Cessão de Precatório Previdenciário: IRDR 34 do TRF4 veda transferência e STJ pode afetar tema aos repetitivos

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (“TRF4”) finalizou o julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 34, processo n. 5023975-11.2023.4.04.0000 (“IRDR nº 34”), que trata da controvérsia acerca da possibilidade de o crédito inscrito em precatório decorrente de parcelas vencidas de benefício previdenciário pode ser objeto de cessão a terceiros, à luz do art. 114 da Lei nº 8.213/91 e das disposições do art. 100, § § 13 e14 da Constituição da República, na redação conferida pela Emenda Constitucional nº62/2009.

A decisão, proferida pela 3ª Seção do Tribunal em sessão realizada no dia 26/11/2025, é de extrema relevância para o mercado de cessões de direitos creditórios, pois passará a uniformizar a jurisprudência na 4ª Região (que abrange os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná) no sentido de vedar a cessão de créditos de origem previdenciária, ainda que já inscritos em precatório..

Tese Firmada e Resultado do Julgamento

Tese fixada: “É vedada, nos termos do art. 114 da Lei nº 8.213, a cessão de créditos de origem previdenciária objeto de qualquer requisição judicial de pagamento”

Com isso, a tese vencedora adotou a interpretação de que a natureza alimentar do crédito previdenciário, conforme a redação dada pelo art. 114 da Lei nº 8.213/91, impede a cessão, mesmo após a sua consolidação em título judicial (precatório ou RPV).

Créditos Previdenciários vs. Não Previdenciários

É fundamental destacar que a vedação estabelecida pelo IRDR nº 34 é restrita aos créditos de natureza previdenciária.

Portanto, a cessão de precatórios de natureza comum (ex: desapropriação, tributário) ou alimentar não previdenciária (ex: indenização por danos morais contra a Fazenda Pública) continua sendo permitida na jurisdição do TRF4, pois não estão sujeitas à vedação específica do art. 114 da Lei nº 8.213/91.

Voto vencido

O Desembargador Federal Celso Kipper apresentou voto-vista defendendo, com ressalvas, a possibilidade da cessão de créditos previdenciários inscritos em precatórios, sob os seguintes argumentos centrais:

  1. Prevalência Constitucional: A autorização para a cessão de precatórios, prevista no art. 100, § 13, da Constituição Federal (introduzida pela EC nº 62/2009), deve prevalecer sobre a restrição do art. 114 da Lei nº 8.213/91, que seria aplicável apenas a benefícios futuros e não a créditos já consolidados em título judicial;
  2. Natureza do Crédito: A cessão do precatório não altera a natureza alimentar do crédito (conforme Tema 361 do STF), mas permite ao credor dispor de um direito patrimonial já reconhecido;
  3. Possibilidade de cessão com controle judicial do deságio: Para proteger o credor original de transações abusivas, a tese vencida propunha a necessidade de controle judicial da cessão, devendo ser estendido o percentual de 40% estabelecido pelo § 20 do artigo 100 da Constituição da República como redução máxima a ser negociada na hipótese de cessão de direitos para recebimento do crédito inscrito em precatório

Nesse sentido, a tese proposta voto vencido, que foi superada pela maioria, era:

É possível a cessão de créditos representados por precatórios de natureza previdenciária, por se tratar de direito patrimonial disponível, desde que o negócio jurídico não imponha ao segurado condições abusivas. Para fins de controle judicial da validade da cessão, inclusive de ofício, considera-se abusiva a transação que implique deságio superior a 40%do valor atualizado do crédito, aplicando-se, por analogia, o limite constitucional previsto no art. 100, § 20, da Constituição Federal.

Embora vencida, a tese proposta é relevante por demonstrar a profunda divergência no Tribunal e por estabelecer um parâmetro (o limite de 40% de deságio) que pode ser utilizado em discussões futuras sobre a abusividade em cessões de precatórios de natureza não previdenciária.

Entretanto, a tese vencedora, ao vedar a cessão, tornou o debate sobre o deságio irrelevante para os créditos previdenciários.

