É um passo importante para modernizar e acelerar o desenvolvimento do
setor de gás natural no Brasil. Contudo, diversos elementos permanecem sujeitos
à regulação adicional pela ANP, o que exigirá tempo adicional para
implementação completa da abertura e liquidez do mercado de gás.
Abaixo os principais aspectos do Decreto:
Transporte
A nova Lei do Gás adotou o regime de autorização para as atividades de transporte de gás natural, em detrimento do mais complexo regime de concessão anteriormente utilizado. O Decreto a complementa estabelecendo que o processo de outorga de autorização deverá ser célere e eficiente, assegurada a transparência aos usuários das instalações e à sociedade.
O período de contestação (ou processo seletivo) para construção de novos gasodutos em caso de projetos alternativos (art. 11 da Lei do Gás) foi restrito a gasodutos destinados ao atendimento de novos mercados consumidores, nos termos de regulação adicional pela ANP.
No tocante à fronteira regulatória entre transporte (federal) e distribuição (estadual), o Decreto regulamenta o art 7º, inc. VI da Lei do Gás com diretrizes a serem complementadas por meio de regulação da ANP. Ele acrescenta que a definição dos limites de diâmetro, pressão e extensão para gasodutos serem considerados de transporte deverá verificar a promoção da eficiência global das redes, podendo ser diferenciados conforme a finalidade dos gasodutos. Também prevê que gasodutos que conectem instalações de GNC e GNL a outro gasoduto de transporte serão classificados como de transporte caso atendidos critérios técnicos de diâmetro, pressão e extensão estabelecidos pela ANP.
Por outro lado, o Decreto permite que a ANP não classifique um gasoduto como de transporte (mesmo que atendidos os critérios técnicos) caso: (i) não implique potencial impacto ou conflito com estudos de planejamento e com os planos coordenados de desenvolvimento do sistema de transporte, existentes ou em elaboração; e (ii) sua influência esteja restrita exclusivamente ao interesse local.
A conexão direta entre instalação de transporte e usuário final de gás natural (também conhecido como “by-pass”) poderá ser realizada quando permitido pela legislação estadual. Contudo, não são considerados usuários finais as pessoas jurídicas que utilizem o gás para (i) consumo próprio (conforme inc. XVI do art. 3º da Lei do Gás) ou (ii) em outras etapas intermediárias da cadeia, tais como compressão, liquefação, regaseificação e acondicionamento.
No tocante à desverticalização do setor de transporte, a Lei do Gás estabeleceu regras de independência das transportadoras face às empresas que exerçam atividades concorrenciais na cadeia. O Decreto prevê que a ANP poderá credenciar entidades para realizar a certificação de independência. Os gastos eficientes para tanto podem ser repassados para os carregadores via tarifa de transporte mediante aprovação da ANP.
Áreas de Mercado de Capacidade
O sistema de transporte poderá conter mais de uma área de mercado de capacidade mas a ANP deverá regulá-las a fim de promover uma fusão entre elas. O objetivo é progressivamente diminuir o número de áreas e aumentar a liquidez do ponto virtual de negociação (ponto sem uma localização física em uma área de mercado de capacidade, que permite aos carregadores realizar a transferência da titularidade do gás e a compensação de desequilíbrios. Também referido por “virtual hub”).
Os transportadores designarão o gestor da área de mercado de capacidade à qual pertençam, nos termos de regulação da ANP. Os gastos eficientes incorridos em sua constituição serão suportados pelos transportadores e poderão ser repassados aos carregadores na forma de custos e despesas vinculados à prestação do serviço de transporte. O Decreto restringe o que serão considerados gastos eficientes.
Os carregadores deverão ter acesso não discriminatório aos pontos virtuais de negociação, de forma eficiente e transparente. Tal acesso deverá ser assegurado pela ANP, em sua regulação, e pelos transportadores, no exercício de suas atividades.
Para impedir o congestionamento contratual, o Decreto permite que sejam adotadas medidas de cessão compulsória, temporária ou permanente, da capacidade de transporte cuja necessidade de uso de forma continuada não possa ser comprovada por seus contratantes, na forma da regulação da ANP.
Fungibilidade do Gás
A fungibilidade do gás é aspecto com forte relevância fiscal e fundamental para realização de negócios em vários elos da cadeia (por exemplo, processamento e estocagem subterrânea). O Decreto deixa claro que gás natural será considerado bem fungível, desde que observadas as especificações estabelecidas pela ANP – em casos de mistura de gás de diferentes qualidades, poderá ser adotada a equivalência energética para fins de fungibilidade.
O Decreto permite tratamento regulatório equivalente entre o gás natural e o biometano e outros gases intercambiáveis com o gás natural, desde que atendidas especificações estabelecidas pela ANP. Isto expandirá a esfera de aplicação da Lei do Gás.
Estocagem Subterrânea
Para promover a estocagem subterrânea de gás natural, o Decreto prevê que a ANP se articule com outras agências para a regulação de tal atividade em formações geológicas diversas daquelas que produzem ou já produziram hidrocarbonetos (i.e., reservatórios de hidrocarbonetos).
O acesso de terceiros às instalações de estocagem subterrânea será regulado pela ANP, fundamentado em critérios objetivos, transparentes e não discriminatórios. A ANP poderá estabelecer período de exclusividade, sem acesso de terceiros, levando em conta, entre outros fatores a serem definidos na regulação: (i) retorno dos investimentos que viabilizaram o projeto; (ii) relação societária entre o titular e empresas atuantes em outros elos da cadeia do gás; e (iii) relevância da instalação para o abastecimento do mercado nacional.
Em caso de acesso regulado às instalações, as tarifas de estocagem deverão ser aprovadas pela ANP.
