Aspectos de Compliance na MP “Brasil Soberano”

A Medida Provisória nº 1.309 (“MP”), de 13 de agosto de 2025, foi editada em resposta direta ao chamado tarifaço imposto pelos Estados Unidos, que estabeleceu tarifas adicionais sobre diversos produtos brasileiros. Inserida no contexto do Plano Brasil Soberano, a norma cria um pacote de medidas emergenciais para mitigar os impactos econômicos dessa barreira comercial, abrangendo desde apoio financeiro a empresas exportadoras e ajustes em regimes tributários até alterações em mecanismos de seguro e garantias à exportação. Cabe lembrar que a Medida Provisória ainda tramitará no Congresso Nacional, no prazo legal, estando sujeita a emendas e alterações pelos parlamentares, que podem modificar as propostas encaminhadas inicialmente pelo governo federal.

Neste contexto, embora a MP trate de múltiplos instrumentos de suporte, o ponto de maior atenção sob a ótica de integridade e gestão de riscos está no Capítulo VIII, que flexibiliza de forma significativa as regras de compras governamentais para aquisição de gêneros alimentícios que deixaram de ser exportados em virtude do aumento tarifário, criando um ambiente de maior exposição a riscos regulatórios, operacionais e reputacionais.

Embora a medida tenha como objetivo garantir o abastecimento interno de produtos estratégicos, a flexibilização de procedimentos de contratação eleva o risco de práticas irregulares, demandando atenção especial das empresas que pretendam participar dessas oportunidades.

Proposta de Flexibilização de Compras Governamentais prevista na MP

  • Contratação direta sem licitação, com apresentação de termo de referência simplificado, para aquisição de gêneros alimentícios habilitados e definidos em ato conjunto do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).
  • Termo de referência simplificado, contendo obrigatoriamente: definição do objeto, fundamentação resumida, descrição da solução, requisitos da contratação, critérios de medição e pagamento, estimativa de preços e adequação orçamentária.
  • Dispensa de estudos técnicos preliminares e possibilidade de uso do sistema de registro de preços,com adesões limitadas a até cinco vezes o quantitativo originalmente registrado para cada item.
  • Prazo máximo de vigência de 180 dias para contratos firmados sob essas regras excepcionais, e contratações possíveis no prazo de até 180 dias a partir da publicação desta MP.
  • Definição do preço estimado com base na média dos valores obtidos em pesquisa entre potenciais fornecedores habilitados.
  • Divulgação pública obrigatória da estratégia de mitigação e das políticas públicas atendidas, no site oficial do órgão contratante ou, na ausência deste, em local visível na sede.

Pontos de Atenção sob a Perspectiva de Compliance

A possibilidade de contratação direta, aliada à simplificação dos requisitos processuais, tende a ampliar a atratividade dessas oportunidades para os fornecedores. No entanto, essa mesma flexibilização eleva de forma expressiva a exposição a riscos legais, regulatórios e reputacionais. Nesse contexto, é essencial que as empresas adotem controles internos robustos e práticas de governança capazes de assegurar a integridade em todas as etapas da negociação e da execução contratual.

1. Habilitação e prova de requisitos

Assegurar que o produto e a empresa atendam integralmente aos critérios definidos no ato conjunto ministerial. Toda a documentação deve ser mantida de forma organizada para pronta apresentação em auditorias ou fiscalizações.

2. Transparência na formação de preços

Garantir que a definição dos valores siga parâmetros de mercado, com registro documental de todas as referências utilizadas. Qualquer indício de combinação prévia de preços ou formação artificial de valores pode caracterizar infração administrativa e crime contra a ordem econômica.

3. Integridade em consórcios e parcerias

Se a participação ocorrer por meio de consórcio, joint venture ou parceria, avaliar previamente a reputação e o histórico de compliance dos parceiros comerciais. Lembrar que a corresponsabilização por atos ilícitos de terceiros é prevista na Lei nº 12.846/2013 (“Lei Anticorrupção”).

4. Prevenção a conflitos de interesse e atos lesivos

Adotar mecanismos internos para prevenir situações de favorecimento indevido, tráfico de influência ou oferecimento de vantagens indevidas a agentes públicos, em conformidade com a Lei Anticorrupção e demais normas correlatas.

5. Rastreabilidade e coerência da informação

Guardar registros completos de negociações, entregas e pagamentos, garantindo consistência com as informações divulgadas oficialmente pelo órgão público e evitando questionamentos ou investigações.

6. Treinamento e monitoramento contínuo

Capacitar as equipes responsáveis pela negociação e execução do contrato, reforçando protocolos de integridade, e implementar mecanismos de monitoramento constante até a conclusão do contrato.

7. Due diligence contínua

Reavaliar periodicamente riscos contratuais durante sua execução, principalmente em razão da celeridade e flexibilização impostas pela MP, que podem aumentar a possibilidade de falhas ou práticas irregulares.

Conclusão

A participação em processos de contratação direta previstos pela MP exige resposta ágil das empresas, mas não pode ocorrer em detrimento dos padrões de integridade. A adoção de controles internos reforçados, transparência e monitoramento constante é essencial para aproveitar as oportunidades sem comprometer a reputação ou incorrer em riscos jurídicos.

Nossa equipe de Compliance e Investigações está à disposição para apoiar empresas interessadas em avaliar riscos, revisar procedimentos e implementar controles internos para participação segura nessas contratações excepcionais.

Este boletim apresenta um resumo de alterações legislativas ou decisões judiciais e administrativas no Brasil. Destina-se aos clientes e integrantes do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. Este boletim não tem por objetivo prover aconselhamento legal sobre as matérias aqui tratadas e não deve ser interpretado como tal.

Compartilhe este post
Receba conteúdos de especialistas do nosso Centro de Inteligência

Leia também

Receba conteúdos de especialistas
do nosso Centro de Inteligência

Contato
Helena Pawlow
(+55) 11 97310-8569
Anderson Guerreiro
(+55) 51 99539-1212
Marília Paiotti
(+55) 11 99617-2133