Gun jumping é o termo utilizado para tratar da consumação prévia de atos de concentração econômica, que seriam de notificação obrigatória ao CADE, antes da aprovação definitiva pelo órgão. Tal consumação antecipada pode ser resultado, por exemplo, da transferência de ativos ou ingerência indevida de uma parte sobre a outra, bem como do abuso no compartilhamento de informações concorrencialmente sensíveis entre elas.
As investigações encerradas demonstram que o CADE segue diligente neste aspecto, destacando-se alguns pontos importantes em tais precedentes específicos: (i) a observância da regra “de minimis“, sobretudo a de aquisição de participações/incrementos superiores a 5%; (ii) a inexistência de exceções ao mercado imobiliário e (iii) correta interpretação da isenção de notificar consórcios para participação em licitações públicas.
No mesmo sentido, indicam que um caminho possível aos administrados, a depender das circunstancias, seria uma solução negociada com o órgão, possibilitando tanto a redução das multas (que podem atingir até R$ 60 milhões) como a isenção de outras penalidades (como a anulação da operação em si).
Fatores como o momento da submissão ao CADE, e a proatividade na apresentação de operações já consumadas, podem ter impactos significativos nos valores negociados. Sendo assim, é de suma importância que o assunto esteja no radar das empresas, e que a análise da obrigatoriedade de notificação ao CADE seja uma etapa indispensável no momento da estruturação de operações.
O primeiro acordo se deu em APAC que investigava diversas aquisições de participação acionária, por parte da Naspers Limited (controladora do iFood), na empresa Delivery Hero SE (que operava no Brasil através da Pedidos Já). Dentre diversas aquisições realizadas ao longo dos anos, apenas uma foi notificada – aumento do percentual detido pela Naspers, na Delivery Hero, de 10% para 23,6%. Entretanto, o CADE entendeu que uma subscrição de ações no montante equivalente a 7,8% do capital social da empresa, consumada em 2017, também deveria ter sido notificada.
As investigadas argumentaram que, por se tratar de uma subscrição primária de novas ações, a operação não consistiria em ato de concentração. Além disso, sustentaram que os grupos econômicos envolvidos não teriam preenchido os critérios de faturamento para que uma notificação seja obrigatória, isto é, R$ 750 milhões, de um lado, e R$ 75 milhões, de outro. Em sentido contrário, a Superintendência-Geral CADE (SG) entendeu que as subscrições primárias de ações também se inserem no conceito de ato de concentração previsto na Lei nº 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência), consistindo em aquisição de partes ou do controle de uma empresa (regra de minimis). Além disso, apontou que a Global Online Takeaway Group, uma controlada da Rocket Internet, teria participação de 38% no capital social da Delivery Hero. Sendo assim, a última estaria sob controle comum da Rocket Internet, fazendo com que o critério de faturamento fosse preenchido.
Diante deste posicionamento, as empresas apresentaram proposta de Acordo em Controle de Concentrações (ACC), comprometendo-se com a obrigação solidária de pagar contribuição pecuniária no valor aproximado de R$ 718.554,00. O valor final levou em conta que os efeitos da operação no Brasil foram modestos, e não levantaram maiores preocupações concorrenciais, bem como que a última aquisição já havia sido notificada ao CADE e aprovada sem restrições.
Na mesma Sessão de Julgamento, foi celebrado acordo no âmbito de APAC que investigava um projeto conjunto de empreendimentos imobiliários pelas empresas Cyrela Brazil Realty S.A. Empreendimentos e Participações e Precon Engenharia S.A.
Segundo as investigadas, a parceria não foi notificada ao CADE pois consistiria apenas na consecução do próprio objeto social de incorporadoras de empreendimentos imobiliários, envolvendo a constituição de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) não operacional para deter imóvel localizado em Taquara. Por outro lado, a SG afirmou que o fato de a operação envolver uma SPE não afastaria a competência legal do CADE para apreciar concentrações entre empresas, e tampouco justificaria a alegada não ocorrência de impactos relevantes ao ambiente concorrencial.
Sendo assim, as empresas propuseram um ACC contemplando contribuição pecuniária no valor de R$ 813.330,49, valor que considerou as regras usuais do CADE em relação ao tempo decorrido desde a consumação, o momento processual e a baixa gravidade da conduta, tendo em vista que a operação não levantava preocupações concorrenciais.
Por fim, a Companhia de Investimentos em Infraestrutura e Serviços (CIIS) e a Concessionária do VLT Carioca S.A. (VLT Carioca) estavam sendo investigadas em razão da consumação prévia de operação que envolvia aquisição de controle unitário da VLT Carioca pela CIIS.
A CIIS argumentou que detinha, originalmente, participação de 24,93% na VLT Carioca, mas que foram realizados, ao longo do tempo, aumentos de capital e compras automáticas na VLT Carioca, com o objetivo tão somente de cumprir obrigações contratuais previstas no contrato de concessão de serviço público assinado em decorrência de processo licitatório.
As partes defenderam que a operação estaria isenta de notificação ao CADE, com base no artigo 90, parágrafo único da Lei de Defesa da Concorrência, que prevê uma isenção exclusivamente para contratos associativos, consórcios ou joint ventures destinados às licitações públicas e contratos decorrentes. De acordo com a Superintendência-Geral do CADE, no entanto, o caso não se enquadraria no referido artigo, sendo uma aquisição de participação acionária subsequente.