A Agência Nacional de Mineração (“ANM”) publicou a Resolução ANM nº 220/2025, trazendo importantes inovações normativas para a segurança de barragens de mineração. A norma entrará em vigor em 02 de agosto de 2027, data a partir da qual revogará a Resolução ANM nº 95/2022.
Após a realização de consulta pública, já analisada pelo Cescon Barrieu, a ANM incorporou ajustes relevantes ao texto final. Destacamos abaixo os principais pontos de alteração:
1. Estudo de Ruptura Hipotética e Observância de Normas Obrigatórias
Conceito de “área de inundação”: A principal inovação deste conceito está na exigência de que o empreendedor considere o rompimento hipotético de cada uma das estruturas que compõem o reservatório, como o barramento principal e as estruturas auxiliares, e não apenas o cenário que resulte no maior dano, como considerado anteriormente.
Ressalta-se que, para definição da área de inundação, o empreendedor deverá realizar estudo de ruptura hipotética de barragem de mineração (ERHBM) conforme previsto na ABNT NBR 17188:2024, que passará a ser de observância obrigatória.
Sob o ponto de vista jurídico e prático, essa mudança tende a ampliar significativamente as áreas abrangidas pelas ações previstas no Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM), em comparação com o modelo atualmente adotado.
2. Estudo de dispersão de pluma
Outro avanço relevante é a introdução do conceito de “área afetada”, sensivelmente mais abrangente que a área de inundação, pois foi definido como “área a jusante da barragem, que compreende, no mínimo, a área de inundação e os trechos de cursos d’água onde a propagação de rejeitos ou poluentes possa interromper atividades econômicas, afetar serviços públicos ou atingir áreas ambientalmente protegidas”
A “área afetada” passa, ainda, a servir de base para o cálculo do DPA3 (impactos ambientais) e do DPA4 (impactos socioeconômicos), o que aumentar a classificação do Dano Potencial Associado (DPA) de diversas estruturas. Os estudos necessários à delimitação dessas novas áreas de inundação e áreas afetadas deverão ser concluídos até 30 de julho de 2027, de acordo com o art. 76, §1º da Resolução.
3. Classificação de Barragens (DPA e CRI)
No que se refere à classificação das barragens, a nova norma atualiza os critérios de avaliação, alinhando-os ao disposto na Resolução CNRH nº 241/2024 quanto à Categoria de Risco (CRI) e ao Dano Potencial Associado (DPA), dividido em quatro elementos:
- DPA1 (Potencial de impacto devido ao volume);
- DPA2 (Potencial de perda de vidas humanas);
- DPA3 (Potencial de impacto ambiental); e
- DPA4 (Potencial de impacto socioeconômico).
Além disso, no que tange ao DPA2, diversas obrigações hoje exigíveis apenas para barragens com “DPA ALTO” passam a ser aplicáveis a todasas estruturas que pontuem 4 ou mais na coluna “DPA2”, independentemente da classificação geral do DPA.
Estruturas com edificações ocupadas permanentemente ou residentes na área de inundação, em zonas rurais ou urbanas, passam a pontuar 4 nesta coluna. Os empreendedores dessas barragens deverão, por exemplo, possuir videomonitoramento, monitoramento automatizado e sistema extravasor dimensionado para 10 mil anos ou PMP (Precipitação Máxima Provável).
4. Trabalhadores nas ZAS
Constata-se também mudança interpretativa de grande relevância quanto à presença de trabalhadores nas Zonas de Autossalvamento (ZAS), uma vez que a nova resolução passou a delimitar negativamente o conceito de “estruturas e equipamentos associados à barragem”, excluindo expressamente as “áreas de lavra, de beneficiamento e de disposição de rejeitos e estéreis”.
Essa alteração representa uma inflexão em relação ao entendimento anteriormente consolidado com base na Resolução ANM nº 95/2022, que expressamente reconhecia, como estruturas e equipamentos associados à barragem, as “áreas de lavra, de beneficiamento e de disposição de rejeitos e estéreis”.
Dessa forma, ao excluir tais áreas do conceito de estruturas e equipamentos vinculados à barragem, a nova norma impede que cavas, pilhas de rejeitos e/ou estéreis e usinas de beneficiamento situadas em ZAS sejam operadas por trabalhadores, o que configura um ponto crítico com potencial de comprometer a continuidade das operações de diversos complexos de mineração. Tais estruturas somente poderão ser mantidas e operadas por trabalhadores até agosto de 2027, quando a nova norma entrará em vigor.
5. Novos Parâmetros Técnicos para Análises de Estabilidade
No campo técnico, a nova norma passa a fazer referência expressa à ABNT NBR 13.028:2024 para a realização das análises de estabilidade, além de introduzir novos fatores de segurança aplicáveis a situações específicas.
