Em 19.04.2023, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) julgou procedentes os embargos de divergência n.º 1.874.222, opostos pelo credor para reconhecer a possibilidade de relativizar a impenhorabilidade da verba de natureza salarial para pagamento de dívida não alimentar, desde que preservado montante suficiente para assegurar a subsistência digna do devedor e de sua família.
No agravo de instrumento de origem, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal havia indeferido a penhora de 30% (trinta por cento) sobre os vencimentos do devedor, sob o fundamento de que o pedido do credor não se enquadrava nas exceções à impenhorabilidade previstas artigo 833, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil.
Isso porque o salário é considerado bem impenhorável e, nos estritos termos do artigo 834, inciso IV, do Código de Processo Civil, essa regra apenas não se aplica quando os vencimentos percebidos pelo devedor são superiores a 50 salários mínimos mensais (§ 2º do referido dispositivo).
O credor interpôs, então, Recurso Especial perante o STJ, cujo provimento foi negado monocraticamente, sob o fundamento de que “a regra geral da impenhorabilidade dos vencimentos apenas é excepcionada quando os valores recebidos pelo executado forem superiores a 50 salários mínimos mensais, ressalvando-se eventuais particularidades do caso concreto”.
Diante do desprovimento do recurso, o credor apontou a existência de divergência entre o posicionamento da Terceira Turma e da Corte Especial do STJ, razão pela qual opôs embargos de divergência.
Em seu voto, o Relator, Ministro João Otávio de Noronha, consigna que a fixação do limite de 50 salários-mínimos mostra-se destoante da realidade brasileira, além de não traduzir o verdadeiro escopo da impenhorabilidade, que é a manutenção de uma reserva digna para o sustento do devedor e de sua família.
De acordo com o voto do Ministro Relator, o Código de Processo Civil trata a impenhorabilidade como relativa, razão pela qual caberá ao julgador, ponderando os princípios da menor onerosidade para o devedor e da efetividade da execução para o credor, conceder a tutela mais adequada para cada caso concreto. No entanto, ressalva que a relativização da impenhorabilidade é de caráter excepcional, e deve ter lugar apenas quando restarem inviabilizados outros meios executivos que garantam a efetividade do processo de execução.
Os demais Ministros que compõem a Corte Especial, por maioria, acompanharam o voto do Relator no sentido de autorizar a relativização da impenhorabilidade da verba de natureza salarial para pagamento de dívida não alimentar, independentemente do valor dos vencimentos mensais do devedor, desde que preservado montante que assegure subsistência digna para si e sua família.
A decisão representa uma mudança de paradigma, que pode repercutir sobre os rumos da recuperação de créditos no Brasil, denotando que passa a ser considerado igualmente relevante o interesse do credor, bem como que o Poder Judiciário está atento aos princípios da efetividade e da celeridade processuais, de modo a atingir o fim precípuo da execução, que é a satisfação do crédito.