1. Contexto
Com a elevação exponencial das tarifas de importação de produtos brasileiros pelos Estados Unidos, as exportadoras brasileiras tornam-se menos competitivas no mercado internacional, de modo que suas exportações para os Estados Unidos tendem a reduzir significativamente.
Diante desse cenário, é natural que essas empresas busquem caminhos para atenuar o impacto financeiro da queda das exportações, o que pode se dar através da busca por novos mercados (ex.: importação para outros países, além dos Estados Unidos), venda ou consumo interno por empresas e consumidores brasileiros (o que tende a reduzir os preços dos produtos em razão do aumento da oferta local) e, em alguma medida, medidas de redução de custos operacionais e de folha de pagamento.
Mesmo após a lista de exceções que isentou 694 setores da sobretaxa, dados da Amcham Brasil e da Confederação Nacional da Indústria (CNI) confirmam que cerca de 10 mil empresas brasileiras exportadoras serão impactadas, afetando 3,2 milhões de empregos. Os setores de carne bovina, pescados, café, logística, têxtil, máquinas e equipamentos estão entre os mais afetados, impactando, via reflexa, as suas respectivas cadeias de produção e de fornecimento.
2. Medida Provisória 1.309, de 13 de agosto de 2025
A Medida Provisória 1.309, de 13 de agosto de 2025 (“MP 1309”) instituiu o Plano Brasil Soberano e o Comitê de Acompanhamento das Relações Comerciais com os Estados Unidos da América, estabelecendo um conjunto abrangente de medidas para mitigar impactos econômicos decorrentes da imposição de tarifas adicionais sobre exportações brasileiras aos Estados Unidos.
Confira o Informa Medida Provisória 1.309/25 institui Plano Brasil Soberano e cria medidas emergenciais para exportadores brasileiros.
Sob a perspectiva trabalhista, o impacto da MP 1309 é a exigência de cláusula de compromisso de manutenção ou ampliação de empregos, para empresas que decidam tomar recursos das linhas de financiamento previstas na MP. O objetivo do Governo foi proteger empregos por via reflexa, exigindo a manutenção dos empregos como contrapartida à utilização dos benefícios previstos na MP.
Os termos da cláusula de compromisso, no entanto, ainda estão sujeitos a ato do Ministério da Fazenda. Ainda, a própria MP permite que esse compromisso seja substituído por outros, quando identificada a inviabilidade de celebração do compromisso de emprego.
Como os efeitos da MP 1309 não são retroativos, eventuais dispensas ocorridas antes da sua publicação não poderão, em tese, impedir empresas de se beneficiarem das linhas de crédito e financiamento nela previstas. Isso não significa, porém, que essas dispensas não possam ser questionadas por entidades sindicais, pelo Ministério Público do Trabalho ou pelos próprios empregados, caso os procedimentos adequados de demissão coletiva não tenham sido observados.
3. Medidas trabalhistas para enfrentamento de crises
Diferente do que se especulava, a MP não trouxe medidas tipicamente trabalhistas, como aquelas implementadas pelas Medidas Provisórias 927 e 936/2020, na época da pandemia da Covid-19. O que o Governo espera é que as empresas, ao se valerem dos benefícios implementados pela MP 1309, consigam evitar demissões.
No entanto, a MP abrange, de forma expressa, apenas as exportadoras de bens e serviços e seus respectivos fornecedores. Além disso, atos ministeriais poderão dispor sobre critérios de priorização, observando o percentual de faturamento dependente de exportações para os Estados Unidos, os setores, o porte dos beneficiários ou os tipos de produtos. Portanto, é possível que algumas empresas, embora indiretamente afetadas pelos efeitos econômicos do tarifaço, não possam se beneficiar das medidas da MP.
Dessa forma, ilustramos abaixo algumas alternativas trabalhistas já previstas em lei que, sem prejuízo de outras medidas, podem ser adotadas em situações de crise, desde que observadas as exigências legais:
As duas últimas alternativas mencionadas acima, em princípio, não poderiam ser utilizadas por empresas beneficiárias das linhas de financiamento previstas na MP 1309, em razão da exigência de cláusula de compromisso de manutenção ou ampliação de empregos, ainda pendente de regulamentação.
a. Férias coletivas:
Os art. 139 e 140 da CLT permitem a concessão de férias coletivas (a todos os empregados ou de setores específicos), mediante prévia comunicação ao sindicato da categoria e ao Ministério do Trabalho e Emprego, com antecedência de 15 dias e fixação de aviso nos locais de trabalho. As férias coletivas podem ter duração de até 30 dias, podendo ser divididas em até dois períodos anuais, desde que nenhum deles seja inferior a 10 dias corridos.
Essa é uma alternativa comum e segura, bastante utilizada para evitar a necessidade de desligamentos em períodos de baixa demanda.
b. Suspensão dos contratos de trabalho:
Mediante convenção ou acordo coletivo, os contratos de trabalho podem ser suspensos por um período de 2 a 5 meses, para participação dos empregados em curso ou programa de qualificação profissional com duração equivalente à suspensão, observadas as exigências legais previstas no art. 476-A da CLT.
Durante a suspensão, o empregado faz jus aos benefícios voluntariamente concedidos pelo empregador, podendo a empresa conceder ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial, em valor a ser definido na convenção ou acordo coletivo.
Se o empregado for dispensado durante o período de suspensão contratual, ou nos 3 meses subsequentes ao retorno, será devida multa equivalente à sua última remuneração mensal, ou outra superior, se prevista em convenção ou acordo coletivo.
c. Redução de jornada e salário:
As empresas podem celebrar acordos coletivos de trabalho com os sindicatos das respectivas categorias, para prever a redução salarial dos seus empregados (ou de parte deles), mediante redução proporcional de suas jornadas e com proteção desses empregados contra dispensa imotivada. Essa medida tem respaldo no art. 611-A, §3º da CLT e no art. 7º, VI, da Constituição e pode ser implementada de forma temporária.
d. Planos de Demissão Voluntária:
Para empresas que se vejam diante da necessidade de redução do quadro de empregados, uma alternativa eficaz e juridicamente segura pode ser a negociação de um Plano de Demissão Voluntária (PDV) com o sindicato da categoria, prevendo algum pacote rescisório adicional às verbas legais, como forma de incentivar a adesão dos empregados. A adesão voluntária de empregados ao PDV enseja quitação plena e irrevogável do contrato de trabalho, nos termos do art. 477-B da CLT.
e. Dispensa coletiva:
Como último recurso, caso a empresa se veja diante da necessidade de desligar empregados, é importante lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do RE 999.435 (Tema 638), firmou a tese de que a intervenção sindical prévia é requisito procedimental imprescindível para a validade da dispensa coletiva. Isso significa que, embora não seja necessária a autorização formal do sindicato ou a celebração de acordo coletivo, deve haver diálogo prévio com a entidade sindical representativa da categoria.
Para evitar ou minimizar a exposição a riscos trabalhistas, o recomendável é que as empresas adotem as medidas de forma gradual, ou seja, começando pelas alternativas mais brandas que não resultem em demissões, nem impactem os salários dos empregados. Embora possam se mostrar eficazes no curto prazo, a adoção dessas medidas exige cautela jurídica para evitar passivos trabalhistas futuros e garantir conformidade com a legislação vigente.
Nossa equipe permanece à disposição para esclarecer dúvidas sobre o tema e auxiliar na implementação das medidas trabalhistas necessárias, em conformidade com a legislação.