Programa “Gás do Povo”: questões jurídicas sobre precificação, liberdade econômica e viabilidade operacional

Contexto do Programa

O programa denominado Auxílio Gás do Povo (“Programa”) foi instituído pela Lei nº 14.237/2021 e tem por objetivo declarado a mitigação do efeito do preço do gás liquefeito de petróleo (GLP) sobre o orçamento das famílias de baixa renda.

Pela referida Lei, o Programa será operacionalizado por meio de: (i) pagamento de valor monetário às famílias beneficiadas de modo a permitir a aquisição do GLP; ou (ii) gratuidade, consistente na disponibilização gratuita de botijões de GLP diretamente na revenda varejista autorizada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP.

A modalidade de gratuidade foi recentemente regulamentada pelo Decreto nº 12.649, de 2 de outubro de 2025 (“Decreto”), por meio do qual se definiu que:

  1. as famílias beneficiadas deverão: (a) estar inscritas no CadÚnico; (b) ter registro no CadÚnico com o máximo de vinte e quatro meses desde a última atualização; e (c) possuir renda familiar per capita mensal menor ou igual a meio salário-mínimo nacional.
  2. a quantidade de auxílios anuais disponibilizados na modalidade de gratuidade será definida conforme o número de integrantes por família;
  3. competirá à Caixa Econômica Federal o processo de credenciamento e descredenciamento das revendas varejistas de GLP para adesão à modalidade de gratuidade;

No entanto, algumas obrigações impostas aos distribuidores de GLP para viabilizar a implementação do modelo de gratuidade chamam atenção, podendo colocar em xeque a própria viabilidade do Programa.

Para além de outros aspectos legais e constitucionais, destacamos a obrigatoriedade imposta aos agentes econômicos autorizados pela ANP para a atividade de distribuição de GLP, com participação no mercado estadual igual ou superior a 10%, a firmar termo de compromisso para garantir o acesso ao Auxílio pelas famílias, no âmbito da modalidade de gratuidade do Auxílio Gás do Povo.

Somada a essa obrigatoriedade de adesão ao Programa (para as distribuidoras com participação no mercado estatal igual ou superior a 10%), definiu-se preços referencias (tabelados) para cada unidade federativa.

Essa adesão compulsória ao Programa, conjugada com um tabelamento de preços, não parece estar alinhada com as premissas (i) da livre iniciativa (liberdade de empresa), (ii) da Lei do Petróleo, que estabeleceu o regime de livre concorrência e livre pactuação de preços no mercado de derivados de petróleo e gás, incluindo o GLP, bem como (iii) da Lei de Liberdade Econômica, que assegura o direito de definição livre, em mercados não regulados, dos preços de produtos e serviços conforme as dinâmicas de oferta e demanda.

Em um país com Estados de dimensões relevantes (muitas vezes com logísticas extremamente complexas e custosas para determinados municípios), definir um único preço para toda a unidade federativa poderá gerar distorções capazes de colocar em xeque a própria viabilidade do Programa – sobretudo quando se considera que o componente logístico representa parte determinante da margem de distribuição e revenda do GLP em muitas regiões do país.

Como se vê, a discussão evidencia a necessidade de alinhamento entre objetivos sociais legítimos do Programa e a viabilidade operacional sustentável, respeitando os princípios constitucionais da livre iniciativa e livre concorrência.

Nossos especialistas de Direito Público e Petróleo e Gás ficam à disposição para discutir o tema em mais profundidade.

Este boletim apresenta um resumo de alterações legislativas ou decisões judiciais e administrativas no Brasil. Destina-se aos clientes e integrantes do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. Este boletim não tem por objetivo prover aconselhamento legal sobre as matérias aqui tratadas e não deve ser interpretado como tal.

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