Decretos Federais alteram as regras estabelecidas no Marco do Saneamento Básico

O Decreto Federal 11.466/2023 revoga o Decreto Federal 10.710/2021, modificando as regras para comprovação da capacidade econômico-financeira dos prestadores de serviço de saneamento básico. O Decreto Federal 11.467/2023 revoga o Decreto Federal 10.588/2020, alterando os parâmetros para prestação regionalizada dos serviços públicos de saneamento básico e acesso a recursos técnicos e financeiros da União pelo setor. 

As alterações, de forma geral, modificam aspectos relevantes da dinâmica do setor de saneamento básico, flexibilizando o regramento anterior, buscando ampliar a adesão às diretrizes do Marco do Saneamento para atingimento da meta de universalização até 2033. 

Para se alcançar as metas estabelecidas no Marco do Saneamento, o Decreto nº 11.467/2023 atribui responsabilidades à União, que deverá auxiliar as empresas no processo de adaptação do setor.  Este apoio técnico será realizado por meio de ações desenvolvidas pelos Ministérios das Cidades e do Meio Ambiente e Mudanças do Clima, bem como pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), que deverão desenvolver programas de boas práticas, projetos e outras ações que julgarem necessárias. 

Abaixo, destacamos as principais novidades até o momento:

  • Flexibilização na forma de comprovação da capacidade econômico-financeira das empresas prestadoras de serviços de saneamento básico. 

O Marco do Saneamento Básico tornou obrigatória a comprovação da capacidade econômico-financeira para as empresas prestadoras dos serviços de saneamento básico, com vistas a viabilizar a universalização dos serviços até 2033. A comprovação da capacidade econômico-financeira é obrigatória para os contratos em vigor e para as contratações futuras. 

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Sob a ótica do Decreto 10.710/2021, revogado, estabeleceu a metodologia para comprovação da capacidade econômico-financeira, como condição de regularidade dos contratos vigentes. O processo de comprovação deveria ser iniciado até 31 de dezembro de 2021 e concluído até 31 de março de 2022 – na prática, muitas empresas sequer iniciaram o processo de comprovação da capacidade econômico-financeira e outras não conseguiram comprovar os requisitos. Conforme informações divulgadas pelo Governo Federal, 1.113 municípios se enquadravam em uma das duas situações, prejudicando a regularidade dos respectivos contratos. 

O Decreto 11.466/2023 instituiu um novo procedimento para comprovação da capacidade econômico-financeira pelos prestadores, fixando novo prazo de 31 de dezembro de 2023 para que estes apresentem requerimento de comprovação de capacidade econômico-financeira junto a cada entidade reguladora responsável pela fiscalização de seus contratos. A entidade reguladora terá até 31 de março de 2024 para concluir pela comprovação ou não da capacidade econômico-financeira do prestador de serviços.

Outra alteração relevante foi a permissão para o prestador incluir no processo de comprovação da capacidade econômico-financeira “eventuais situações de prestação dos serviços, por meio de contratos provisórios não formalizados, ou de contratos, instrumentos ou relações irregulares ou de natureza precária“. Caso isso ocorra, a regularização de tais contratos deverá ocorrer até 31 de dezembro de 2025, e a regularização estará condicionada à efetiva comprovação da capacidade econômico-financeira do prestador. 

As empresas que não atenderem os índices necessários para comprovação da capacidade econômico-financeira poderão apresentar plano de metas para atingimento dos referenciais em, no máximo, 5 anos.

A entidade reguladora competente passará a acompanhar, anualmente, o cumprimento das metas de universalização e a manutenção das condições econômico-financeiras pelas prestadoras de serviço. 

