Decisão recente do STF envolvendo o Estado do Pará reforça o entendimento de que a adesão compulsória a microrregiões não viola a autonomia municipal quando os municípios mantêm a maioria dos votos nas instâncias decisórias
O Estado do Pará criou, no fim de 2023, a microrregião voltada à gestão dos serviços de água e esgoto (“MRAE”). A iniciativa, formalizada pela Lei Complementar nº 171/2023, tem por objetivo viabilizar o cumprimento das metas de universalização previstas no novo marco legal do saneamento (Lei nº 14.026/2020).
Com a estrutura definida, o governo estadual lançou em 2024 uma concorrência pública (Edital nº 002/2024) visando a concessão da operação desses serviços. Para tanto, dividiu o território em quatro blocos — de A a D — e passou a licitar cada um deles separadamente.
A proposta, no entanto, gerou reações. A Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (“ASSEMAE”) ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade, (“ADI Nº 7800”) no Supremo Tribunal Federal (“STF”), questionando a legalidade da microrregião criada no Pará. O principal argumento da ADI é de que os municípios foram incluídos de forma compulsória, o que violaria sua autonomia e configuraria uma transferência indevida da titularidade dos serviços. A ADI segue ainda sem decisão.
Em paralelo à ADI, o município de Parauapebas, integrante do bloco D da referida concorrência, ajuizou uma Ação Civil Pública requerendo, fundamentalmente, a sua exclusão da licitação realizada pela MRAE. Os argumentos apresentados repetem, em grande parte, os já levantados pela ASSEMAE.
Em um primeiro momento, o Tribunal de Justiça do Pará chegou a suspender a participação compulsória de Parauapebas na licitação. Essa decisão, no entanto, foi revertida pelo presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, no âmbito do Pedido de Suspensão nº 1077.
O entendimento do Ministro reitera a tese anteriormente fixada pela Suprema Corte de que as microrregiões de saneamento básico se fundam em interesse comum dos municípios que a integram, razão pela qual a inclusão de um município, mesmo que compulsoriamente na MRAE, não viola a sua autonomia. Trata-se de modelo expressamente previsto no art. 25, § 3º, da Constituição Federal, cuja instituição prescinde da anuência dos entes municipais.
Ainda segundo o STF, a criação de microrregiões não fere a autonomia municipal, desde que os municípios mantenham maioria nas instâncias decisórias. Na visão dos ministros, esse modelo permite a coordenação regional dos serviços sem que as prefeituras percam o controle sobre sua execução. Essa premissa ficou bem definida quando do julgamento da ADI nº 6573, que declarou inconstitucional uma lei de Alagoas justamente porque o Estado tinha mais da metade dos votos no colegiado regional. No caso do Pará, porém, o decreto que regulamenta a MRAE (Decreto nº 3.621/2023) garante 60% dos votos aos municípios, enquanto o Estado fica com 40%.