Em 16 de maio de 2025, foi apresentado à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.338/2025 (“Projeto”), que busca alterar a legislação cambial para dispor sobre as denominadas “Unidades Bancárias Internacionais” (“UBIs”).
Em resumo, o Projeto busca a criar a base legal para que instituições bancárias brasileiras criem as UBIs como um hub de negócios internacionais que pode operar totalmente em território nacional e se aproveitar de uma série de flexibilidades no plano legal.
A seguir, apresentamos a nossa visão sobre as principais inovações propostas pelo Projeto:
1. Introdução
A competitividade internacional do setor financeiro brasileiro sempre foi impactada por restrições de natureza legal.
Por exemplo, este é o caso da antiga Circular do Banco Central do Brasil nº 24, de 25 de fevereiro de 1966 (“Circular 24”), a qual previa que “é expressamente vedado às instituições financeiras, por qualquer forma, aplicar ou promover a colocação, no exterior, de recursos coletados no país”. Durante sua vigência, uma série de modelos de negócio teve de se adaptar, especialmente no âmbito de operações de financiamento ao comércio exterior. Apesar de interpretações mais flexíveis e de exceções normativas pontuais1, a Circular 24 ainda trazia custos adicionais a uma série de operações (como o financiamento a importadores no exterior de produtos brasileiros).
Assim, diversas instituições brasileiras constituíram subsidiárias, filiais (branches) ou dependências no exterior para conduzir determinados tipos de operações.
Com a reforma promovida pela Lei nº 14.286, de 29 de dezembro de 2021 (“Lei de Câmbio e Capitais Internacionais”) e sua regulamentação, a Circular 24 foi revogada e se pode dizer que o setor financeiro passou a dispor de flexibilidade substancialmente superior.
Contudo, a abertura de conta em moeda estrangeira no Brasil continua restrita a hipóteses taxativas da regulamentação cambial e o pagamento em moeda estrangeira permanece vinculado a determinadas hipóteses legalmente previstas.
É diante desse contexto que o Projeto busca a criação da UBI.
2. Visão Geral da UBI
Inicialmente, o Projeto define a UBI como simplesmente uma “estrutura” e não como uma pessoa jurídica.
Além disso, uma UBI pode ter escritório no Brasil e, portanto, colaboradores contratados e trabalhando localmente. Segundo a justificação do Projeto: “Outro aspecto pretendido é permitir que instituições brasileiras realizem operações financeiras internacionais diretamente do solo brasileiro, desestimulando a abertura de filiais no exterior, com o estímulo de manutenção de suas atividades em solo nacional com a contratação de brasileiros para essas atividades.” (Grifamos)
O Projeto também prevê que o Poder Executivo Federal disciplinará as regras fiscais e contábeis aplicáveis às instituições autorizadas a criar UBIs. Nesse sentido, criar uma UBI também envolverá a segregação de atividades de tesouraria, de atendimento ao cliente, de apuração contábil e de registros e cumprimento de obrigações fiscais.
3. Instituições Elegíveis
Segundo o Projeto, as UBIs somente poderão ser criadas por:
- instituições bancárias autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil; e
- que se caracterizam como sistemicamente relevantes, cuja definição compreende:
- porte maior ou igual a 10% do Produto Interno Bruto do Brasil (PIB); ou
- que desempenhe atividade internacional relevante que exija cumprimento integral da regulação prudencial, observada a regulamentação do Conselho Monetário Nacional (“CMN”)2.
4. Atividades Permitidas
No Projeto, a captação de recursos está dispensada de recolhimento compulsório e de contribuição ao Fundo Garantidor de Créditos (FGC). Aliás, a UBI poderá inclusive captar recursos em moeda estrangeria mediante a abertura de conta no Brasil para seus clientes.
Suas operações ativas são definidas de forma ampla pelo Projeto e dependerão de detalhamento em normativo do CMN. De toda forma, são citados os exemplos de empréstimos, financiamentos e garantias, inclusive no caso de empresas sediadas no Brasil que desejem realizar operações financeiras internacionais.
O escritório local de uma UBI também poderá liderar o relacionamento interbancário internacional e celebrar parcerias com bancos internacionais e multilaterais para captar recursos e atrair investimentos, conforme venha a ser regulamentado pelo CMN.
Separadamente, o Projeto inova ao trazer expressamente a faculdade de uso de ativos virtuais para operações de câmbio e quaisquer outras operações financeiras no âmbito das UBIs.
Dado o amplo rol de atividades permitidas, cabe avaliar se ainda haverá razões para que as instituições elegíveis mantenham suas atuais dependências no exterior no caso de aprovação do Projeto e sua publicação como lei.
5. Compliance
O Projeto exige também que o CMN regulamente, no que tange às UBIs, a aplicação da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998 (que dispõe sobre o crime de lavagem de dinheiro, entre outros temas), e a Lei nº 13.506, de 13 de novembro de 2017 (que dispõe sobre processo administrativo sancionador do Banco Central do Brasil, entre outros temas).
A lógica é impedir que as UBIs se tornem pontos de fragilidade dentro dos conglomerados sob o ponto de vista de conformidade com a legislação e a regulamentação.
6. Aspectos Fiscais
Por fim, o Projeto propõe uma isenção de imposto de renda e de IOF no caso de operações financeiras para não residentes que sejam realizadas em UBIs, incentivando o uso de tais estruturas no financiamento a investidores estrangeiros.
7. Tramitação Legislativa
O Projeto de Lei nº 2.338/2025, ainda está em tramitação no Congresso Nacional, com previsão de análise tanto pela Câmara dos Deputados quanto pelo Senado Federal. Nesse contexto, a proposta pode ser aprimorada por meio de interações técnicas com o Legislativo e da produção de subsídios jurídicos qualificados.
Nosso time de Relações Governamentais acompanha de perto os desdobramentos legislativos, com mapeamento de riscos e oportunidades regulatórias relevantes. Atuamos na análise crítica do texto e na construção de contribuições técnicas, sempre alinhadas aos interesses institucionais e ao ambiente regulatório do setor financeiro.
Nossos times estão à disposição para esclarecimentos e orientações a respeito dos pontos destacados neste Informa.
1. Por exemplo, a exceção então prevista no art. 2º da Resolução do CMN nº 4.033, de 30 de novembro de 2011 (atualmente revogada): “Art. 2º Os bancos autorizados a operar no mercado de câmbio com Patrimônio de Referência (PR) superior a R$5.000.000.000,00 (cinco bilhões de reais) podem utilizar recursos captados no mercado externo para conceder crédito, no exterior, para empresas brasileiras, subsidiárias de empresas brasileiras e empresas estrangeiras cujo acionista com maior capital votante seja, direta ou indiretamente, pessoa física ou jurídica domiciliada no Brasil, bem como adquirir, no mercado primário, títulos de emissão ou de responsabilidade das referidas empresas.”
2. A definição de sistemicamente relevante se amolda à adotada para o Segmento 1 (S1) nos termos da Resolução CMN nº 4.533, de 30 de janeiro de 2017 (que trata da segmentação prudencial).