Proposta de modernização da regulamentação aplicável aos FIIs: CVM abre Audiência Pública

A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) publicou, em 30 de outubro de 2025, o Edital de Consulta Pública SDM nº 06/25 (“Edital”), com prazo de manifestação até 30 de janeiro de 2026, apresentando proposta de alteração do Anexo Normativo III da Resolução CVM nº 175/2022 (“Resolução CVM 175” e “Anexo Normativo III”, respectivamente), que trata das regras específicas aplicáveis aos fundos de investimento imobiliário (“FII”).

A consulta tem por objetivo modernizar o arcabouço regulatório aplicável aos FIIs, promovendo maior alinhamento entre as regras específicas e o regime geral, bem como incorporando entendimentos consolidados pelo Colegiado e área técnica ao longo da vigência da Resolução CVM 175.

Principais Propostas

1. Subordinação entre Subclasses de Cotas

A proposta sugere que seja permitido, às classes de FII destinadas ao público geral (varejo) que apliquem recursos exclusivamente em ativos financeiros (ou seja, os chamados “FIIs de papel”), a utilização de estrutura de subordinação entre subclasses de cotas, com aplicação subsidiária do Anexo Normativo II da Resolução CVM 175 em relação a determinados temas.

O Colegiado já havia proferido, recentemente, decisão com essa possibilidade no âmbito de pedido de dispensa de requisito normativo formulado por participante do mercado1.

O Anexo Normativo II, que contém regras específicas para regular os fundos de investimento em direitos creditórios (“FIDCs”), já possui dispositivos próprios sobre estruturas de subordinação, os quais foram especificamente elaborados para lidar com operações nas quais há uma maior interação entre os direitos econômicos e políticos das diferentes subclasses de cotas.

Considerando que os FIDCs se tornaram acessíveis ao público em geral a partir da edição da Resolução CVM 175, a proposta busca permitir que os FIIs de papel também possam se valer da estrutura de subordinação, tendo em vista que as operações partilham de racionais econômicos similares.

Os ativos financeiros que poderiam ser investidos para que a classe possa fazer uso dessa prerrogativa seriam: (i) certificados de recebíveis imobiliários e cotas de emissão de FIDC; (ii) letras hipotecárias, letras de crédito imobiliário e letras imobiliárias garantidas; e (iii) debêntures, notas comerciais e notas promissórias.

2. Oferta Pública de Aquisição de Cotas (OPAC)

O Anexo Normativo III já prevê, atualmente, a possibilidade de realização de oferta pública de aquisição de cotas (“OPAC”) em FIIs. Entretanto, a proposta promove um acréscimo no dispositivo para esclarecer que a OPAC pode ser realizada, inclusive, pela própria classe que emitiu as cotas, desde que (i) haja previsão no regulamento, (ii) as cotas sejam devidamente canceladas e (iii) a OPAC obedeça às regras e aos procedimentos operacionais estabelecidos pela entidade administradora do mercado organizado em que as cotas estejam admitidas à negociação.

3. Recompra de cotas de própria emissão 

Adicionalmente, a CVM propõe regulamentar a possibilidade de recompra de cotas de própria emissão por FIIs. Esses ajustes visam, de forma geral, incorporar entendimento recentemente manifestado pelo Colegiado2 em resposta a consulta sobre o tema, disciplinando a possibilidade de classes de cotas de FII recomprarem cotas de sua própria emissão, de forma análoga ao que já está previsto para fundos de investimento financeiro de classe fechada tipificados como “Ações”, conforme o art. 56, § 6º e seguintes, do Anexo Normativo I da Resolução CVM 175 (“Anexo Normativo I”).

Por meio da decisão acima mencionada, o Colegiado havia estipulado, dentre outras regras, que a recompra de cotas de própria emissão (i) deveria estar sujeita ao limite de 10% (dez) por cento do total de cotas de emissão da classe no período de 12 (doze) meses e (ii) não poderia ser realizada com a finalidade exclusiva de obtenção de ganhos financeiros a partir de variações esperadas do preço das cotas.

Contudo, o Edital não prevê as duas exigências acima detalhadas, as quais, por força da decisão proferida pelo Colegiado, têm sido observadas pelos participantes do mercado para realização de recompra de cotas de própria emissão em FII.

Assim, nos termos previstos no Edital, a proposta é de que as recompras de cotas possam ser realizadas desde que observem as seguintes regras:

(i) o valor de recompra da cota seja inferior ao valor patrimonial da cota do dia imediatamente anterior ao da recompra;

(ii) as cotas recompradas sejam imediatamente canceladas;

(iii)  o administrador anuncie a intenção de recompra, por meio de comunicado ao mercado arquivado, com pelo menos 14 (catorze) dias de antecedência da data em que pretende iniciar a recompra (comunicado que será válido por 12 (doze) meses, contados da data de seu arquivamento0;

Adicionalmente, a proposta prevê ser vedado às classes de cotas recomprarem suas próprias cotas:

(i) sempre que o gestor tenha conhecimento de informação ainda não divulgada ao mercado relativa a ativo investido que possa alterar substancialmente o valor da cota ou influenciar na decisão do cotista de comprar, vender ou manter suas cotas; e

(ii) de forma a influenciar o regular funcionamento do mercado.

