Tokenização da Propriedade Imobiliária

​Ao se depararem com a recente apresentação
para registro de uma incomum escritura pública de permuta da empresa Netspaces,
pela qual o ex-proprietário alienou o imóvel em contrapartida da emissão de um
token virtual, representativo da propriedade, a Associação dos Notários e
Registradores do Estado do Rio Grande do Sul (ANOREG-RS) e o Fórum de
Presidentes das Entidades Extrajudiciais Gaúchas encaminharam uma consulta
formal à Corregedoria Geral de Justiça (“CGJ”) do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul (“TJRS”). O resultado da
referida consulta foi a publicação do Provimento CGJ-RS nº 038/2021 (“Provimento”).

O cerne da dúvida levantada pelos Cartórios versou sobre a possibilidade legal,
validade e eficácia de lavratura e registro desse novo tipo de escritura pública
de alienação de imóvel em troca de um token registrado em blockchain,
que representaria digitalmente a propriedade real do imóvel. Nesse novo
mercado, a transmissão do token tornaria o permutante o novo “proprietário
digital/virtual do imóvel”, na plataforma digital da empresa contratada para
tanto. Desta forma, as partes poderiam, inclusive, transacionar seus direitos
sobre frações ideais virtuais do imóvel a terceiros, em atos subsequentes. Contudo,
apesar de transferir gratuitamente a propriedade virtual do imóvel, o ex-proprietário
continuaria exercendo a sua propriedade formal com a posse, o uso, a fruição e a
livre disposição do imóvel.

Ao analisar o caso concreto, a
CGJ-RS se manifestou por meio de Despacho[1],
entendendo que a “propriedade digital” do imóvel não se confunde com a sua “propriedade
formal” registrada em Cartório. A primeira teria natureza meramente contratual,
com efeitos exclusivos entre os contratantes. Já a segunda seguiria sustentando
sua natureza real, com eficácia em relação a quaisquer terceiros, pelo que a
CGJ-RS interpretou que a operação não encontraria qualquer impedimento na
legislação em vigor aplicável, desde
que não haja intenção fraudulenta, ilícita e/ou criminosa, para afastar o
cumprimento de qualquer determinação legal, inclusive de natureza tributária.

Assim, o Provimento CGJ-RS nº
038/2021 determinou que as escrituras públicas de permuta de bens imóveis quitados
com tokens/criptoativos, no Estado do Rio Grande do Sul, contenham as seguintes
condições cumulativas: “I – declaração das partes de que reconhecem o conteúdo econômico dos
tokens/criptoativos objeto da permuta, especificando no título o seu valor; II
– declaração das partes de que o conteúdo dos tokens/criptoativos envolvidos na
permuta não representa direitos sobre o próprio imóvel permutado, seja no
momento da permuta ou logo após, como conclusão do negócio jurídico
representado no ato; IV – que o valor declarado para os tokens/criptoativos
guarde razoável equivalência econômica em relação à avaliação do imóvel
permutado; e IV – que os tokens/criptoativos envolvidos na permuta não tenham
denominação ou endereço (link) de registro em blockchain que deem a entender
que seu conteúdo se refira aos direitos de propriedade sobre o imóvel
permutado.”

É provável que, no futuro próximo,
haja uma regulamentação nacional do assunto pelo CNJ – Conselho Nacional de
Justiça, para a uniformização do tratamento notarial e registral de escrituras
públicas de alienação de imóveis com quitação por meio de token registrado em blockchain,
aumentando a segurança jurídica desse novo tipo de operação virtual para
investidores, empreendedores e consumidores imobiliários.

Este boletim apresenta um resumo de alterações legislativas ou decisões judiciais e administrativas no Brasil. Destina-se aos clientes e integrantes do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. Este boletim não tem por objetivo prover aconselhamento legal sobre as matérias aqui tratadas e não deve ser interpretado como tal.

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