Destacam-se, em especial, duas novas obrigações:
- Estruturas que contenham materiais com comportamento strain-softening (amolecimento brusco) deverão apresentar fator de segurança (FS) igual ou superior a 1,1, considerando parâmetros de resistência residual e análises tensão-deformação; e
- Caso esses materiais com comportamento strain-softening ou sujeitos à mobilização não drenada estejam presentes em barragens com comunidades localizadas na ZAS, o fator de segurança global na condição não drenada deverá ser igual ou superior a 1,5, considerando resistência de pico. O descumprimento desses novos limites implicará o acionamento dos níveis de segurança “Atenção” (antigo Alerta) ou “Crítico” (antigo NE-2).
6. Estruturação do Volume V: Documentação de Emergência e PAEBM
Outra alteração relevante da Resolução 220/25 refere-se à organização do Volume V do Plano de Segurança da Barragem (PSB), que passa a ser denominado como “Documentação de Emergência”, no lugar de “Plano de Ação de Emergência – PAEBM”, como era anteriormente denominado.
Com a vigência da nova norma, este volume passa a ser dividido em 4 seções principais:
- PAEBM: Segue como o documento central, detalhando desde os contatos e responsabilidades até os mapas de inundação, rotas de fuga e o levantamento cadastral da ZAS;
- Documentação Auxiliar de Emergência: Inclui a descrição do sistema de monitoramento integrado à emergência, os registros de todos os treinamentos e simulados, os protocolos de entrega do PAEBM às autoridades e o relatório técnico que fundamenta a dispensa de acionamento automatizado de sirenes (quando aplicável);
- O Relatório de Causas e Consequências do Acidente (RCCA): Incluído no volume em até 6 (seis) meses após a ocorrência de um acidente, detalhando as causas, ações e consequências;
- O Relatório de Conformidade e Operacionalidade do PAEBM (RCO): Valida o estudo de ruptura, os testes de sirene e a articulação com a Defesa Civil.
7. Reformulação dos Níveis de Emergência (agora “Níveis de Segurança”)
A Resolução 220/25 substitui a nomenclatura “Níveis de Emergência”, passando a adotar o termo “Níveis de Segurança”. Essa mudança foi motivada pela necessidade de tornar a comunicação com a população mais clara e menos alarmista, especialmente em situações que exigem atenção, mas que não representam um colapso iminente.
O entendimento da ANM foi que a nomenclatura anterior, como “Nível 1 de Emergência” (NE-1), gerava confusão e pânico desnecessário na população, pois o uso da palavra “emergência” era associado a um desastre imediato. Com a nova regra, a nomenclatura foi ajustada para que a palavra “Emergência” seja reservada exclusivamente para a situação mais grave e crítica (o antigo NE-3).
A nova classificação fica da seguinte forma:
| Res. 95/2022 | Res. 220/2025 |
| Sem Emergência | Normal: Ausência de condição ou anomalia com potencial de comprometer a segurança da barragem. |
| Situação de Alerta | Atenção: Condição ou anomalia que não compromete de imediato a segurança da barragem, mas, caso venha a se agravar, pode comprometê-la, descendo ser monitorada, controlada ou reparada. |
| Nível de Emergência 1 | Alerta: Condição ou anomalia que compromete a segurança da barragem, requerendo providências imediatas para a sua eliminação. |
| Nível de Emergência 2 | Crítico: Condição ou anomalia que acarreta alta probabilidade de ocorrência de acidente ou desastre. |
| Nível de Emergência 3 | Emergência: Ruptura é eminente, inevitável ou está ocorrendo. |
Vale ressaltar que tal alteração não é meramente semântica, uma vez que também foram instituídos novos gatilhos para o acionamento desses níveis, como, por exemplo o não envio não envio de quatro EIRs seguidos que, a partir da nova resolução, leva ao acionamento do Nível de Alerta (Antigo NE1).
Dessa forma, é fundamental que a equipe técnica responsável avalie cuidadosamente os impactos decorrentes dessas alterações, atualizando os gatilhos previstos em seu plano de ação emergencial, de forma enquadra-los aos novos critérios utilizados pela agência.
8. Flexibilização na Qualificação de Profissionais
Além do já exposto, em movimento que responde a antigas demandas efetuadas pelo setor, como a sugestão de alteração da Resolução 95/2022 apresentada pelo Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA) e analisada pelo Cescon Barrieu, a nova norma flexibiliza os critérios de habilitação para a elaboração de documentos técnicos.
Enquanto a Resolução ANM nº 95/2022 exigia que todos os profissionais responsáveis pela execução de qualquer documento técnico (exceto ACO/CO e PGRBM) possuíssem especialização, mestrado ou doutorado, a Resolução ANM nº 220/2025 restringe essa exigência apenas ao coordenador da equipe.
