Nova proposta da CVM amplia alcance do crowdfunding de investimentos

A CVM divulgou, em 24 de setembro de 2025, o Edital de Consulta Pública com proposta de reforma da Resolução CVM nº 88, que regula ofertas públicas de valores mobiliários via crowdfunding de investimento em plataformas eletrônicas.

A proposta reconhece o uso crescente do crowdfunding em operações de securitização (após os Ofícios-Circulares SSE nº 04/2023 e nº 06/2023) e a inserção do agronegócio no mercado de capitais.

Os principais eixos incluem: (i) ampliação dos emissores elegíveis (securitizadoras, cooperativas agropecuárias e produtores rurais); (ii) eliminação do limite de faturamento para emissores não registrados, com atualização dos limites de captação e investimento; (iii) reformulação do regime informacional com anexos específicos; (iv) autorização para distribuição por intermediários tradicionais; (v) aperfeiçoamento da liquidez no mercado secundário; e (vi) fortalecimento do sindicato de investimento participativo.

A medida complementa o arcabouço regulatório brasileiro, oferecendo dois regimes: crowdfunding para emissores não registrados (com regimes informacionais simplificados e restrições à negociação) e regime FÁCIL para companhias abertas (com limites superiores e negociação em mercados organizados).

A seguir, estão resumidos os principais pontos abordados no Edital.

I. Emissores Elegíveis

A Resolução CVM nº 88 restringia ofertas via crowdfunding a sociedades empresárias de pequeno porte (receita até R$40 milhões). O Edital substitui esse conceito pelo termo mais amplo “emissor”.

Passam a ser admitidos: sociedades empresárias não registradas, companhias securitizadoras registradas, produtores rurais pessoas físicas e cooperativas agropecuárias, cada categoria com requisitos específicos.

A mudança elimina o teto de faturamento, focando no tamanho da oferta (até R$25 milhões, ou R$50 milhões para securitização) e nos limites de investimento, alinhando-se a modelos internacionais.

II. Sociedade empresária não registrada

Elimina-se o limite de receita bruta anual de R$40 milhões por emissor (e R$80 milhões por grupo econômico).

O foco regulatório passa aos limites de captação e investimento, ampliando o universo de empresas elegíveis, incluindo negócios estabelecidos e operações de securitização.

III. Companhia securitizadora registrada na CVM

Companhias securitizadoras registradas na CVM poderão realizar ofertas via crowdfunding por meio de patrimônio separado, consolidando entendimento dos Ofícios-Circulares SSE nº 4/2023 e nº 6/2023.

Entretanto, a permissão seria concedida apenas a securitizadoras registradas na CVM (registro nos termos da Resolução CVM nº 60). As securitizadoras que tiverem realizado ao menos uma emissão anterior à vigência da nova norma terão 120 dias contados da publicação da norma para solicitar o seu registro nos termos da Resolução CVM nº 60, seguindo procedimentos descritos no Anexo I abaixo.

Ofertas de securitização terão limite de R$ 50 milhões por patrimônio separado, mantendo-se obrigatória a presença de agente fiduciário nas operações (na linha do que foi esclarecido no Ofício Circular nº 6/2025/CVM/SSE).

IV. Emissores do agronegócio

Incluem-se produtores rurais pessoa natural e cooperativas agropecuárias, ampliando o acesso do agronegócio ao mercado de capitais.

  •  Produtor rural pessoa natural

Elegibilidade restrita a produtores obrigados à escrituração e à entrega do Livro Caixa do Produtor Rural à Receita Federal, nos termos da Instrução Normativa SRF nº 83/2001. Atualmente, essa exigência alcança produtores cuja receita bruta anual da atividade rural supere R$ 4.800.000,00, parâmetro que sinaliza porte econômico e grau de formalização compatíveis com a emissão de valores mobiliários em crowdfunding.

Instrumentos limitados à CPR-F com garantias reais ou fidejussórias, detida diretamente pelos investidores. Exige-se, ainda, que a CPR-F seja detida diretamente pelos investidores, vedada a utilização de veículos interpostos.

Produtores devem atender requisitos de integridade, reputação e ausência de inadimplementos aplicáveis aos administradores da plataforma, estando sujeitos à diligência reforçada da plataforma quanto ao histórico de produção, capacidade financeira e regularidade do imóvel.

  • Cooperativas agropecuárias

Cooperativas agropecuárias são admitidas como emissoras, contando com estrutura de governança disciplinada pela Lei nº 5.764/1971, personalidade jurídica e patrimônio segregado.

Obrigatória a manutenção de livros fiscais e contábeis segundo normas da Receita Federal, reforçando a confiabilidade das informações.

Valores mobiliários elegíveis: CPR-F, CDCA e nota comercial, exigida titularidade direta pelos investidores para CPR-F e CDCA.

V. Limites e condições de captação, operacionalização das ofertas e obrigações

  • Limites de captação

Atualização dos limites de captação diferenciados por tipo de emissor, calibrando o regime para perfis específicos de risco e preservando complementaridade com o regime FÁCIL.

