Reforma do setor elétrico: sanção da Lei n° 15.269/2025

O Governo Federal publicou, no dia 25 de novembro, a Lei nº 15.269, oriunda da Medida Provisória n° 1.304/2025, que estabelece medidas para a modernização do setor elétrico brasileiro. Os dispositivos vetados pela Presidência da República serão deliberados pelo Congresso Nacional em sessão conjunta, no prazo de 30 dias corridos, após recebimento das razões dos vetos pela Presidência da República, com a possibilidade de o Congresso acatar ou rejeitar os vetos.
 
Abaixo, relacionamos os principais pontos abordados na Lei, considerando os vetos presidenciais.
 

1. Autoprodução de Energia

1.1. Conceito

Considera-se autoprodutor o consumidor titular de outorga de empreendimento de geração para produzir energia elétrica por conta e risco próprios.
 

1.2. Equiparação a Autoprodutor

Podem ser equiparados os consumidores que:

  • Possuam demanda contratada agregada igual ou superior a 30 MW, composta por unidades de consumo com demanda individual igual ou superior a 3 MW; e
  • Atendam a um dos seguintes critérios:
    • Participação societária direta ou indireta, com direito a voto, na sociedade titular da outorga; ou
    • Estar sob controle societário comum, direto ou indireto, ou ser controlador, controlado ou coligado da geradora da sociedade empresarial titular da outorga.

 
1.3. Limites e Condições

  • A equiparação é limitada à parcela da energia destinada ao consumo próprio do consumidor ou à sua participação societária proporcional – prevalece o menor valor.
  • Caso a sociedade titular da outorga emita ações sem direito a voto que concedam direitos econômicos superiores aos das ações com direito a voto, cada grupo econômico de acionistas deverá manter participação mínima, direta ou indireta, de 30% do capital social total, ponderada pela proporção das ações com direito a voto detidas pelo grupo
  • A identificação da participação societária do consumidor equiparado deve ser mantida atualizada junto à ANEEL.

1.4. Direitos Adquiridos e Transição

  • Mantêm-se os direitos adquiridos e os efeitos dos atos jurídicos celebrados sob a vigência do art. 26 da Lei nº 11.488/2007, até o término das respectivas outorgas de geração. Nesse contexto, estão dispensados dos novos limites de demanda e participação mínima os consumidores que:
    • Já tenham sido equiparados à autoprodução e registrados na CCEE, antes da publicação da MP;
    • Pertencem a um grupo econômico com 100% de participação na empresa titular da outorga; ou
    • No prazo de três meses da publicação da MP, apresentem à CCEE:
      • Contrato de compra e venda de ações ou quotas; ou
      • Contrato de opção de compra de ações ou quotas, ambos com firma reconhecida ou assinatura digital ICP-Brasil.
  • A transferência de participações societárias decorrente dessas operações deve ser concluída em até 36 meses, contados a partir da celebração dos referidos contratos, mediante:
    • Alteração do contrato social registrada em junta comercial e a comprovação de participação no grupo econômico; ou
    • Averbação no livro de transferência de ações e a comprovação de participação no grupo econômico.

2. Abertura do Mercado Livre de Energia

2.1. Objetivo

Ampliar o acesso de consumidores à livre escolha de fornecedor de energia elétrica, incluindo os atendidos em baixa tensão, de forma gradual, segura e regulada.

2.2. Regras Gerais

Conforme alterações no art. 15 da Lei nº 9.074/1995, introduzidas pela Lei:

  • O consumidor que optar pela migração ao ACL deverá garantir o atendimento à totalidade de sua carga mediante contratação com um ou mais fornecedores, sob pena de penalidades.
  • O Poder Concedente poderá flexibilizar o critério de contratação total da carga por meio de regulamento.
  • A antecedência mínima de comunicação para migração, atualmente de 5 anos, poderá ser reduzida por ato do Poder Concedente.

2.3. Cronograma de Migração para Consumidores de Baixa Tensão (§17 do art. 15 da Lei nº 9.074/1995)

Categoria de ConsumidorPrazo para abertura após a entrada em vigor da MP
Consumidores industriais e comerciais atendidos em tensão inferior a 2,3 kVAté 24 meses
Demais consumidores de baixa tensão (residenciais, rurais, serviços públicos etc.)Até 36 meses

2.4. Condições Prévias para a Abertura

Antes da efetiva abertura para os consumidores de baixa tensão, deverão ser cumpridos os seguintes requisitos:

