Contexto Regulatório
O Ministério de Minas e Energia (MME) publicou, em 10 de novembro, a Portaria nº 878/2025, submetendo à Consulta Pública nº 202/20251, pelo prazo de vinte dias, a minuta de portaria normativa para estabelecer as diretrizes e a sistemática do Leilão de Reserva de Capacidade na forma de Potência (LRCAP 2026 – Armazenamento).
O certame tem como objetivo contratar potência elétrica proveniente de novos sistemas de armazenamento em baterias (SAEs) conectados ao Sistema Interligado Nacional (SIN), com início de suprimento previsto para 1º de agosto de 2028 e prazo contratual de dez anos. A medida busca assegurar a capacidade de atendimento à demanda instantânea do SIN, especialmente nos horários de pico, diante da crescente participação de fontes não controláveis, como solar e eólica, bem como o fornecimento de serviços ancilares, garantindo flexibilidade operativa, locacional e confiabilidade do sistema.
Além disso, o uso da ferramenta de Leilão, associado a contratos de longo prazo, contribui para melhorar as condições de financiabilidade dos projetos de armazenamento, impulsionando o desenvolvimento desse mercado no país — conforme já indicado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em seus estudos.
Temas sob Consulta Pública
A minuta disponibilizada para contribuições contempla os seguintes pontos centrais:
- Diretrizes do Leilão: definição do produto “Potência Armazenamento”, regras de participação e obrigação de atendimento integral aos despachos do ONS.
- Requisitos Técnicos: parâmetros mínimos para habilitação, incluindo potência, duração, eficiência, tempo de recarga e conformidade com requisitos grid-forming.
- Condições Contratuais: início de suprimento, prazo, forma de remuneração, penalidades e regras para contabilização da energia.
- Cadastramento e Habilitação Técnica: procedimentos, flexibilização do licenciamento ambiental e critérios de inabilitação.
- Critérios Locacionais e Bonificação: metodologia para definição de pontos estratégicos e aplicação da constante β.
- Aspectos Operacionais e Regulatórios: exigência de contratação de MUST/MUSD, margens de escoamento, antecipação de operação e aplicação das tarifas TUST/TUSD.
Estrutura do Leilão
A minuta define um produto único denominado “Potência Armazenamento”, cujo compromisso de entrega consiste na disponibilidade de potência em megawatts, não na entrega de energia em si. Poderão participar do certame SAEs que venham a ser conectados diretamente ao ponto de conexão do SIN ou instalados em pontos do SIN compartilhados com outros agentes. A proposta determina a obrigatoriedade de atendimento integral aos despachos de carga e descarga definidos pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), tanto na programação diária quanto na operação em tempo real. O controle das operações será integralmente atribuído ao ONS, e a energia injetada será liquidada no Mercado de Curto Prazo ao Preço de Liquidação das Diferenças, e esse recurso será destinado para a Conta de Potência para Reserva de Capacidade (CONCAP), observados os limites regulamentares.
Requisitos Técnicos Propostos
Entre os parâmetros mínimos para participação, destacam-se:
- Potência mínima de 30 MW;
- Duração de operação contínua de 4 horas, com possibilidade de despacho por períodos mais longos mediante potência proporcionalmente reduzida;
- Eficiência mínima de 85% (round-trip efficiency);
- Tempo máximo de recarga de 6 horas;
- Atendimento aos requisitos da Nota Técnica NT-ONS DPL 0111/2025, incluindo funcionalidades de grid-forming e resposta rápida em frequência (Fast Frequency Response – FFR).
Além disso, os sistemas deverão permitir até dois ciclos completos por dia (carga e descarga), com limite anual de 365 ciclos (366 em anos bissextos), e apresentar Custo Variável Unitário igual a zero.
