A proposta de Open Energy, em consulta pública pela ANEEL, sinaliza mudanças relevantes no setor elétrico.
1. Introdução
No dia 18 de fevereiro, a Agência Nacional de Energia Elétrica ("ANEEL") aprovou a abertura da Consulta Pública nº 7/2025 ("CP nº 7/2025") com objetivo de aprimorar a regulação dos serviços de distribuição de energia, tendo como um dos focos a instituição do Open Energy, mecanismo de acesso e compartilhamento de dados.
A regulação setorial atual não oferece padronização sobre quais dados devem ser disponibilizados, nem sobre a forma em que essa disponibilização deve ser feita. Isso indica deficiências na regulação e a falta de alinhamento com as diretrizes da Lei Geral de Proteção de Dados ("LGPD"), Lei nº 13.709/2028.
Assim, o problema regulatório que a CP nº 7/2025 visa resolver é o de aprimorar a regulação setorial, tendo em vista a LGPD, sendo o Open Energy o instrumento escolhido para viabilizar esse diálogo normativo e regulatório, bem como corrigir as lacunas atuais.
2. O que é Open Energy?
O Open Energy envolve o acesso e o compartilhamento padronizado de dados por meio de interfaces e integração de sistemas, de forma que os consumidores de energia possam ter maior controle sobre seus dados pessoais. A proposta regulatória da ANEEL é de que esse instrumento seja oferecido de forma gratuita.
No âmbito da CP nº 7/2025, a ANEEL apresentou para discussão minuta de Resolução Normativa que dispõe sobre o tema. A seguir, os pontos que merecem maior destaque:
a) Implementação: O Open Energy será implementado por dois métodos: (i) acesso aos dados, pelo próprio consumidor, por meio de interface padronizada; e (ii) acesso compartilhado de dados mediante prévio consentimento do consumidor, que poderá ter prazo definido ou não.
b) Participantes: A minuta institui a participação obrigatória de agentes de comercialização varejista, distribuidoras de energia elétrica e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica ("CCEE"). Ainda, existe a possibilidade de participações voluntárias por empresas receptoras de dados, por exemplo.
c) Papel da CCEE no Open Energy: A CCEE deve atuar como centralizadora e fornecedora de determinadas informações, ao exemplo diretório das instituições participantes do Open Energy. Além disso, a CCEE deve disponibilizar plataforma de integração que permita a conexão dos sistemas para acesso aos dados compartilhados.
d) Prazos de implementação: Os participantes devem, até 31 de dezembro de 2025, disponibilizar aos consumidores e demais usuários o acesso aos próprios dados por meio de interface padronizada; e, até o dia 31 de dezembro de 2026, devem permitir o serviço de compartilhamento de dados mediante prévio consentimento; o segundo prazo também será aplicado à CCEE para disponibilização de página com comparativo de produtos de agentes de comercialização com condições padronizadas.
e) Migração ao Ambiente de Contratação Livre ("ACL"): É vedado às instituições participantes criarem obstáculos ao compartilhamento, de forma que prejudiquem a concorrência do setor. Além disso, vale ressaltar o compromisso de facilitar o exercício de opção de compra de energia no ACL e a troca de comercializadores, em benefício da concorrência. O instrumento almeja remover eventuais barreiras artificiais à concorrência e ampliar a liberdade de escolha dos consumidores, promovendo o acesso a fornecedores alternativos de energia — especialmente em um contexto de expansão do ACL, em alternativa à comercialização no Ambiente de Contratação Regulada (ACR).
3. Open Finance x Open Energy
Iniciativa similar a que vem sendo estruturada pela ANEEL já se encontra em prática no setor bancário, através do Open Finance1. Originalmente conhecido como Open Banking, o Open Finance é um sistema do Banco Central que possibilita o compartilhamento padronizado de informações entre as instituições participantes. O escopo das informações compartilhadas inclui tanto dados sobre produtos e serviços oferecidos pelas instituições — como contas, operações de crédito, investimentos, câmbio, seguros e previdência —, quanto dados cadastrais e transacionais dos usuários com relação a tais produtos e serviços, mediante consentimento prévio e específico.
