A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) divulgou, nesta última terça-feira, 11 de outubro de 2022, o Parecer de Orientação CVM nº 40 (“Parecer”), que consolida entendimentos da Autarquia sobre as normas aplicáveis aos criptoativos que sejam caracterizados como valores mobiliários.
Segundo o Presidente da CVM, João Pedro Nascimento, o Parecer é uma abordagem inicial que ainda poderá ser complementada por outras medidas. Mudanças mais efetivas na regulação da CVM são esperadas em caso de aprovação do projeto de lei nº 4.401/21, chamado de “marco legal das criptomoedas”, em tramitação no Congresso.
A CVM adotou critérios funcionais para a taxonomia de tokens, apresentando três categorias iniciais:
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Tokens de pagamento (cryptocurrency ou payment token), que buscam replicar as funções de moeda (unidade de conta, meio de troca e reserva de valor);
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Tokens de utilidade (utility token), utilizados para adquirir ou acessar produtos ou serviços; bem como
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Tokens referenciados a ativos (asset-backed token), que representam um ou mais ativos, tangíveis ou intangíveis. Estes são normalmente ativos objeto de operações de tokenização, como os “security tokens“, as stablecoins, os non-fungible tokens (NFTs).
Um único criptoativo pode se enquadrar em uma ou mais categorias elencadas acima. Entretanto, apenas os Tokens referenciados a ativos podem atrair a competência e regulação da CVM, a depender da essência econômica dos direitos conferidos e de suas funções.
A análise da caracterização de cada token como um valor mobiliário seguirá sendo realizada caso a caso, avaliando se os ativos em questão (i) correspondem à representação digital de algum dos valores mobiliários previstos taxativamente nos incisos I a VIII do art. 2º da Lei 6.385 e/ou previstos na Lei 14.430 (i.e., certificados de recebíveis em geral); ou (ii) se enquadram no conceito aberto de valor mobiliário do inciso IX do art. 2º da Lei 6.385, na medida em que sejam contratos de investimento coletivo.
Com relação aos contratos de investimento coletivo (CICs), a CVM reforça sua jurisprudência já consolidada, inspirada na jurisprudência norte-americana do Howey Test, cujas principais variáveis são (i) a presença de uma expectativa de benefício econômico; (ii) resultante de atuação preponderante de um terceiro que não o investidor; e (iii) formalizada por meio de um título ou contrato objeto de oferta pública.
Sempre que um token assumir as características de um valor mobiliário, os emissores e a oferta pública em questão estarão sujeitos à competência da CVM. No mesmo sentido, atividades como a administração de mercado organizado, intermediação, escrituração, custódia, depósito centralizado, registro, compensação e liquidação de operações com esses criptoativos estarão sujeitos às respectivas regras tradicionais emitidas pela CVM.
Atualizações dos Pareceres de Orientação 32 e 33
Segundo a CVM, a popularização do uso de redes sociais em ofertas públicas e a regulamentação das plataformas de crowdfunding são motivo para algumas atualizações das diretrizes constantes dos Pareceres de Orientação 32 e 33, ambos emitidos em 2005, que tratam, respectivamente, sobre o uso da internet e ofertas públicas de valores mobiliários emitidos no exterior.
Em especial, a Autarquia orienta que a exibição de páginas de ofertas de valores mobiliários apenas a usuários identificados por login e senha pode não ser suficiente para a descaracterização de seu caráter público. A CVM esclarece que considerará outros elementos, como o número de investidores alcançados e de subscritores, além da adoção de mecanismos de restrição de acesso à páginas de internet (como “geoblocking“) e a utilização (ou não) da língua portuguesa durante a oferta ou suporte aos potenciais investidores.
Regime Informacional
A principal inovação trazida pelo Parecer foi a estipulação de orientações mais claras quanto ao regime informacional aplicável aos emissores de criptoativos caracterizados como valores mobiliários. Reforçando que as regras tradicionais sobre ofertas públicas de valores mobiliários são igualmente aplicáveis às emissões de criptoativos, a CVM orientou aos participantes interessados em realizar emissão de tais ativos que considerem, adicionalmente, a prestação de informações sobre:
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Direitos dos titulares dos Tokens, que incluem (a) identificação do benefício dos recursos da oferta e outros participantes da oferta, explicitando a existência de partes relacionadas; (b) descrição das atividades do emissor dos tokens ou de terceiros cujo esforço é relevante para a expectativa de benefício econômico; (c) direitos conferidos aos titulares dos tokens; (d) informações que embasem expectativa de benefício econômico; e (e) materiais de apoio sobre funções e riscos ligados à tecnologia, entre outros;
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Negociação, Infraestrutura e Propriedade dos Tokens, que incluem (a) identificação das vantagens e desvantagens do uso de tecnologia de registro distribuído; (b) aplicabilidade de serviços de depósito centralizado, compensação e liquidação, custódia e escrituração de valores mobiliários; (c) descrição da gestão de propriedade dos tokens (i.e. controle da chave privada ou delegação para custódia); (d) regras de governança do protocolo utilizado; (e) tratamento de dados pessoais; (f) controle de origem dos recursos utilizados para aquisição dos tokens; e (g) planejamento de novas funcionalidades e alteração das regras de governança e consenso, entre outras.
Intermediários
O Parecer de Orientação 40 também orienta a atuação de intermediários durante a oferta de criptoativos que sejam considerados valores mobiliários, reforçando seus deveres quanto ao nível de transparência sobre características e riscos associados aos ativos em questão.
A CVM orienta que tais intermediários promovam due diligence sobre controles internos de parceiros comerciais, inclusive prestadores de serviço da indústria de criptoativos que não transacionem com valores mobiliários, a fim de mitigar riscos para o próprio intermediário. Além disso, recomenda que sejam avaliadas segregações e proteções de natureza operacional, estrutural e regulatória para evitar que problemas eventuais sobre os ambientes de negociação de criptoativos que não sejam valores mobiliários impactem nos negócios dos próprios intermediários.
Mesmo quando estabelecer parceria com participantes que ofertem criptoativos que não sejam caracterizados como valores mobiliários, a CVM recomenda que o intermediário informe aos investidores sobre os riscos envolvidos nesse tipo de aplicação, em linguagem acessível para que o destinatário avalie se o produto é compatível com o seu perfil de riscos.
Fundos de Investimento
Por fim, o Parecer de Orientação 40 mantém os mesmos entendimentos já consolidados na Autarquia sobre o investimento direto em criptoativos por fundos de investimento, reforçando sua impossibilidade de aquisição como ativo financeiro local, mas permitindo que sejam adquiridos como ativos financeiros no exterior, observados os limites estabelecidos na regulamentação em vigor.
A CVM manifesta expectativa para que novos critérios e diligências sejam observados pelos participantes da indústria de fundos de investimento buscando maiores níveis de transparência nos materiais de divulgação obrigatória dos fundos, em especial no que diz respeito a ativos baseados em tecnologias inovadoras.
A revisão e evolução do atual posicionamento da Autarquia sobre o investimento em criptoativos por fundos de investimento é vista pela CVM como algo gradual, demandando estudo mais aprofundado e interações específicas da CVM com o mercado.
Em paralelo, discute-se, desde julho deste ano na Anbima – Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, a elaboração de regras autorreguladoras para fundos que investem em ativos digitais, buscando dar maior transparência com relação aos fatores de risco desses fundos.
O inteiro teor do Parecer de Orientação CVM 40 pode
ser acessado aqui.
Confira notícia veiculada no site da Associação, aqui.
Confira a entrevista concedida ao Valor Econômico, clicando aqui.