Por meio do Edital, a CVM enfatizou a importância de receber comentários sobre as condições aplicáveis à recompra de cotas, especialmente quanto à necessidade de o valor da recompra ser inferior ao valor patrimonial da cota e sobre o limite do volume de recompra em um período de doze meses.

4. Reembolso de Cotistas Dissidentes

A proposta sugere que o regulamento do Fundo possa prever hipóteses de não concessão de reembolso a cotistas dissidentes de deliberação sobre incorporação, cisão, fusão ou transformação envolvendo classe de cotas fechada, considerando que FIIs costumam investir em ativos ilíquidos.

O regulamento que fizer uso dessa prerrogativa deve prever medidas destinadas a resguardar os interesses dos cotistas dissidentes. Na convocação da assembleia de cotistas por meio da qual se deliberará sobre o tema, o administrador fiduciário deverá informar as hipóteses de não concessão do direito ao reembolso, bem como esclarecer sua incompatibilidade com a política de investimento em ativos ilíquidos e as medidas de resguardo previstas no regulamento.

5. Flexibilização de Quóruns Assembleares

Com base em Análise de Resultado Regulatório (ARR) publicada em janeiro de 2024, foi indicado que fundos com mais de 10.000 cotistas estavam encontrando dificuldades para atingir o quórum qualificado (presença de, no mínimo, 25% para classes com mais de 100 cotistas).

Diante disso, em alinhamento com as conclusões da ARR, a minuta propõe a revisão dos percentuais mínimos de quórum qualificado, separando em três grupos, considerando o nível de dispersão da classe de cotas do FII, sendo de (i) 50% para classes com até 100 cotistas; (ii) 25% para classes com entre 100 e 10 mil cotistas; e (iii) 15% para classes de cotas com mais de 10 mil cotistas.

6. Eleição de Representantes de Cotistas

Com o objetivo de facilitar a fiscalização e a defesa dos direitos dos cotistas, bem como promover o ativismo dos investidores pessoas naturais, a proposta sugere a redução do percentual mínimo exigido para a inclusão da eleição de representantes de cotistas na pauta da assembleia geral ordinária, de 3% para 1% das cotas emitidas.

7. Atribuições do Administrador Fiduciário e do Gestor

A proposta busca promover uma redefinição dos papéis desempenhados pelos administradores fiduciários e gestores de FII.

Dentre as redefinições, cabe destacar:

  • a transferência, do administrador fiduciário para o gestor de recursos, da atribuição de contratação dos seguintes prestadores de serviços em nome do fundo ou da classe de cotas: (i) análise e acompanhamento de projetos imobiliários; (ii) administração dos bens imóveis da carteira da classe de cotas, incluindo, mas não se limitando à sua comercialização; (iii) distribuição de cotas; e (iv) formador de mercado;
  • a transferência, do administrador fiduciário para o gestor de recursos, da obrigação de fiscalizar os empreendimentos imobiliários que constituem ativos de propriedade da classe;
  • o compartilhamento dos poderes e deveres relacionados à representação do FII, cada um na sua esfera de atuação.

Em relação à propriedade fiduciária de bens imóveis, esta função permanece com o administrador fiduciário por força do art. 7 da Lei nº 8.668/1993.

8. Modernização das Informações Periódicas

A proposta busca ainda modernizar a forma como a CVM lida com as informações periódicas dos FII, permitindo que a área de supervisão altere o conteúdo dos relatórios mensais, trimestrais e anuais, de forma a melhor acompanhar a dinâmica do mercado. O conteúdo dos formulários eletrônicos será divulgado apenas na página eletrônica da CVM pela Superintendência competente, deixando de constar como Suplemento na Resolução CVM 175.

Apesar da tentativa de flexibilização, a CVM demonstrou preocupação para que esta medida não gere insegurança jurídica, estabelecendo determinados cuidados a serem observados pelas áreas técnicas responsáveis.

Participação na Consulta Pública Os interessados devem encaminhar suas manifestações à Superintendência de Desenvolvimento de Mercado da CVM até 30 de janeiro de 2026, por meio do endereço eletrônico conpublicasdm0625@cvm.gov.br.


1. Por meio de decisão proferida no âmbito do Processo Administrativo CVM nº SEI 19957.001217/2025-22, em 08.07.2025, o Colegiado já havia entendido ser viável, com o cumprimento de diligências adicionais, a estruturação de subclasses subordinadas em FIIs. Disponível em: <https://conteudo.cvm.gov.br/decisoes/2025/20250708_R1/20250708_D3284.html>.

2. PROCS. 19957.000368/2025-63 e 19957.001945/2025-34, j. em 20.05.2025. Disponível em: <https://conteudo.cvm.gov.br/decisoes/2025/20250520_R1/20250520_D3280.html>.

Este boletim apresenta um resumo de alterações legislativas ou decisões judiciais e administrativas no Brasil. Destina-se aos clientes e integrantes do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. Este boletim não tem por objetivo prover aconselhamento legal sobre as matérias aqui tratadas e não deve ser interpretado como tal.

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