desses recebíveis para recebimento em prazo menor (normalmente um ou dois dias), sendo aplicada taxa de desconto pela credenciadora / subcredenciadora que realizar a antecipação dos recebíveis.

*Segurança jurídica e custos menores: Essa medida protege a antecipação de recebíveis e confere ainda mais segurança jurídica às operações. Outro efeito esperado é a redução do custo da antecipação, já que o risco de inadimplemento seria reduzido.

Este boletim apresenta um resumo de alterações legislativas ou decisões judiciais e administrativas no Brasil. Destina-se aos clientes e integrantes do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. Este boletim não tem por objetivo prover aconselhamento legal sobre as matérias aqui tratadas e não deve ser interpretado como tal.

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