  • Elaboração de plano de comunicação para conscientização dos consumidores sobre a migração para o Ambiente de Contratação Livre (“ACL”);
  • Definição das tarifas aplicáveis aos consumidores dos Ambientes de Contratação Regulada (“ACR”) e Livre (ACL), com segregação de custos das distribuidoras;
  • Regulamentação do Suprimento de Última Instância (SUI), incluindo:
    • Definição do responsável pela prestação do serviço;
    • Indicação dos consumidores elegíveis;
    • Hipóteses em que o suprimento será obrigatório;
    • Prazo máximo desse suprimento;
    • Eventual utilização temporária de energia de reserva para essa forma de suprimento;
    • Eventual dispensa de lastro para contratação;
    • Forma de cálculo e alocação de custos
  • Criação de produto padrão e preço de referência, com o objetivo de facilitar a comparação entre ofertas e promover transparência;
  • Regulamentação dos encargos de sobrecontratação ou de exposição involuntária das distribuidoras de que trata o art. 15-D da Lei nº 9.074/1995.

3. Supridor de Última Instância (SUI)

  • Autorizado e fiscalizado pela ANEEL.
  • Pode ser exercido por distribuidoras, com ou sem exclusividade.
  • Remuneração por tarifa específica fixada pela ANEEL.
  • Custos rateados entre consumidores do ACL via encargo tarifário específico;
  • Os efeitos financeiros da sobrecontratação ou da exposição involuntária das concessionárias de distribuição serão rateados entre todos os consumidores do ACR e ACL, mediante encargo tarifário na proporção do consumo de energia.

4. Descontos nas Tarifas de Uso da Rede de Transmissão e Distribuição (TUST/TUSD)

4.1. Aplicação dos descontos:

Os percentuais de redução não inferior a 50% a ser aplicado às tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão e de distribuição aplicam-se desde a emissão das outorgas de geração solicitadas até 02/03/2022 (nos termos do § 1º-C) inclusive para aquelas emitidas a partir da MP nº 998/2020.

4.2. Perda do benefício:

O desconto deixa de ser aplicado se o empreendimento não iniciar a operação em teste de todas as unidades geradoras em até 48 meses após a data da outorga.

4.3. Revogação sem penalidades:

Outorgas com prorrogação de 36 meses para atendimento de condicionantes poderão ser revogadas pela ANEEL, a pedido do empreendedor, sem penalidades, desde que:

  • o pedido seja feito em até 30 dias da publicação do dispositivo; e
  • o CUST/D não tenha sido assinado.

4.4. Execução de garantia:

A Garantia de Fiel Cumprimento poderá ser executada caso a outorga seja revogada nos termos acima.

4.5. Flexibilização do início do CUST:

Empreendimentos com CUST assinado e energia não comercializada no ambiente regulado poderão ajustar, sem ônus, o início de execução do CUST, respeitando o novo prazo de entrada em operação definido na outorga prorrogada.

4.6. Apresentação de garantia prévia:

Nos casos em que o CUST foi firmado sem Garantia Prévia (GPC), a postergação mencionada acima só será possível mediante apresentação da garantia, conforme a regulação aplicável.

4.7. Vedação de aplicação de descontos (consumo):

A redução nas tarifas não se aplica à parcela consumo dos consumidores que:

  • exercerem as opções de migração para o mercado livre previstas nas Leis nº 9.427/1996 e nº 9.074/1995; ou
  • solicitarem ampliação do uso dos sistemas de transmissão ou distribuição após a vigência do dispositivo — mantendo-se o desconto apenas sobre o montante já contratado anteriormente.

5. Sistemas de Armazenamento de Energia

  • Sistemas de armazenamento localizados na Rede Básica deverão ser licitados.
  • Define como atividade regulada pela ANEEL, podendo ser autônoma ou integrada à outorga de geração, transmissão ou distribuição.
  • A regulamentação da atividade de armazenamento de energia elétrica poderá envolver a operação de forma autônoma ou integrada à outorga de agentes de geração, comercialização, transmissão e distribuição de energia elétrica e a prestação de múltiplos serviços ao sistema elétrico
  • Custos decorrentes de contratação de sistemas de armazenamento de energia serão rateados apenas entre geradores, conforme regulamentação da ANEEL
  • Cria incentivo a baterias, nos termos de regulamentação a ser definida — REIDI e redução de alíquotas de imposto sobre importação

6. Competências da ANEEL

  • Amplia atribuições da agência para incluir regulação de comercialização de energia e armazenamento, que, neste último caso, com a atribuição também de fiscalizar e estabelecer as regras de remuneração e de acesso para a implantação e operação dos sistemas de armazenamento de energia elétrica que estejam conectados ao Sistema Interligado Nacional – SIN ou aos Sistemas Isolados
  • Permite instalação de unidades administrativas regionais.
  • Autoriza fixação de multas administrativas de até 3% do faturamento ou valor estimado da energia, diferentemente do limite de 2% aplicado atualmente.