Por meio do Open Finance, os usuários podem levar suas informações das instituições que possuem relacionamento para outras do seu interesse, movimentar suas contas bancárias a partir de diferentes plataformas, além de acessar outros serviços específicos. As instituições participantes, por outro lado, conseguem ter uma visão mais ampla do perfil financeiro dos usuários, possibilitando a oferta de produtos e serviços mais personalizados e alinhados às suas necessidades.
Desse modo, os benefícios do Open Finance são percebidos pelos consumidores e pelas instituições. Para os consumidores, destaca-se a melhora na experiência, com produtos e serviços mais personalizados, melhores taxas e processos mais ágeis e simplificados. Para as instituições, o sistema estimula a competição ao reduzir a assimetria de informações, melhora o desenvolvimento e a oferta de soluções, bem como aumenta a eficiência em análises internas, promovendo, em última análise, inclusão financeira e inovação no setor.
Ademais, de forma semelhante à proposta da ANEEL, o Open Finance possui participantes obrigatórios e voluntários, a depender do porte da instituição e do dado ou serviço que está sendo compartilhado. Independente da forma de participação, somente as instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central podem participar do Open Finance.
Sob a perspectiva concorrencial, vale notar que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) já sinalizou que a evolução da regulação setorial que ocorreu no sistema financeiro nos últimos anos tem produzido maior dinamismo e capacidade de inovação no mercado financeiro nacional, contribuindo para o aumento da competitividade no setor2.
Esse processo observado no setor bancário poderá, de modo análogo, produzir efeitos semelhantes no setor elétrico, já que o Open Energy terá o potencial de reduzir assimetrias de informação e switching costs.
Portanto, a estruturação de um modelo similar no setor elétrico, conforme proposto pela ANEEL, pode representar um avanço significativo na modernização e democratização do acesso a serviços energéticos. A exemplo do Open Finance, a implementação desse sistema poderá fomentar a competitividade, estimular a inovação e proporcionar maior autonomia aos consumidores na gestão de seus contratos e consumo de energia.
4. Conclusão
Aguarda-se que esse ano, após a conclusão da CP nº 7/2025, o sistema de Open Energy seja regulamentado e institucionalizado pela ANEEL e demais agentes do setor elétrico.
O interesse na implementação do mecanismo se justifica pela abertura gradual do Mercado Livre de Energia, que, a partir de 2024, ampliou o acesso ao ACL para novos consumidores com a diminuição da carga mínima de consumo.
Nesse cenário, o Open Energy figura como uma ferramenta para a promoção da maior competitividade no setor de comercialização de energia elétrica, ao instituir a transparência e o acesso aos dados pelos consumidores e o diálogo entre os participantes do setor elétrico, facilitando o comparativo entre preços e serviços, semelhante ao proposto pelo Open Finance.
Vale realçar que, mesmo após implementação do Open Energy, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) continuará monitorando a atuação dos agentes econômicos do setor de energia elétrica, sob a ótica da Lei de Defesa da Concorrência, especialmente entre agentes econômicos verticalizados.
A depender do desenho final da regulamentação, o CADE poderá exercer papel relevante, dentro se sua esfera, para fomentar o acesso isonômico às informações e coibir eventuais condutas potencialmente anticompetitivas, como práticas de discriminação, fechamento de mercado e abuso de posição dominante, assim como cooperando com a ANEEL no desenho de políticas que estejam alinhadas à promoção da concorrência.
Dessa forma, a minuta proposta pela ANEEL está aberta a sugestões e críticas da sociedade civil e agentes do setor até dia 22 de abril e ainda esse ano há a expectativa de sua implementação parcial.
1. Para mais informações sobre o Open Finance, acesse a página do Banco Central: www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/openfinance?c=Naruhodo.
2. Vide, por exemplo, a Nota Técnica nº 54/2022/CGAA2, proferida pela Superintendência-Geral do CADE, no âmbito do Processo Administrativo nº 08700.002066/2019-77.