O Decreto prevê que a extração residual de hidrocarbonetos líquidos associada à estocagem subterrânea deverá ter regime simplificado, conforme regulação da ANP, dispensada licitação. Ademais, esclarece que o armazenador que seja titular de direitos de produção de hidrocarbonetos não terá seus direitos prejudicados pela restrição prevista na Lei do Gás que o armazenador não poderá retirar da formação geológica volume de gás natural superior ao originalmente armazenado (art. 23, §1º), isto é, o cushion gas.
Gasodutos de Escoamento, UPGNs e Terminais de GNL
O Decreto complementa a Lei do Gás ao prever que o acesso a tais infraestruturas essenciais ocorrerá de modo transparente. A ANP poderá estabelecer prazos e condições para a negociação do acesso, inclusive em relação às cláusulas de confidencialidade. Não sendo concluída a negociação no prazo, a ANP poderá atuar de ofício para verificar se há condutas anticoncorrenciais ou controvérsias entre as partes.
A ANP poderá dar publicidade aos projetos de construção de gasodutos de escoamento e de UPGNs, de forma a possibilitar a coordenação entre os proprietários das instalações e os agentes interessados no acesso
Distribuição e Comercialização
O Decreto esclarece que a relação societária entre empresas que exerçam atividade concorrencial (exploração, desenvolvimento, produção, importação, carregamento e comercialização de gás natural) e distribuidoras de gás canalizado é permitida, desde que os responsáveis pela escolha de membros do conselho de administração ou da diretoria ou de representante legal de empresas que exerçam atividade concorrencial na cadeia de gás não tenham acesso a informações concorrencialmente sensíveis ou designar ou votar para eleger membros da diretoria comercial, de suprimento ou representante legal de distribuidora.
O Decreto esclarece que são considerados responsáveis pela escolha de membros do conselho de administração ou da diretoria ou de representante legal de empresas que exerçam atividade concorrencial na cadeia de gás aquele que (i) detenha seu controle direto ou indireto; (ii) detenha nelas participação societária que lhe assegure influência significativa; (iii) seja seu administrador ou (iv) possua poder para tal escolha com base no estatuto ou contrato social, acordo de acionistas ou ação de classe especial.
Visando impedir a ocorrência de práticas anticoncorrenciais, o Decreto determina que a ANP deverá estabelecer normas que impeçam que as empresas autorizadas de (i) influenciar, direta ou indiretamente, a gestão comercial e as decisões de investimento de distribuidoras de gás canalizado; (ii) obter, por meio de relação societária direta ou indireta com distribuidora de gás canalizado, vantagem competitiva em relação aos seus concorrentes; ou (iii) ter acesso, direta ou indiretamente, a informações concorrencialmente sensíveis detidas por distribuidora de gás canalizado. O cumprimento de tais normas será condição para a obtenção e manutenção de autorizações para exercício das atividades concorrenciais da indústria do gás natural.
A ANP poderá credenciar entidades para realizar certificação de independência em relação às distribuidoras, conforme regulação a ser estabelecida.
A ANP ficará incumbida de acompanhar o funcionamento do mercado de gás natural, assim como regular a organização e o funcionamento do mercado atacadista de gás natural.
O Decreto confirma que o fornecimento de gás canalizado (serviço explorado nos termos da regulação estadual, que consiste na venda de gás canalizado a consumidores cativos) não está sujeita à autorização da ANP – pois é definido como atividade típica das distribuidoras de gás canalizado. Por outro lado, esclarece que a comercialização de gás natural abrange a venda de gás natural acondicionado sob as formas gasosa, líquida ou sólida, transportado por modais alternativos ao dutoviário, inclusive aos usuários finais – deixando claro que se distingue das atividades de fornecimento de gás canalizado pelas distribuidoras.
Harmonização Regulatória
O Decreto prevê que o Ministério de Minas e Energia (MME) e a ANP deverão se articular com os Estados para a harmonização e o aperfeiçoamento do arcabouço normativo da indústria de gás natural, inclusive em relação à regulação do consumidor livre.
Dentre os mecanismos a serem adotados, estão previstas: (i) a formação de redes de conhecimento coordenadas pelo MME e formadas por representantes dos entes federativos, da indústria do gás natural e de especialistas do setor, para disseminar conhecimento e formular propostas de padrões, políticas, guias e manuais; e (ii) a proposição pela ANP de diretrizes para a regulação estadual dos serviços locais de gás canalizado, de adesão voluntária pelos Estados.
A adesão voluntária a estes mecanismos será registrada por meio do Pacto Nacional para o Desenvolvimento do Mercado de Gás Natural, que estipulará a cooperação federativa para a efetivação das medidas necessárias para a harmonização das regulações estaduais e federais e para desenvolvimento do mercado de gás natural no País.
Regras de Transição
Os gastos eficientes necessários para transição para o modelo de transporte estabelecido pela Lei do Gás (entrada-saída) serão suportados pelos transportadores, que poderão repassá-los aos carregadores via tarifa.
Dutos regulados na esfera federal e aprovados pela ANP até 9 de abril de 2021 (publicação da Lei do Gás) poderão ter sua classificação preservada. O Decreto reafirma que terão preservada a classificação os dutos enquadrados como de transporte apenas por atingir os critérios técnicos de diâmetro, pressão e extensão a serem regulados pela ANP que estavam em implantação ou operação na publicação da Lei do Gás.
A seguir seus principais aspectos, detalhados no nosso Informa:
A equipe de Óleo e Gás do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto fica à disposição para discutir temas a respeito do Decreto e da indústria de gás natural. Acesse aqui seu inteiro teor.