Reforma do Setor Elétrico: Aprovação da MP n° 1.304 no Congresso Nacional

O Senado aprovou, no dia 30/10, o texto referente à Medida Provisória n° 1.304/2025, que estabelece novas regras para o setor elétrico. O texto, aprovado na forma de um projeto de lei de conversão, segue para a sanção presidencial. Abaixo relacionamos os principais pontos abordados na proposta.

1. Autoprodução de Energia

1.1.Conceito

  • Considera-se autoprodutor o consumidor titular de outorga de empreendimento de geração para produzir energia elétrica por conta e risco próprios.

1.2. Equiparação a Autoprodutor

Podem ser equiparados os consumidores que:

  • Possuam demanda contratada agregada igual ou superior a 30 MW, composta por unidades de consumo com demanda individual igual ou superior a 3 MW; e
  • Atendam a um dos seguintes critérios:
    • Participação societária direta ou indireta, com direito a voto, na sociedade titular da outorga; ou
    • Estar sob controle societário comum, direto ou indireto, ou ser controlador, controlado ou coligado da geradora da sociedade empresarial titular da outorga.

1.3. Limites e Condições

  • A equiparação é limitada à parcela da energia destinada ao consumo próprio do consumidor ou à sua participação societária proporcional – prevalece o menor valor.
  • Caso a sociedade titular da outorga emita ações sem direito a voto que concedam direitos econômicos superiores aos das ações com direito a voto, cada grupo econômico de acionistas deverá manter participação mínima, direta ou indireta, de 30% do capital social total, ponderada pela proporção das ações com direito a voto detidas pelo grupo
  • A identificação da participação societária do consumidor equiparado deve ser mantida atualizada junto à ANEEL.

1.4. Direitos Adquiridos e Transição

Mantêm-se os direitos adquiridos e os efeitos dos atos jurídicos celebrados sob a vigência do art. 26 da Lei nº 11.488/2007, até o término das respectivas outorgas de geração. Nesse contexto, estão dispensados dos novos limites de demanda e participação mínima os consumidores que:

  1. Já tenham sido equiparados à autoprodução e registrados na CCEE, antes da publicação da MP;
  2. Pertencem a um grupo econômico com 100% de participação na empresa titular da outorga; ou
  3. No prazo de três meses da publicação da MP, apresentem à CCEE:
    • Contrato de compra e venda de ações ou quotas; ou
    • Contrato de opção de compra de ações ou quotas, ambos com firma reconhecida ou assinatura digital ICP-Brasil.

A transferência de participações societárias decorrente dessas operações deve ser concluída em até 36 meses, contados a partir da celebração dos referidos contratos, mediante:

Alteração do contrato social registrada em junta comercial e a comprovação de participação no grupo econômico; ou

Averbação no livro de transferência de ações e a comprovação de participação no grupo econômico.

1.5. Outras Restrições

Novos arranjos de autoprodução, inclusive por equiparação, somente poderão ser realizados com empreendimentos cuja operação comercial se inicie após a publicação da MP, exceto para usinas que já integrem estrutura de autoprodução anterior.

2. Abertura do Mercado Livre de Energia

2.1. Objetivo

Ampliar o acesso de consumidores à livre escolha de fornecedor de energia elétrica, incluindo os atendidos em baixa tensão, de forma gradual, segura e regulada.

2.2. Regras Gerais

Conforme alterações no art. 15 da Lei nº 9.074/1995, introduzidas pela MP 1304/2025:

  • O consumidor que optar pela migração ao ACL deverá garantir o atendimento à totalidade de sua carga mediante contratação com um ou mais fornecedores, sob pena de penalidades.
  • O Poder Concedente poderá flexibilizar o critério de contratação total da carga por meio de regulamento.
  • A antecedência mínima de comunicação para migração, atualmente de 5 anos, poderá ser reduzida por ato do Poder Concedente.