Condições Contratuais Propostas
Os Contratos de Potência de Reserva de Capacidade (CRCAPs) terão início de suprimento em agosto de 2028 e prazo de dez anos. A remuneração será feita por meio de receita fixa anual, paga em doze parcelas mensais, devendo contemplar todos os custos do empreendimento, incluindo investimento, operação e manutenção, conexão, encargos, seguros, tributos e reinvestimentos. As penalidades previstas abrangem indisponibilidade acima dos índices de referência, descumprimento dos compromissos de entrega e não atendimento aos despachos do ONS, tanto para injeção quanto para recarga.
Os CRCAPs devem estabelecer que o vendedor não estará isento da obrigação de entrega da potência contratada mesmo que dentro dos limites da Taxa Equivalente de Indisponibilidade Forçada (TEIF). Além disso, as intervenções programadas (Indisponibilidades Programadas – IPs) deverão ocorrer exclusivamente em períodos previamente acordados com o ONS, conforme estabelecido nos Procedimentos de Rede.
Cadastramento e Habilitação Técnica
O cadastramento seguirá as regras usuais dos leilões de energia, com envio à EPE da ficha de dados do Sistema de Acompanhamento de Empreendimentos Geradores de Energia (AEGE) e documentos previstos na Portaria nº 102. A minuta flexibiliza a exigência de apresentação de licenciamento ambiental prévio na fase de habilitação, sem prejuízo da regularização posterior.
A minuta sugere que não poderão ser habilitados, dentre outros, SAEs com:
- custo variável unitário (CVU) seja superior a zero;
- disponibilidade de potência máxima inferior a 30 MW;
- capacidade de operação contínua com disponibilidade de potência máxima inferior a 4 (quatro) horas consecutivas;
- barramento candidato com capacidade remanescente para escoamento inferior à respectiva potência injetada e à necessária para a recarga;
- eficiência de carga e descarga (round trip efficiency) seja inferior a 85%.
Critérios Locacionais e Bonificação
A minuta remete à NT-ONS DPL 0111/2025, que define requisitos técnicos mínimos para conexão dos sistemas de armazenamento ao SIN, alinhados ao Submódulo 2.10 dos Procedimentos de Rede, aplicáveis ao LRCAP 2026 – Armazenamento.
Os pontos resultantes serão divulgados aos agentes no início do cadastramento dos empreendimentos no certame. A minuta introduz a constante de bonificação de localização (β), aplicada para reconhecer benefícios elétricos adicionais decorrentes da instalação dos SAEs em pontos estratégicos do SIN, sendo β igual a 0,9 para empreendimentos localizados em pontos de benefício sistêmico e β igual a 1,0 para os demais. A metodologia para definição desses pontos, elaborada pela EPE, utiliza o indicador MISCR (Multi-Infeed Short Circuit Ratio) para identificar regiões de menor robustez elétrica, consideradas prioritárias para a instalação dos sistemas e um refinamento do conceito, a partir da análise a nível de barramento tendo em vista maiores taxas de queda e afundamentos de tensão (Disponível em: Nota Técnica EPE-DEE-NT-086/2025). Segundo a análise, observou-se que a localização das barras selecionadas – considerando o certame – se concentra nos Estados do Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Pernambuco, Parnaíba, Bahia e Minas Gerais, em razão da elevada concentração de geração renovável variável.
Para este primeiro leilão, será aplicado apenas o Nível 1 da metodologia, com análise regional e corte percentual para áreas de menor robustez, complementada por verificação preliminar da margem de escoamento.
Aspectos Operacionais e Regulatórios
A minuta prevê a exigência de contratação de Montante de Uso do Sistema de Transmissão (MUST) ou Montante de Uso do Sistema de Distribuição (MUSD) suficiente para viabilizar despacho e recarga integral dos SAEs, evitando restrições de rede. As margens remanescentes de escoamento do SIN serão consideradas como critério de classificação dos empreendimentos. Há ainda previsão de possibilidade de antecipação da entrada em operação comercial mediante anuência do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), desde que comprovado benefício ao SIN e disponibilidade de conexão.
1. Disponível no Portal de Consultas Públicas do MME