A nova Medida Provisória (MP) acelera a abertura total do mercado livre de energia, prevista desde a Consulta Pública nº 137/2022, permitindo a entrada de consumidores de baixa tensão em fases a partir de 2026. Ela também define regras para o Supridor de Última Instância (SUI), cuja regulamentação deve ser publicada até fevereiro de 2026, e estabelece que os custos decorrentes do SUI e da exposição involuntária das distribuidoras serão rateados via encargos tarifários.
Em relação à autoprodução por equiparação, a MP eleva a exigência de demanda mínima agregada para 30 MW, cria critérios de participação no capital social das sociedades autoprodutoras e impõe restrições a novos arranjos com empreendimentos já operacionais, gerando uma corrida no setor para viabilizar projetos antes da vigência das novas regras.
Ainda, a Medida Provisória estabelece que os descontos nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição (TUSD/TUST) para fontes incentivadas só poderão ser aplicados até a data de término dos contratos de energia registrados e validados na CCEE, desde que os montantes tenham sido informados até 31 de dezembro de 2025. Alterações nos volumes contratados após 31/12/2025 também anulam o benefício.
Por fim, destaque deve ser feito ao fortalecimento da Câmara de Comercialização de Energia, com a ampliação de suas formas de atuação para monitorar o mercado e viabilizar a comercialização de energia elétrica.
Principais destaques
Abertura do mercado livre
- A MP apenas antecipa a abertura total do Mercado Livre, o que já era esperado desde a Consulta Pública n° 137/2022, realizada pelo Ministério de Minas e Energia.
- Supridor de Última Instância. Concessionárias de distribuição de energia elétrica podem figurar, com ou sem exclusividade como Supridor de Última Instância – SUI no contexto da abertura total do mercado livre.
- O exercício das atividades do SUI deverá ser regulamentado até 01/02/2026 e seus custos assim como os efeitos financeiros do déficit involuntário serão rateados entre agentes do Ambiente de Contratação Livre – ACL, mediante encargo tarifário correspondente.
- O Poder Concedente poderá flexibilizar o critério de contratação para atendimento, pelos consumidores, à totalidade da carga.
- Sobrecontratação e Exposição Involuntária de Distribuidoras. Efeitos financeiros da sobrecontratação ou exposição financeira de distribuidoras serão rateados entre todos os consumidores de energia (Ambiente de Contratação Regulada – ACR e ACL), mediante encargo tarifário na proporção do consumo de energia elétrica.
- Cronograma da Abertura Total do ACL:
- A partir de 01/08/2026, consumidores industriais e comerciais atendidos em baixa tensão poderão ter acesso ao ACL.
- A partir de 01/12/2027, demais consumidores poderão ter acesso ao ACL.
Autoprodução
- Restrições à autoprodução baseadas em demanda mínima ou participação mínima no capital de sociedades autoprodutoras eram esperadas desde a discussão envolvendo o PL 414, tendo a MP incorporado alguns conceitos, mas também trazido alterações e pontos novos relevantes.
- Demanda Mínima. Demanda mínima para APE por equiparação passa de 3 MW para demanda agregada de 30 MW, observado que as UCs terão que apresentar demanda mínima individual de 3 MW, tal como previsto anteriormente na regulamentação.
- Participação atualizada na ANEEL. O offtaker da estrutura (acionista equiparado a autoprodutor) deverá manter sua identificação e participação atualizada junto à ANEEL, nos termos da regulamentação.
- Participação Mínima do Offtaker no Capital Total. Na hipótese em que a sociedade emita ações sem direito a voto que atribuam direitos econômicos em montante superior àqueles atribuídos pelas ações com direito a voto aos seus respectivos detentores, a participação mínima exigida do grupo econômico de cada acionista, no capital social, direto ou indireto, não poderá ser inferior a 30% do capital social total dessa sociedade.
- Os requisitos de demanda e participação mínimas não se aplicam para offtakers (i) já equiparados a autoprodutores antes da publicação da MP, (ii) que integrem grupo econômico que detenha participação de 100% de sociedades autoprodutoras; ou (iii) que comprovem, perante a Câmara de Comercialização de Energia – CCEE, a autoprodução equiparada no prazo de 60 dias contados da publicação da MP, por meio da apresentação de contrato de compra e venda ou de opção de compra de ações ou quotas devidamente assinado (firma reconhecida em cartório ou certificado digital ICP), sendo que a transferência efetiva das ações ou quotas deverá se dar no prazo máximo de 24 meses contados da celebração dos contratos.