7. Competências, Responsabilidades e Atividades da CCEE

  • Monitoramento do mercado: Compete à CCEE monitorar seus associados e as operações realizadas no mercado de energia elétrica, adotando as providências cabíveis conforme os procedimentos aprovados pela ANEEL.
  • Responsabilidade de gestores contratados: A pessoa física ou jurídica contratada pela CCEE para exercer funções de gestão ou supervisão do monitoramento responde civil e administrativamente por prejuízos decorrentes de atos praticados com dolo ou culpa grave que violem normas legais, regulamentares ou estatutárias, sem prejuízo da responsabilidade penal e da responsabilidade subsidiária da CCEE.
  • Responsabilidade de administradores dos agentes setoriais: Os administradores dos agentes do setor elétrico também respondem civil e administrativamente por danos causados por dolo, culpa grave ou infração a normas legais, regulamentares ou estatutárias, além de eventual responsabilidade penal e da responsabilidade subsidiária da pessoa jurídica que representam.
  • Atuação em outros mercados e serviços: A CCEE poderá participar de outros mercados de energia ou prestar serviços adicionais, incluindo:
    • gestão de garantias de contratos de compra e venda no ambiente de contratação livre;
    • gestão de registros; e
    • certificação de energia, desde que observadas as legislações e regulações aplicáveis.
  • Separação de atividades: Nessa atuação ampliada, a CCEE deverá manter separação administrativa, financeira e contábil entre as atividades de comercialização de energia elétrica e aquelas relacionadas à participação em outros mercados.

8. Condições para Prorrogação das Outorgas de Empreendimentos de Geração

8.1. Prorrogação:

  • O poder concedente poderá prorrogar as outorgas de empreendimentos hidrelétricos com capacidade instalada superior a 50 MW e outorgados antes de 11 de dezembro de 2003, desde que observadas as condições estabelecidas neste artigo.
  • Condições obrigatórias para prorrogação:
    • Pagamento à CDE: contribuição correspondente a 50% do valor estimado da concessão à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), conforme a Lei nº 10.438/2002 e metodologia definida em ato do Poder Executivo, além de considerar o valor dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou não depreciados
    • Pagamento pela outorga: valor adicional de 50% do valor estimado da concessão;
    • Adoção do regime de produção independente, conforme a Lei nº 9.074/1995, incluindo regras de extinção da outorga, encampação e indenização;
    • Assunção integral do risco hidrológico pelo concessionário, sendo vedada nova repactuação nos termos da Lei nº 13.203/2015;
    • Recálculo da garantia física com validade a partir da prorrogação, sem limite de variação em relação à anterior, sujeita a revisões periódicas;
    • Prazo máximo da prorrogação: até 30 anos.

8.2. Comercialização de energia:

  • O titular da outorga prorrogada terá garantido o direito de vender energia tanto no Ambiente de Contratação Regulada (ACR) quanto no Ambiente de Contratação Livre (ACL), conforme a Lei nº 10.848/2004.
  • O Poder Executivo poderá exigir percentual mínimo de energia elétrica a ser destinada ao ambiente de contratação regulada para as concessões prorrogadas na forma deste artigo.

9. Pesquisa e Desenvolvimento

9.1. Limitação da isenção:

  • A isenção prevista no art. 2º (da obrigação de aplicar anualmente 1% de sua receita operacional líquida em P&D) não se aplica a usinas eólicas e solares fotovoltaicas que solicitarem outorga a partir de 1º de janeiro de 2026.

10. Conta de Desenvolvimento Energético (CDE)

  • Introduz Encargo Complementar de Recursos para cobrir diferenças de orçamento.
  • Reduz encargo tarifário para grandes consumidores a partir de 1º de janeiro de 2026:
    • ≥ 69 kV → pagam 50% daquele pago pelos consumidores atendidos em nível de tensão inferior a 2,3 kV
    • 2,3–69 kV → pagam 80% daquele pago pelos consumidores atendidos em nível de tensão inferior a 2,3 kV.

11. Contratação de Usinas Termelétricas

  • Garante a contratação de usinas termelétricas a carvão mineral, na modalidade de reserva de capacidade, com prazo até 31 de dezembro de 2040.

Este boletim apresenta um resumo de alterações legislativas ou decisões judiciais e administrativas no Brasil. Destina-se aos clientes e integrantes do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. Este boletim não tem por objetivo prover aconselhamento legal sobre as matérias aqui tratadas e não deve ser interpretado como tal.

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