2.3. Cronograma de Migração para Consumidores de Baixa Tensão (§17 do art. 15 da Lei nº 9.074/1995)

Categoria de ConsumidorPrazo para abertura após a entrada em vigor da MP
Consumidores industriais e comerciais atendidos em tensão inferior a 2,3 kVAté 24 meses
Demais consumidores de baixa tensão (residenciais, rurais, serviços públicos etc.)Até 36 meses

2.4. Condições Prévias para a Abertura

Antes da efetiva abertura para os consumidores de baixa tensão, deverão ser cumpridos os seguintes requisitos:

  1. Elaboração de plano de comunicação para conscientização dos consumidores sobre a migração para o Ambiente de Contratação Livre (“ACL”);
  2. Definição das tarifas aplicáveis aos consumidores dos Ambientes de Contratação Regulada (“ACR”) e Livre (ACL), com segregação de custos das distribuidoras;
  3. Regulamentação do Suprimento de Última Instância (SUI), incluindo:
    • Definição do responsável pela prestação do serviço;
    • Indicação dos consumidores elegíveis;
    • Hipóteses em que o suprimento será obrigatório;
    • Prazo máximo desse suprimento;
    • Eventual utilização temporária de energia de reserva para essa forma de suprimento;
    • Eventual dispensa de lastro para contratação;
    • Forma de cálculo e alocação de custos.
  4. Criação de produto padrão e preço de referência, com o objetivo de facilitar a comparação entre ofertas e promover transparência;
  5. Regulamentação dos encargos de sobrecontratação ou de exposição involuntária das distribuidoras de que trata o art. 15-D da Lei nº 9.074/1995.

3. Supridor de Última Instância (SUI)

  • Autorizado e fiscalizado pela ANEEL.
  • Pode ser exercido por distribuidoras, com ou sem exclusividade.
  • Remuneração por tarifa específica fixada pela ANEEL.
  • Custos rateados entre consumidores do ACL via encargo tarifário específico;
  • Os efeitos financeiros da sobrecontratação ou da exposição involuntária das concessionárias de distribuição serão rateados entre todos os consumidores do ACR e ACL, mediante encargo tarifário na proporção do consumo de energia.

4. Descontos nas Tarifas de Uso da Rede de Transmissão e Distribuição (TUST/TUSD)

4.1. Aplicação dos descontos:

Os percentuais de redução não inferior a 50% a ser aplicado às tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão e de distribuição aplicam-se desde a emissão das outorgas de geração solicitadas até 02/03/2022 (nos termos do § 1º-C) inclusive para aquelas emitidas a partir da MP nº 998/2020.

4.2. Perda do benefício:

O desconto deixa de ser aplicado se o empreendimento não iniciar a operação em teste de todas as unidades geradoras em até 48 meses após a data da outorga.

4.3. Revogação sem penalidades:

Outorgas com prorrogação de 36 meses para atendimento de condicionantes poderão ser revogadas pela ANEEL, a pedido do empreendedor, sem penalidades, desde que:

  • o pedido seja feito em até 30 dias da publicação do dispositivo; e
  • o CUST/D não tenha sido assinado.

4.4. Execução de garantia:

A Garantia de Fiel Cumprimento poderá ser executada caso a outorga seja revogada nos termos acima.

4.5. Flexibilização do início do CUST:

Empreendimentos com CUST assinado e energia não comercializada no ambiente regulado poderão ajustar, sem ônus, o início de execução do CUST, respeitando o novo prazo de entrada em operação definido na outorga prorrogada.

4.6. Apresentação de garantia prévia:

Nos casos em que o CUST foi firmado sem Garantia Prévia (GPC), a postergação mencionada acima só será possível mediante apresentação da garantia, conforme a regulação aplicável.

4.7. Vedação de aplicação de descontos:

A redução nas tarifas não se aplica à parcela consumo dos consumidores que:

  • exercerem as opções de migração para o mercado livre previstas nas Leis nº 9.427/1996 e nº 9.074/1995; ou
  • solicitarem ampliação do uso dos sistemas de transmissão ou distribuição após a vigência do dispositivo — mantendo-se o desconto apenas sobre o montante já contratado anteriormente.

5. Armazenamento de Energia

  • Sistemas de armazenamento localizados na Rede Básica deverão ser licitados.
  • Define como atividade regulada pela ANEEL, podendo ser autônoma ou integrada à geração, transmissão ou distribuição.
  • A regulamentação da atividade de armazenamento de energia elétrica poderá envolver a operação de forma autônoma ou integrada à outorga de agentes de geração, comercialização, transmissão e distribuição de energia elétrica e a prestação de múltiplos serviços ao sistema elétrico
  • Custos decorrentes de contratação de sistemas de armazenamento de energia serão rateados apenas entre geradores, conforme regulamentação da ANEEL
  • Cria incentivo a baterias, nos termos de regulamentação a ser definida — REIDI e redução de alíquotas de imposto sobre importação

6. Competências da ANEEL

  • Amplia atribuições da agência para incluir regulação de comercialização de energia e armazenamento, que, neste último caso, com a atribuição também de fiscalizar e estabelecer as regras de remuneração e de acesso para a implantação e operação dos sistemas de armazenamento de energia elétrica que estejam conectados ao Sistema Interligado Nacional – SIN ou aos Sistemas Isolados
  • Permite instalação de unidades administrativas regionais.
  • Autoriza fixação de multas administrativas de até 3% do faturamento ou valor estimado da energia, diferentemente do limite de 2% aplicado atualmente.