- Uma novidade trazida pela redação final da MP diz respeito aos projetos operacionais: Após prazo de 60 dias contados da publicação da MP, novos arranjos de autoprodução, inclusive por equiparação, somente poderão ser realizados com empreendimentos de geração cuja operação comercial seja iniciada após a data da publicação da MP. O texto não é claro sobre quais modalidades de autoprodução estariam incluídas no dispositivo – arrendamento, arrendamento e consórcio, autoprodução simples.
- A aplicação das restrições mencionadas acima dentro de 60 dias após a publicação da MP deve gerar uma corrida setorial pontual, acelerando projetos de autoprodução (que não atendam aos critérios de demanda e participação mínimas) cuja negociação estava em curso antes da edição da Medida. Já foi possível verificar referido cenário com os diversos pedidos realizados junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômico (CADE) nas últimas semanas para avaliação de atos de concentração envolvendo empresas de energia e offtakers eletrointensivos.
Benefício para fontes incentivadas – descontos sobre TUSD/TUST
- Limitações para o Desconto. Os descontos sobre a TUSD/TUST incidentes sobre o consumo de energia serão aplicados exclusivamente até a data de término do contrato de compra e venda de energia registrado e validado na CCEEe serão limitados aos montantes apresentados à CCEE até 31/12/2025, sendo vedada a incidência destes descontos no consumo: I – após a data de término estipulada em contrato; II – definida por meio de transferência de titularidade do contrato; III – definida por meio de prorrogação de contrato; IV – definida por meio de cláusulas de duração indeterminada; V – em contratos não registrados ou não validados na CCEE; VI – em contratos registrados após 31 de dezembro de 2025; ou VII – em contrato de compra e venda de energia sem definição do montante de energia, ainda que registrado e validado na CCEE (conhecido como registro a “zero”).
- Montantes de energia não poderão ser alterados após 31 de dezembro de 2025 (ainda que sob a forma de registro contra pagamento), sob pena de prejudicar o desconto aplicável à TUSD/TUST.,.
- Desvios deverão ser remunerados com base em encargo extraordinário, a ser revertido à Conta de Desenvolvimento Energético – CDE, conforme regulamento a ser ainda editado pelo Ministério de Minas e Energia.
- Supervisão pela CCEE. CCEE acompanhará possíveis fraudes ou simulações com a finalidade de obter os descontos, cientificando a ANEEL sobre os fatos para fins de aplicação de penalidades.
- Não haverá aplicação do benefício das fontes incentivadas para baixa tensão.
Questões tarifárias e encargos setoriais
- Em linha com a abertura e evolução do mercado livre, as modalidades tarifárias poderão prever tarifas horárias, pré-pagas e multipartes, tarifas distintas por localização, inadimplência ou perdas.
- Gratuidade no consumo mensal de até 80 kwH para famílias beneficiárias da Tarifa Social.
- A partir de 01/01/2026, haverá isenção do pagamento da Conta de Desenvolvimento Energético – CDE no consumo mensal de até 120 kwh para famílias de renda per capita entre meio e um salário mínimo.
- Inclusão dos consumidores livres como adquirentes de energia proveniente de Angra 1 e 2 bem como para rateio dos incentivos à geração distribuída.
- Inclusão dos consumidores livres na base de consumidores que custeiam incentivos à Geração Distribuída via CDE.
CCEE
- Monitoramento. CCEE poderá monitorar os associados e operações de mercado de energia e as providências decorrentes.
- Outras Atividades. A CCEE poderá participar em outros mercados de energia ou prestar outros serviços, incluídas a gestão de garantias de contratos de compra e venda no ambiente de contratação livre, a gestão de registros e a certificação de energia, nos termos do disposto nas legislações e regulações pertinentes.
- Responsabilidade dos Administradores de Agentes Setoriais. Os administradores dos agentes setoriais são diretamente responsáveis, civil e administrativamente, pelos prejuízos resultantes de atos realizados com dolo ou culpa grave e pelos que infringirem normas legais, regulamentares ou estatutárias, sem prejuízo de eventual responsabilidade penal e da responsabilidade subsidiária da pessoa jurídica por eles representada.
- GSF. Montantes financeiros não pagos no âmbito do Mercado de Curto Prazo – MCP decorrentes de ações judiciais associadas ao GSF poderão ser objeto de mecanismo concorrencial centralizado e operacionalizado pela CCEE.