Em sessão realizada no dia 17 de abril de 2024, o Tribunal do CADE decidiu pelo arquivamento de processo administrativo que investigava a prática de cartel no mercado de obras públicas de serviços de engenharia e construção para urbanização do Complexo do Alemão, do Complexo de Manguinhos e da Comunidade da Rocinha[1]. Trata-se do primeiro caso de cartel em licitação no contexto da operação Lava-Jato avaliado pela autoridade concorrencial brasileira.
As condutas investigadas teriam ocorrido entre maio de 2007 e fevereiro de 2008, consistindo em combinação de lances, condições e vantagens em licitação pública; divisão de mercado entre concorrentes; apresentação de propostas de cobertura e troca de informações concorrencialmente sensíveis.
Em 08 de fevereiro de 2023, o relator do caso, o ex-Conselheiro Sérgio Ravagnani, emitiu seu voto opinando pelo arquivamento do processo em relação a 8 pessoas físicas, duas delas em razão de insuficiência de provas. Dentre as razões para a conclusão pela insuficiência de provas, estavam: (i) ausência de menções por parte das Compromissárias e Representados; (ii) participação não confirmada por depoimentos das oitivas; (iii) insuficiência de conjunto probatório documental; (iv) funções meramente operacionais; (v) ausência em reuniões organizadas por Signatários.
Por sua vez, na última sessão, o Presidente de Tribunal, Alexandre Cordeiro, emitiu voto-vista (condutor) opinando pelo arquivamento, por insuficiência de provas, em relação a Camter, EIT, Camargo Corrêa e Caenge, destacando, dentre outros fatores: (i) ausência de provas que corroborassem alegações do Acordo de Leniência, com a existência apenas de provas unilaterais, provenientes do próprio acordo; (ii) marcações de reuniões em agenda, sendo desconhecido seu conteúdo, integrantes ou se de fato teria ocorrido; (iii) ausência de evidências de conhecimento do conluio por parte das referidas empresas; (iv) empresa pequena, sem poder decisório; (v) empresa apenas copiada em e-mail, sem que tivesse respondido ou se manifestado em relação ao mesmo; (vi) não participação da empresa nos consórcios envolvidos ou sequer na licitação.
Como resultado, o Tribunal decidiu pelo arquivamento, por insuficiência de provas, do processo administrativo em relação às empresas Camter, EIT, Camargo Corrêa e Caenge, nos termos do voto-vista do Presidente, e em relação a duas pessoas físicas, nos termos do voto-relator.
A decisão reflete novo padrão que vem sendo consolidado pelo Tribunal em julgados mais recentes, o qual analisa com maior rigor a suficiência do conjunto probatório para uma condenação, especialmente quando este provém de um relato de colaborador de Acordo de Leniência ou Termo de Compromisso de Cessação (TCC), seguindo o mesmo racional contido nos precedentes referentes aos cartéis nos mercados de sistemas térmicos automotivos[2] e de hidrômetros[3].
É esperado que esse posicionamento seja replicado em futuros julgamentos pelo Tribunal, influenciando por consequência o padrão de evidência a ser buscado em novas investigações de condutas coletivas pela Superintendência Geral do CADE.
[1] Processo Administrativo nº 08700.007776/2016-41, julgado em 17 de abril de 2024.
[2] Processo Administrativo nº 08700.010323/2012-78, julgado em 15 de março de 2023.
[3] Processo Administrativo nº 08700.009165/2015-56, julgado em 07 de fevereiro de 2024.