O novo Decreto 11.466/2023 manteve a presunção de que as empresas públicas ou as sociedades de economia mista estaduais e distritais que prestem serviços públicos de abastecimento de água potável ou de esgotamento sanitário, em conformidade com contrato de programa celebrado nos termos do disposto na Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005 e que sejam submetidas a processo de desestatização tenham a sua capacidade econômico-financeira presumida, desde que atendidas as condições previstas no Decreto. A novidade é que os prazos aqui também foram ampliados:

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Importante destacar que o Decreto 11.466/2023 não se aplica à prestação direta de serviços públicos de abastecimento de água potável ou de esgotamento sanitário pelo Distrito Federal ou pelo Município titular do serviço, ainda que por intermédio de autarquia, de empresa pública ou de sociedade de economia mista por eles controladas. 

  • Definição da competência da ANA

Após as alterações do início de 2023, com a Medida Provisória 1.154/2023 e o Decreto 11.333/2023, o Governo Federal, por fim, esclareceu a competência da ANA para estabelecer as normas de referência para o setor, conforme estabelecido no Marco do Saneamento Básico. Essencialmente, confirma-se esfera de atuação da ANA, afastando, definitivamente, as alterações equivocadas da Medida Provisória. O decreto enfatiza ainda que as normas de referência a serem editadas pela ANA terão como objetivo a uniformidade regulatória ao setor de saneamento básico e a segurança jurídica à prestação e à regulação dos serviços, observados os objetivos da regulação estabelecidos no art. 22 da Lei nº 11.445, de 2007. 

O Decreto Federal 11.467/2023, inova, ademais, ao fixar diretrizes para a atuação regulatória da ANA. As normas de referência deverão ser editadas em observância às seguintes premissas: 

(i) observação das diretrizes fixadas na política federal de saneamento básico, inclusive as fixadas pela Secretaria Nacional do Saneamento Básico, órgão vinculado ao Ministério das Cidades;

(ii) considerar as diferenças socioeconômicas regionais; 

(iii) limitar-se ao mínimo necessário para atingimento da finalidade de padronização das normas setoriais; e 

(iv) definir prazo razoável para que as entidades reguladoras infranacionais incorporem as normas de referência em seu arcabouço regulatório, o qual não poderá ser inferior a doze meses a partir da publicação das respectivas normas de referência. 

Importante destacar que tais normas terão incidência sobre as relações jurídicas estabelecidas entre titulares, prestadores e usuários dos serviços de saneamento somente após a incorporação pelas respectivas entidades reguladoras infranacionais em seu arcabouço regulatório. Por fim, o Decreto estipulou que as normas referencias que já foram publicadas pela ANA deverão se adequar às novas regras. 

  • Prestação regionalizada dos serviços: 

A regionalização dos serviços de saneamento básico foi uma das principais medidas adotadas no Marco do Saneamento Básico para viabilizar a universalização do serviço até 2033. A adesão e estruturação dos Municípios à prestação regionalizada do serviço, até então, deveria ter sido realizada até 31 de março de 2023 e era condição para acesso aos recursos da União (art. 50, Lei Federal 11.445/2007). 

A partir de agora, por força do Decreto 11.467/2023, a adesão e estruturação de regionalização somente será condição para acesso aos recursos da União após 31 de dezembro de 2025. A adesão à regionalização após o prazo, contudo, não impede o acesso aos recursos da União ou geridos ou operados por órgãos ou entidades da União, após o efetivo cumprimento da condição.  

O Decreto 11.467/2023 reforçou a possibilidade de  acesso aos recursos da União para apoio no processo de adesão e adequação ao Marco do Saneamento, inclusive para os procedimentos necessários à regionalização, contratação do serviço e demais obrigações de adequação necessários, previstas no Marco do Saneamento Básico. 

É importante ressaltar que a concessão de tais recursos ainda está condicionada à demonstração de eficácia e eficiência na prestação dos serviços de saneamento, devendo ser observado diversos fatores ambientais, sociais e de governança. Nesse sentido, o Decreto 11.467/2023 ressaltou que para a operação ser considerada regular é necessário observar integralmente as disposições constitucionais, legais e contratuais relativas ao exercício da titularidade e à contratação, prestação e regulação dos serviços. 

Tal dispositivo enfatiza a necessidade de as empresas de saneamento estarem regular ou possuírem plano de regularização relacionado à obtenção das licenças ambientais e outorgas para uso de recursos hídricos, bem como possuírem políticas internas eficientes de controle de cumprimento de obrigações legais, para obterem acesso à financiamentos públicos.   