7. Competências, Responsabilidades e Atividades da CCEE

  • Monitoramento do mercado: Compete à CCEE monitorar seus associados e as operações realizadas no mercado de energia elétrica, adotando as providências cabíveis conforme os procedimentos aprovados pela ANEEL.
  • Responsabilidade de gestores contratados: A pessoa física ou jurídica contratada pela CCEE para exercer funções de gestão ou supervisão do monitoramento responde civil e administrativamente por prejuízos decorrentes de atos praticados com dolo ou culpa grave que violem normas legais, regulamentares ou estatutárias, sem prejuízo da responsabilidade penal e da responsabilidade subsidiária da CCEE.
  • Responsabilidade de administradores dos agentes setoriais: Os administradores dos agentes do setor elétrico também respondem civil e administrativamente por danos causados por dolo, culpa grave ou infração a normas legais, regulamentares ou estatutárias, além de eventual responsabilidade penal e da responsabilidade subsidiária da pessoa jurídica que representam.
  • Atuação em outros mercados e serviços: A CCEE poderá participar de outros mercados de energia ou prestar serviços adicionais, incluindo:
    • gestão de garantias de contratos de compra e venda no ambiente de contratação livre;
    • gestão de registros; e
    • certificação de energia, desde que observadas as legislações e regulações aplicáveis.
  • Separação de atividades: Nessa atuação ampliada, a CCEE deverá manter separação administrativa, financeira e contábil entre as atividades de comercialização de energia elétrica e aquelas relacionadas à participação em outros mercados.

8. Compensação por Corte de Geração

8.1. Indisponibilidade:

A indisponibilidade externa, referente a eventos motivados por indisponibilidades em instalações de transmissão externas às respectivas usinas ou conjuntos de usinas está incluída no pagamento de encargo para cobertura dos custos dos serviços do sistema.

8.2. Vedações:

  1. Fica vedada a inclusão, no encargo previsto acima, dos custos relacionados a restrições operativas impostas aos geradores de energia elétrica em razão de necessidades sistêmicas do sistema elétrico.
  2. Restrições associadas à confiabilidade da operação: Não poderão ser cobertos pelo encargo os custos decorrentes de limitações operacionais impostas para garantir a confiabilidade elétrica do sistema, quando:
    • os documentos de acesso do gerador já indicarem possibilidade de restrições operativas; ou
    • o gerador estiver operando em desconformidade com os requisitos técnicos mínimos de conexão ao sistema de transmissão.
  3. Restrições associadas à sobreoferta de energia: Também não serão cobertos os custos decorrentes de eventos de sobreoferta de energia elétrica, nos casos em que houver impossibilidade de alocação da geração à carga

8.3. Ressarcimento:

  • Ressarcimento pelos cortes de geração será via Encargos de Serviço do Sistema (ESS).
  • Estabelece compensação a usinas eólicas e solares por cortes externos de geração mediante termo de compromisso firmado com o Poder Concedente desde setembro de 2023 e até a entrada em vigor dessa lei.
  • Cálculo retroativo pelo ONS e liquidação pela CCEE em um prazo de 90 dias, contado da data de publicação desta lei, condicionado à renúncia de ações judiciais sobre o tema em um prazo de 60 dias, contado da data de publicação desta lei

