Tarifas dos Consumidores Cativos
A MP 998 adotou diversas medidas para subsidiar as tarifas aplicáveis aos consumidores cativos. A Conta de Desenvolvimento de Energia (“CDE”) é um fundo setorial que custeia políticas públicas e programas de subsídio. Com a MP 998, recursos de P&D e créditos da União passam a compor a CDE.
A MP 998 determinou que, até 2025, a totalidade dos recursos que os agentes do setor são obrigados a investir, anualmente, em pesquisa e desenvolvimento (o que corresponde a 1% de sua receita operacional líquida) e que ainda não tenham sido comprometidos com projetos aprovados, sejam destinados à CDE Em relação a novos projetos, a MP 998 prevê um limite de até 70% para aplicação de recursos – de forma que ao menos 30% dos recursos de P&D sejam destinados à CDE, até 2025.
Além disso, os créditos da União contra a Itaipu Binacional adquiridos da Eletrobras na forma da Lei 12.783/2013 também serão destinados à CDE – neste caso de forma permanente.
Além das medidas relativas à CDE, ainda visando diminuir as tarifas nas Regiões Norte e Nordeste, a Conta de Consumo de Combustível (“CCC”), um fundo setorial, sofreu alterações em sua metodologia de cálculo. A CCC subsidia o custo de geração de energia nos chamados “Sistemas Isolados” – regiões do Brasil não conectadas ao restante do parque gerador e cujo consumo precisa ser atendido localmente por fontes térmicas mais caras. Em geral, estes sistemas se concentram na Região Norte do País.
A MP 998 excluiu das tarifas de consumidores cativos na Região Norte a cobrança da devolução dos empréstimos da RGR realizados pela Eletrobras, à época em que era a prestadora dos serviços de distribuição da região. Agora, os recursos da RGR serão utilizados para indenizar ativos não-contabilizados das distribuidoras da Eletrobras que já estavam em operação à época da sua privatização. Além disso, determinou que os encargos pagos pela CDE sejam constantes para os Estados de uma mesma região geográfica – o que diminui os encargos pagos pelos consumidores do Acre e de Rondônia, que hoje recolhem quantidades idênticas às dos consumidores do Sudeste/Centro Oeste.
Fim dos descontos nas tarifas de fio
A energia gerada por meio de projetos renováveis de menor porte recebe, hoje, um desconto nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição (“TUST/TUSD”). Esse desconto tinha reflexo no preço final da energia proveniente de fontes renováveis – em linha com a política de estado instituída no início do século concomitantemente ao PROINFA – e era custeado com recursos de recursos da CDE. Este incentivo/subsídio, inicialmente concebido para fomentar o aumento da capacidade instalada a partir de fontes renováveis, deixa de existir com a edição da MP 998. O racional dessa medida é a percepção de que há tempos os projetos de geração a partir de fontes renováveis já competem em preço com fontes tradicionais e, portanto, não carecem mais de subsídio para continuarem a expandir sua participação no aumento da oferta de energia nova no Brasil.
Como regra de transição, os empreendimentos existentes continuam beneficiados pelos descontos na TUST/TUSD até o final de suas respectivas outorgas. Também farão jus aos descontos os novos empreendimentos que solicitarem sua outorga em até um ano da publicação da MP 998, conquanto iniciem sua operação comercial em até quatro anos da sua outorga. Os benefícios assegurados pela regra de transição serão aplicáveis até o fim das respectivas outorgas atuais/iniciais, e não serão estendidos em caso de sua futura renovação. Além disso, a participação em mecanismos de descontratação de contratos regulados (os chamados MCSDs) levará à perda do desconto.
A MP 998 determina ainda que o Executivo Federal crie nova regulamentação para a consideração dos benefícios ambientais de fontes com baixa emissão de gases causadores do efeito estufa, sem, no entanto, especificar qual será o novo regime.