Vale destacar que o Decreto 11.467/2023 veda a adesão de outros municípios ao mesmo procedimento licitatório, ainda que estes integrem a mesma estrutura de prestação regionalizada, após a homologação da licitação para concessão do serviços. 

Outra novidade é a possibilidade da prestação dos serviços por mais de um prestador de serviço dentro da mesma estrutura regionalizada.

  •  Prestação do serviço por Empresas Estatais 

O Marco do Saneamento Básico proibiu a celebração de novos Contratos de Programa, instrumento comumente utilizado para formalizar a prestação dos serviços por empresas estatais e Municípios, sem a prévia licitação. Após o encerramento do prazo de vigência dos Contratos de Programa, a contratação de empresa estatal depende de celebração de contrato de concessão, precedido de licitação. 

Até então, somente entidades integrantes da mesma estrutura jurídica do Município (ou seja, empresas públicas ou sociedades de economia mista municipais) poderiam prestar diretamente o serviço, sem licitação prévia. 

A novidade trazida no Decreto 11.467/2023 consiste na ampliação das hipóteses para a contratação direta dos serviços de saneamento básico por meio de empresas estatais: em caso de prestação regionalizada estruturada em região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião (devidamente instituída por Lei Estadual). Nesse caso, o Decreto 11.467/2023 permite que entidade que integre a administração do Estado poderá prestar os serviços, independentemente de licitação, mediante autorização da entidade de governança interfederativa e equipara tal prestação à prestação direta.

  • Esclarecimento sobre às PPPs

O Marco do Saneamento estabeleceu limite de 25% do valor do Contrato para a subdelegação dos serviços a terceiros. Havia dúvida e discussão no setor sobre a aplicação da limitação de subdelegação às Parcerias Público-Privadas.

O Decreto 11.467/2023 esclareceu a questão, firmando que o limite de 25% para subdelegação não se aplica às Parcerias Público-Privadas, em qualquer das modalidades admitidas, desde que os ganhos de eficiência decorrentes da contratação sejam compartilhados com o usuário dos serviços. 

Os ganhos de eficiência mencionados acima deverão ser calculados a partir do diferencial entre o valor cobrado do usuário final e o valor da efetiva prestação do serviço pelo ente privado. 

  • Alocação de Recursos da União 

O Decreto 11.467 flexibilizou também o acesso aos recursos públicos federais e aos financiamentos com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades da União ao prever que o requisito de estruturação de prestação regionalizada não será aplicável para os empréstimos realizados até 31 de dezembro de 2025. 

Além disso, deixou claro que os requisitos de regionalização previstos nos incisos VIIVIII e IX do caput do art. 50 da Lei nº 11.445, de 2007, independentemente do prazo previsto acima, não seriam aplicáveis:

(I) em Municípios com prestação delegada por meio de contratos de programa regulares em vigor, firmados anteriormente à data de publicação do Decreto 11.467, nos casos em que houve comprovação da capacidade econômico-financeira pelo respectivo prestador, nos termos do disposto em regulamento; e

(II) em Municípios com prestação delegada por meio de contratos de concessão ou de parcerias público-privadas precedidos de licitação, firmados anteriormente à data de publicação Decreto 11.467 ou cuja concessão ou parceria público-privada já tenha sido licitada, ou submetida à consulta pública ou que seja objeto de estudos já contratados pelas instituições financeiras federais. 

Outra inovação é que as licitações que adotem como critério de seleção a modicidade tarifária e a antecipação da universalização do serviço público de saneamento terão prioridade no acesso a tais recursos.

Confira o comparativo entre os Decretos no documento abaixo:

Este boletim apresenta um resumo de alterações legislativas ou decisões judiciais e administrativas no Brasil. Destina-se aos clientes e integrantes do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. Este boletim não tem por objetivo prover aconselhamento legal sobre as matérias aqui tratadas e não deve ser interpretado como tal.

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