9. Condições para Prorrogação das Outorgas de Empreendimentos de Geração

9.1. Prorrogação:

  • O poder concedente poderá prorrogar as outorgas de empreendimentos  hidrelétricos com capacidade instalada superior a 50 MW e outorgados antes de 11 de dezembro de 2003, desde que observadas as condições estabelecidas neste artigo.
  • Condições obrigatórias para prorrogação:
    1. Pagamento à CDE: contribuição correspondente a 50% do valor estimado da concessão à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), conforme a Lei nº 10.438/2002 e metodologia definida em ato do Poder Executivo e considerando o valor dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou não depreciados
    2. Pagamento pela outorga: valor adicional de 50% do valor estimado da concessão;
    3. Adoção do regime de produção independente, conforme a Lei nº 9.074/1995, incluindo regras de extinção da outorga, encampação e indenização;
    4. Assunção integral do risco hidrológico pelo concessionário, sendo vedada nova repactuação nos termos da Lei nº 13.203/2015;
    5. Recálculo da garantia física com validade a partir da prorrogação, sem limite de variação em relação à anterior, sujeita a revisões periódicas;
    6. Prazo máximo da prorrogação: até 30 anos.

9.2. Comercialização de energia:

  • O titular da outorga prorrogada terá garantido o direito de vender energia tanto no Ambiente de Contratação Regulada (ACR) quanto no Ambiente de Contratação Livre (ACL), conforme a Lei nº 10.848/2004.
  • O Poder Executivo poderá exigir percentual mínimo de energia elétrica a ser destinada ao ambiente de contratação regulada para as concessões prorrogadas na forma deste artigo

10. Procedimento Concorrencial de acesso ao sistema de transmissão e distribuição

10.1. Regulação pela ANEEL:

Caberá à ANEEL definir as tarifas e as regras gerais para contratação do acesso e uso dos sistemas de transmissão e distribuição de energia elétrica por todos os agentes do setor.

10.2. Procedimento concorrencial:

O acesso e uso dos sistemas de transmissão e distribuição poderão ser definidos por meio de procedimentos concorrenciais, conforme regulamento da ANEEL.

11. Enquadramento de Centrais Geradoras como Micro ou Minigeração Distribuída

11.1. Definição:

Centrais geradoras que atendam às condições do art. 1º e que: (i) já possuam registro, concessão, permissão ou autorização no ACL ou ACR; (ii) já tenham entrado em operação comercial em qualquer desses ambientes; ou (iii) tenham sua energia contabilizada na CCEE ou comprometida com distribuidora no ACR; poderão solicitar, a qualquer tempo, o enquadramento como microgeração ou minigeração distribuída.

11.2. Condições:

  • Para tanto, devem ser atendidas as seguintes condições:
    • Conexão ao sistema de distribuição de energia elétrica;
    • Manutenção da propriedade das instalações elétricas privativas pelos próprios titulares, sem incorporação pela distribuidora;
    • No momento do enquadramento é necessário observar que as unidades consumidoras com micro ou minigeração distribuída devem ser faturadas pelas componentes tarifárias que não correspondem ao custo da energia, aplicadas sobre o consumo e o uso da rede, descontando-se os benefícios que essas centrais geram ao sistema elétrico – conforme art. 17, §1º, da Lei 14300/2022.

12. Pesquisa e Desenvolvimento

12.1. Investimentos obrigatórios pelos agentes de comercialização:

  • Devem aplicar, anualmente:
    • 0,5% da receita operacional líquida em pesquisa e desenvolvimento (P&D) do setor elétrico; e
    • 0,5% da receita operacional líquida em programas de eficiência energética no uso final.

12.2. Limitação da isenção:

A isenção prevista no art. 2º (da obrigação de aplicar anualmente 1% de sua receita operacional líquida em P&D) não se aplica a usinas eólicas e solares fotovoltaicas que solicitarem outorga a partir de 1º de janeiro de 2026.

13. Conta de Desenvolvimento Energético (CDE)

  • Prover recursos para compensar os benefícios tarifários associados ao sistema de compensação de energia da microgeração e minigeração distribuída de que trata a Lei nº 14.300, de 6 de janeiro de 2022
  • Introduz Encargo Complementar de Recursos para cobrir diferenças de orçamento.
  • Reduz encargo tarifário para grandes consumidores a partir de 1º de janeiro de 2026:
    • ≥ 69 kV → pagam 50% daquele pago pelos consumidores atendidos em nível de tensão inferior a 2,3 kV
    • 2,3–69 kV → pagam 80% daquele pago pelos consumidores atendidos em nível de tensão inferior a 2,3 kV.

Este boletim apresenta um resumo de alterações legislativas ou decisões judiciais e administrativas no Brasil. Destina-se aos clientes e integrantes do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. Este boletim não tem por objetivo prover aconselhamento legal sobre as matérias aqui tratadas e não deve ser interpretado como tal.

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