Energia Nuclear
A MP 998 contém disposições sobre a geração de energia nuclear no Brasil. Ela determinou que o Conselho Nacional de Política Energética (“CNPE”) terá a competência para outorgar a autorização da usina nuclear de Angra 3, pelo prazo de 50 anos, prorrogáveis por mais 20. Além disso, o CNPE será competente para autorizar a celebração de um PPA para a energia de Angra 3, com prazo de suprimento de 40 anos. O preço deste PPA será definido em estudo pelo BNDES, com o fim de viabilizar o financiamento do projeto da usina. Os contratos atuais de Angra 3 serão rescindidos caso o novo PPA venha a ser assinado.
A MP 998 determina que duas sociedades de economia mista relacionadas ao setor se tornem empresas públicas. As Indústrias Nucleares do Brasil S.A. – INB e a Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. – Nuclep terão suas ações detidas por acionistas privados resgatadas com base em seu valor de patrimônio líquido. Já as ações de titularidade da Comissão Nacional de Energia Nuclear serão transferidas para a União.
Outras alterações
A MP 998 trouxe ainda alterações na destinação de bens encampados e desapropriados com recursos da Reserva Global de Reversão, que são administrados pela Eletrobras até sua alienação, concessão ou privatização. Além disso, criou a possibilidade de contratação de reserva de capacidade de geração, para os horários de maior consumo. Foram incluídas em lei, ainda, as regras para o desligamento de agentes da CCEE – que, no caso dos consumidores, passa a implicar a suspensão de seu fornecimento de energia – e para a comercialização varejista de energia. Por fim, foi estendido o prazo para que Estados e Municípios privatizem empresas sob seu controle que não aderiram ao regime de cotas, até 30 de junho de 2021.
Observações
Subsídios: Algumas medidas da MP 998 contrariam o fim do subsídio cruzado, que vinha sendo considerado como um dos princípios norteadores da reforma do setor elétrico, objeto de discussões no âmbito da Consulta Pública nº 33 de 05/07/2017, conduzida pelo Ministério de Minas e Energia, e do PLS nº 232/2016, atualmente em tramitação no Congresso Nacional. Por outro lado, o fim do subsídio às energias renováveis a partir de recursos da CDE vem como medida já esperada e alinhada a direção da referida reforma setorial.
Discussões sobre novo modelo de incentivo a fontes renováveis: A MP 998 determina que sejam criadas, em até um ano, novas diretrizes para considerar os benefícios ambientais de fontes não poluidoras. Haverá intensa discussão no setor acerca do novo modelo a ser adotado.
Prêmio para os descontos de fio: O fim dos descontos na TUST/TUSD para fontes renováveis deve elevar o prêmio para a energia incentivada já existente no mercado de energia. O prêmio decorre de o consumidor se beneficiar indiretamente do subsídio, razão pela qual, atualmente no mercado, o preço da energia incentivada é mais caro do que o preço da energia não incentivada.
Requerimento de outorga: Os descontos na TUST/TUSD se manterão para os agentes que solicitem outorga em até um ano da publicação da MP 998. A regulação da ANEEL deve esclarecer qual marco no processo de obtenção da outorga deverá ser considerado – se a obtenção do DRO, a solicitação da outorga em si, ou outro marco relevante. Tal alteração com sua respectiva fase de transição deve resultar em uma corrida para obtenção de outorga e implementação de projetos renováveis que se encontram em fase de desenvolvimento e estruturação.
Novo regulamento de P&D: A MP 998 determina que a ANEEL edite regulamento acerca da priorização de iniciativas e produtos da indústria nacional que deverá ser observada nos investimentos obrigatórios de P&D. Tal medida pode gerar escassez e/ou aumentos de preços em alguns produtos para a realização pelos agentes de seus programas de P&D no curto prazo, em especial os que não tenham similar nacional.
Privatização da Eletrobrás: Em que pese não tratar diretamente do assunto, a MP 998 traz medidas que podem ser percebidas como preparatórias para eventual privatização da Eletrobrás, especialmente a reformulação da CDE e da RGR e a organização das empresas e outorgas no setor nuclear fora da esfera patrimonial da Eletrobrás e suas subsidiárias.
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