Risco de sobrestamento das cessões de créditos previdenciários inscritos em precatório em qualquer Tribunal em razão do julgamento da controvérsia em trâmite no STJ

Em paralelo ao risco de aquisição de créditos previdenciários no âmbito do TRF4, em razão da tese fixada no IRDR 34, atualmente tramitam diversos recursos especiais, no Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), que também discutem a possibilidade de cessão de créditos oriundos de ações previdenciárias, já inscrito em precatório, à luz do art. 114 da Lei nº 8.213/91.

Em decisão datada de 06/10/2025, proferida nos autos do REsp 2217137/RS (2025/0173829-1), o Ministro Moura Ribeiro, Presidente da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas do STJ entendeu que a controvérsia deverá ser submetida à sistemática dos repetitivos. Segundo o Ministro, trata-se de questão com “relevante impacto jurídico, social e econômico, visto que a possibilidade de cessão fomenta a criação de um mercado de precatórios, com empresas especializadas (cessionárias) interessadas em adquirir esses créditos, com potencial risco de violação a direitos adquiridos por beneficiários do INSS.”

Na referida decisão, o Ministrou destacou que a afetação ao rito repetitivo “atribuirá maior racionalidade aos julgamentos e, em consequência, estabilidade, coerência e integridade à jurisprudência, conforme idealizado pelos arts. 926 e 927 do CPC”. Determinou, ainda, a redistribuição por dependência dos recursos especiais representativos da controvérsia que contiverem a mesma questão de direito.

 O tema também foi objeto de análise pelo Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal, que publicou a Nota Técnica n. 46/2024, reconhecendo sua relevância social, diante da alegada vulnerabilidade dos segurados em períodos de postergação do pagamento de precatórios. O documento destacou, entre outros pontos:

Atualmente, existe um mercado financeiro próprio para tais operações, em que os créditos são adquiridos com consideráveis deságios e os segurados e beneficiários nem sempre estão suficientemente informados sobre a perspectiva, já restabelecida, de pagamento regular dos precatórios.

[…]

Embora os tribunais admitam a cessão de crédito inscrito em precatório, não há consenso quanto à validade e ao alcance da vedação estabelecida pelo art. 114 da Lei de Benefícios. Alguns entendem que a vedação inclui não apenas o benefício em manutenção, mas também as eventuais parcelas vencidas que compõem créditos em ações judiciais, enquanto outros entendem que a vedação não alcança valores pretéritos, apenas o valor mensal do benefício, com vistas à preservação da subsistência do segurado ou beneficiário.

Caso o STJ efetivamente afete a matéria à sistemática dos recursos repetitivos, a consequência processual imediata deverá ser o sobrestamento de todas as ações que versem sobre cessão de crédito previdenciário, inclusive aquelas em que o crédito já esteja inscrito em precatório ou RPV, em todos os Tribunais, sejam estaduais ou federais.

Conclusão

O julgamento do IRDR nº 34 pelo TRF4, decidido por maioria apertada (6×5), firmou o entendimento no sentido de vedar a cessão de créditos de origem previdenciária, ainda que objeto de qualquer modalidade de requisição judicial de pagamento, seja precatório ou requisição de pequeno valor (“RPV”). A tese fixada parte do reconhecimento de que a natureza alimentar do crédito previdenciário, expressamente protegida pelo art. 114 da Lei nº 8.213/1991, é incompatível com a cessão a terceiros, o que pode acarretar a nulidade de pleno direito das cessões realizadas em desconformidade com esse entendimento.

Até o momento, não houve modulação dos efeitos da decisão, circunstância que potencialmente amplia o risco jurídico para cessões celebradas antes do julgamento, especialmente aquelas ainda não definitivamente liquidadas ou submetidas a controle judicial.

O acórdão foi publicado no Diário de Justiça Eletrônico Nacional (DJEN) no dia 17/12/2025, de modo que ainda está em aberto o prazo para interposição dos recursos cabíveis.

A provável afetação da matéria ao rito dos repetitivos no STJ tende a uniformizar a questão em âmbito nacional, com potencial de impactar todas as ações que tratam da cessão de créditos previdenciários, estejam elas tramitando na Justiça Federal ou na Justiça Estadual.

Este boletim apresenta um resumo de alterações legislativas ou decisões judiciais e administrativas no Brasil. Destina-se aos clientes e integrantes do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. Este boletim não tem por objetivo prover aconselhamento legal sobre as matérias aqui tratadas e não deve ser interpretado como tal.

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