Outrossim, o coordenador poderá comprovar sua experiência mediante apresentação de ART e/ou CAT emitida antes de 1º de janeiro de 2024, dispensando, nesse caso, a obrigatoriedade de titulação em pós-graduação.
9. Critérios Mínimos para Descaracterização
O processo de descaracterização de barragens também foi atualizado, passando a exigir que os projetos considerem a ABNT 13.028:2024 e prevejam medidas efetivas para reduzir ou eliminar o aporte de águas superficiais e subterrâneas para o reservatório.
A principal alteração, contudo, está na instituição de conteúdo mínimo detalhado que este relatório deverá conter (previsto no Anexo III da resolução), de forma a assegurar a qualidade técnica do documento que atesta a descaracterização.
Além disso, com a instituição destes critérios mínimos, a resolução removeu a obrigatoriedade do peer review, antes exigido para validar, por terceiro, as premissas adotadas no relatório.
Por fim, vale ressaltar que as regras de monitoramento também foram significativamente flexibilizadas. A norma ampliou as hipóteses de dispensa do “monitoramento ativo” (pós-obras): enquanto a Res. 95/22 a limitava à “remoção total do barramento e do reservatório”, a nova regra passa a abranger também os casos de “incorporação ou o confinamento total da barragem por outra estrutura”.
10. Comunidade na ZAS
A principal novidade trazida pela nova resolução é a exclusão do conceito de comunidade definido pelo IBGE, que eram utilizados como referência na norma anterior.
Tal exclusão aparenta ser um movimento estratégico da ANM para se adequar a uma definição que está sendo centralizada em nível federal, uma vez que, atualmente o Comitê Interministerial de Segurança de Barragens (CInSB), instituído pelo Decreto nº 11.310/2022, coordena um Grupo de Trabalho (GT) focado justamente na regulamentação dos artigos 2º, caput, incisos IX, X e XI, 18-A e 18-B da PNSB.
Frente a isso, vale ressaltar que tal GT do CInSB já elaborou minuta de decreto a ser encaminhada ao Presidente da República, segundo a qual “comunidade” será definida como “aglomerados com mais de 50 domicílios permanentemente habitados na ZAS”.
Além disso, a nova norma cria um conjunto de obrigações e restrições técnicas e jurídicas muito mais rigorosas para barragens que possuam comunidades na Zona de Autossalvamento (ZAS):
- Dimensionamento do Extravasor: Foi prevista a obrigatoriedade de que barragens com comunidade na ZAS dimensionem seu sistema extravasor para atender ao maior valor entre o TR de 10.000 anos ou a Precipitação Máxima Provável (PMP), devendo possuir ainda uma borda livre mínima de 1,0 metro ou conforme projeto ou estudo técnico atualizado, o que for maior. Trata-se de uma obrigação significativamente mais restritiva, pois antes era aplicável apenas às barragens classificadas com DPA Alto, e agora se estende a qualquer barragem com comunidade na ZAS, independentemente da sua classificação de DPA.
- Risco de Impossibilidade de Alteamento: Embora o texto final da Resolução ANM 220/25 não tenha contemplado expressamente alterações no sentido de impedir alteamento de barragens existentes nos casos em que a nova mancha identificar comunidade na ZAS, a Procuradoria Federal Especializada junto à ANM (PFE/ANM), alega que: “Não parece admissível o alteamento de uma barragem (…) cujo estudo de ruptura hipotética indique a existência de comunidade na ZAS”. Dessa forma, é possível que tal entendimento seja eventualmente aplicado aos casos concretos.
- Novas Hipóteses de Embargo e Suspensão da Operação
Por fim, a Resolução ANM nº 220/25 também instituiu novas hipóteses que podem levar ao embargo ou à suspensão da operação da barragem, em seus artigos 72 e 73. Dentre os novos gatilhos previstos, destacam-se:
- O envio de quatro Extratos de Inspeção Regular (EIRs) seguidos com pontuações específicas de estado de conservação (EC);
- O envio de um único EIR contendo pontuações mais graves de EC (como EC1=5 ou EC3=5);
- A execução de obras de modificações estruturais na barragem, estruturas associadas ou reservatório sem que exista um projeto técnico associado; e
- Se o sistema de alerta e alarme à população potencialmente afetada não estiver operante ou estiver em desacordo com os requisitos da Resolução.
Diante dessas alterações, impõe-se, sob a perspectiva jurídico-operacional, que as equipes técnicas avaliem cuidadosamente os impactos decorrentes dos novos critérios de classificação do EC, de modo a se antecipar e evitar o acionamento desses gatilhos, os quais podem gerar efeitos imediatos e significativos sobre a continuidade das operações da barragem.
A íntegra da Resolução n.º 220/2025 ser acessada aqui.
A equipe de Direito da Mineração e de Segurança de Barragens do Cescon Barrieu está à disposição para prestar maiores informações e esclarecimentos sobre o tema.