Nova lei que altera as relações de Direito Privado durante a pandemia é sancionada

O texto final encaminhado à Presidência da República pelo Congresso foi sancionado com vetos aos artigos 4º, 6º, 7º, 9º, 11, 17, 18 e 19, que tratavam dos seguintes temas: (i) restrições à realização de reuniões e assembleias presenciais até 30 de outubro de 2020; (ii) disposições sobre resilição, resolução e revisão dos contratos; (iii) não concessão de liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo; (iv) ampliação de poderes a síndicos de condomínios edilícios; e (v) diretrizes da política nacional de mobilidade urbana, que estipulava redução por empresas atuantes no transporte remunerado privado individual de passageiros, inclusive por aplicativos ou plataformas digitais, além de serviços e outorgas de táxi, de sua porcentagem de retenção do valor das viagens em ao menos 15% (quinze por cento) com o repasse dessa quantia ao motorista.

O Projeto de Lei foi originalmente apresentado pelo Senador Antônio Anastasia (PSD-MG) em 30.03.2020 e contou com a relatoria da Senadora Simone Tebet (MDB-MS) e do Deputado Enrico Misasi (PV-SP) nas respectivas casas legislativas. Dentre outros, o PL teve a colaboração do presidente do STF, Min. Dias Toffoli, e a coordenação técnica do Min. Antônio Carlos Ferreira (STJ) e do Prof. Otávio Luiz Rodrigues Jr. (USP).

O texto aprovado pelo Congresso Nacional continha disposições que teriam impacto direto nas relações empresariais, a fim de conferir maior segurança e previsibilidade às decisões judiciais, a exemplo das que regulavam os efeitos da pandemia para fins de revisão ou extinção dos contratos. Também veiculava normas para preservação de contratos durante a pandemia, como as que proibiam a concessão de liminares em ações de despejo. Porém, os vetos enxugaram significativamente o Projeto de Lei.

Ainda assim, a Lei n. 14.010/2020 contém importantes disposições sobre matérias como prescrição e assembleias. Além disso, o novo diploma trata de questões para além da atividade empresarial, como a prisão de devedores de pensão alimentícia.

Os vetos podem ser rejeitados por maioria absoluta dos Deputados e Senadores em sessão conjunta do Congresso, que terá 30 dias para deliberar a respeito.

Neste Informa Cescon Barrieu, resumimos os principais aspectos da nova lei.

DISPOSIÇÕES GERAIS

Marco inicial da pandemia: a Lei n. 14.010/2020 considera o dia 20 de março de 2020 como marco inicial dos eventos derivados da pandemia de Covid-19.

Caráter transitório e emergencial: não há revogação ou alteração de normas cuja aplicação esteja suspensa pela Lei n. 14.010/2020.

PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

Suspensão e impedimento dos prazos: os prazos prescricionais e decadenciais ficarão suspensos ou impedidos, conforme o caso, até 30 de outubro de 2020. Com isso, será instituída uma pausa geral na prescrição e decadência.

Por exemplo, se um empresário tinha uma pretensão de cobrança de dívida prestes a prescrever, seu prazo foi suspenso e só voltará a correr em 31 de outubro.

Assim, o credor poderá aguardar o final da pandemia para tomar as medidas cabíveis, ficando protegido contra as dificuldades operacionais inerentes ao distanciamento. Dá-se um fôlego para que a parte se prepare adequadamente para exigir seus direitos.

Note-se que a suspensão e o impedimento dos prazos prescricionais e decadenciais só incidirá a partir da data da publicação da lei, apesar de o dia 20 de março de 2020 ter sido fixado como o termo inicial dos eventos derivados da pandemia.

RELAÇÕES DE CONSUMO

Suspensão do direito de arrependimento previsto no CDC: Apenas em relação aos produtos perecíveis ou de consumo imediato e medicamentos, ficará suspenso, até 30 de outubro de 2020, o direito do consumidor de desistir do contrato firmado fora do estabelecimento comercial, independentemente de defeito ou vício do produto, quando a entrega for feita em domicílio (delivery).

A providência é adequada, pois o distanciamento social intensifica a celebração de contratos à distância. A Lei diminui o risco do empresário que explora serviços de delivery, protegendo-o contra o mero arrependimento do consumidor.

LOCAÇÕES DE IMÓVEIS URBANOS

O dispositivo do PL que suspendia até 30 de outubro de 2020 a concessão de liminares em ações de despejo ajuizadas a partir de 20 de março de 2020 foi objeto de veto presidencial.

O texto final do PL encaminhado à Presidência da República pelo Congresso previa que somente seria concedida liminar para as ações de despejo ajuizadas a partir de 20 de março de 2020 que tivessem um destes fundamentos: (i) término do prazo da locação para temporada, tendo sido o despejo requerido em até 30 dias após o vencimento do contrato; (ii) morte do locatário sem deixar sucessor legítimo na locação, permanecendo no imóvel pessoas não autorizadas; ou (iii) se houver necessidade de reparações urgentes no imóvel, determinadas pelo Poder Público.

USUCAPIÃO

Suspensão de prazo: ficam suspensos, a partir da data de vigência da Lei até 30 de outubro de 2020, todos os prazos de aquisição de bens por meio de usucapião.

A medida é correta, visto que os proprietários poderão ter dificuldades para impedir que terceiros entrem ou continuem na posse de seus bens durante a pandemia.

CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS

O dispositivo do PL que conferia, em caráter emergencial até 30 de outubro de 2020, poderes especiais aos síndicos dos condomínios edilícios para restringir o acesso e a utilização de áreas comuns, especialmente para fins de realização de reuniões e festividades, foi objeto de veto presidencial. Desta forma, somente permaneceu vigente a disposição acerca da realização de assembleias condominiais por meios virtuais, inclusive para fins de destituição e convocação de novo síndico, que poderão ocorrer, até 30 de outubro de 2020, em caráter emergencial, por meios virtuais. O uso desses recursos não precisa estar previsto no estatuto ou regimento interno do condomínio.

Na hipótese de não ser possível a realização de nova assembleia, ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020 os mandatos de síndico vencidos a partir de 20 de março de 2020.

PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO

No âmbito do direito societário, a Lei n. 14.010/2020 dispõe que as assembleias gerais realizadas até 30 de outubro de 2020, inclusive aquelas relativas às associações, poderão ser realizadas por meios eletrônicos, independentemente de previsão expressa nesse sentido em seus atos constitutivos.

Não fica claro, no entanto, quais pessoas jurídicas de direito privado estão abrangidas por esse dispositivo (além das associações, expressamente mencionadas por referência na Lei 14.010/2020).

A nosso ver, esse normativo se aplica às assembleias de todas as pessoas jurídicas de direito privado (conforme aplicável), sendo que, em relação às reuniões e assembleias realizadas por sociedades limitadas, sociedades anônimas abertas e fechadas e cooperativas, estas estão sujeitas às regras previstas na Medida Provisória 931, de 30 de março de 2020 (“MP 931”), atualmente em vigor e em discussão no Congresso Federal.

A Lei n. 14.010/2020 prevê ainda que a manifestação dos participantes das assembleias virtuais dessas pessoas jurídicas poderá ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador que assegure a identificação do participante e a segurança do voto, produzindo os mesmos efeitos legais de uma assinatura presencial.

REGIME CONCORRENCIAL

Infrações à ordem econômica: fica suspensa, até 30 de outubro de 2020 ou enquanto durar a declaração do estado de calamidade pública contida no Decreto Legislativo n. 6 de 20 de março de 2020, a aplicação de dois incisos do §3º do artigo 36 da Lei n. 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência), quais sejam: (i) vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo e (ii) cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada. Permanecem inalteradas as demais disposições do artigo, que traz um rol exemplificativo de condutas anticompetitivas. Adicionalmente, as demais infrações concorrenciais praticadas a partir de 20 de março de 2020, e enquanto durar o estado de calamidade pública, quando apreciadas pelo CADE, deverão considerar as circunstâncias decorrentes da pandemia de Covid-19.

Situações de dispensa do controle prévio do CADE: será dispensado do controle prévio do CADE os atos de concentração decorrentes de contrato associativo, consórcio ou joint venture (previstos no inciso IV, do art. 90 da Lei de Defesa da Concorrência),desde que praticados e com vigência de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020 ou enquanto durar o estado de calamidade pública. Especificamente sobre este inciso IV do art. 90, a dispensa de certas operações do controle prévio do CADE não afasta a possibilidade de análise posterior do ato de concentração ou de apuração de infração à ordem econômica dos acordos que não forem necessários ao combate ou à mitigação das consequências decorrentes da pandemia.

PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS

Postergação do início da vigência das sanções administrativas previstas na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (“LGPD”): o início da vigência das disposições da LGPD que tratam de sanções administrativas (artigos 52, 53 e 54) foi alterado pelo PL 1179, passando a viger somente em 1º agosto de 2021.

Com relação à entrada em vigor das demais disposições da LGPD, aguardamos a apreciação da MP 959 pelo Congresso – caso seja convertida em lei, passam a viger a partir de maio de 2021, ao passo que a não conversão em lei terá como consequência o início da vigência em agosto de 2020.

As iniciativas legislativas que versam sobre prorrogação da entrada em vigor da LGPD objetivam conciliar o interesse do Estado de proteger os direitos dos titulares de dados pessoais com o das organizações que realizam tratamento de dados pessoais e terão dificuldades para iniciar e manter seus planos de adequação em decorrência do impacto que a pandemia terá em seus negócios.

DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÕES

Prisão domiciliar do devedor de alimentos: até 30 de outubro de 2020, o devedor de alimentos só poderá ser preso em regime domiciliar. A medida já está em prática, por recomendação do CNJ e concessão de habeas corpus coletivo pelo STJ. A alteração não prejudica a exigibilidade da pensão alimentícia.

Prazos para instauração e finalização do processo de inventário e partilha: nos casos em que o falecimento ocorrer a partir de 1º de fevereiro de 2020, há a dilatação do prazo para instauração do procedimento de inventário e partilha, que normalmente é 2 meses contados da morte, até 30 de outubro de 2020.

A modificação tende a obstar a aplicação das multas previstas nas legislações tributárias estaduais para a hipótese de não propositura do inventário em até 2 meses do falecimento.

Para os casos de inventários instaurados antes de 1º de fevereiro de 2020, o PL também prevê a suspensão, até 30 de outubro de 2020, do prazo de 12 meses para a sua finalização.

Este boletim apresenta um resumo de alterações legislativas ou decisões judiciais e administrativas no Brasil. Destina-se aos clientes e integrantes do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. Este boletim não tem por objetivo prover aconselhamento legal sobre as matérias aqui tratadas e não deve ser interpretado como tal.

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