Sociedades empresárias não registradas

O limite passa de R$ 15 milhões para R$ 25 milhões por oferta (180 dias), refletindo a retirada do teto de faturamento e a participação de intermediários tradicionais.

Companhias securitizadoras

Securitizadoras: até R$ 50 milhões por patrimônio separado, justificado pelo menor risco de operações estruturadas, regime regulatório diferenciado e dados empíricos do mercado.

Produtores rurais pessoa natural

Produtores rurais: R$2,5 milhões por safra, refletindo perfil de risco elevado compensado por salvaguardas adicionais.

Salvaguardas: proibição de múltiplas ofertas por safra, vedação de CPR-F com mais de duas safras consecutivas e exigência de garantias reais ou fidejussórias.

Cooperativas agropecuárias

Cooperativas: R$ 25 milhões por oferta (180 dias), equiparadas às sociedades empresárias.

Equiparação justificada pelo maior nível de governança, livros contábeis obrigatórios, patrimônio segregado e órgãos formalizados.

  •  Adaptação das ofertas no âmbito de operações de securitização

Ajustes para acomodar particularidades das ofertas de securitização:

  1. Valor mínimo de captação – diferentemente das sociedades empresárias, em que o mínimo corresponde a 2/3 do valor-alvo máximo, as ofertas de securitização terão o valor mínimo definido no termo de securitização, compatível com a estrutura econômico-financeira da operação e com seus custos diretamente relacionados.
  2. Demonstrações financeiras auditadas – a exigência passa a recair apenas sobre a companhia securitizadora antes da constituição do patrimônio em separado. Após sua constituição, aplica-se o regime da Resolução CVM nº 60, que requer demonstrações auditadas tanto da securitizadora quanto do patrimônio em separado, eliminando a incoerência da regra anterior.
  3. Regra de lock-up – a vedação de novas ofertas em prazo inferior a 120 dias deixa de se aplicar às operações de securitização, já que cada patrimônio em separado corresponde, em regra, a lastros e riscos distintos. A restrição, entretanto, é mantida quando os direitos creditórios estiverem associados preponderantemente a um único devedor ou a devedores sob controle comum, preservando o espírito da norma e evitando fracionamento artificial.
  4. Transferência de recursos – autoriza-se que os valores captados sejam transferidos diretamente para conta corrente de titularidade do patrimônio em separado, reforçando a segregação patrimonial e mitigando riscos de confusão de recursos.

  • Aspectos operacionais relacionados ao regime de oferta

Vedação genérica de utilização de recursos captados

A Resolução CVM nº 88 vedava destinação de recursos à aquisição de participações minoritárias ou concessão de crédito a terceiros.

A Minuta A substitui por cláusula principiológica que proíbe constituição de portfólio de participações societárias, salvo quando vinculadas à atividade operacional.

Valor mínimo de oferta e lote adicional

Flexibilização do valor mínimo de captação de 2/3 para 50% do valor-alvo, reduzindo riscos de frustração.

Ampliação do lote adicional para até 100% em ofertas de participação societária, restrita ao equity devido à natureza distinta dos demais instrumentos.

Demonstrações financeiras auditadas

Auditoria obrigatória quando a captação superar R$ 10 milhões ou a receita bruta anual ultrapassar R$ 30 milhões.

Limites de investimento por investidor de varejo e recomposição do capital

Mantêm-se os patamares da Resolução CVM nº 88, mas o limite passa a ser controlado por plataforma (e não mais por todos os investimentos de crowdfunding de um mesmo investidor), simplificando o controle e operacionalização da regra.

Introduz-se possibilidade de reinvestimento dos valores resgatados no mesmo ano-calendário sem computar no limite anual, permitindo maior dinamismo.

Período de desistência

Prazo de desistência reduzido de cinco para dois dias úteis, refletindo maior maturidade do mercado.

  • Divulgação de emissores inadimplentes

Aprimoramento do regime de divulgação para abranger inadimplência financeira além da informacional, com impedimento de novas ofertas e inclusão em lista pública.

Inadimplência deve ser destacada na página da oferta, assegurando transparência para avaliação de riscos.

VI. Regime informacional

  • Adaptação do regime informacional das ofertas

Substituição do regime simplificado único por estrutura modular com anexos específicos por tipo de emissor:

  1. Sociedades empresárias: mantêm, no Anexo C, o mesmo conjunto de informações já exigidas das sociedades de pequeno porte na atual redação da Resolução CVM nº 88;
  2. Companhias securitizadoras: o Anexo D reúne informações sobre a securitizadora, os títulos de securitização e os fatores de risco (como risco de crédito do devedor e concentração);
  3. Produtores rurais pessoa natural: o Anexo E exige informações adicionais, como geolocalização da propriedade, índice de endividamento, receita das duas últimas safras e riscos climáticos e de produção; e
  4. Cooperativas agropecuárias: o Anexo F consolida dados sobre setor de atuação, número de cooperados, localização predominante da produção e governança, além das características do título ofertado (CPR-F, CDCA ou nota comercial).

Diferenciação busca reforçar proporcionalidade regulatória, assegurando informações relevantes por segmento.

  • Anexo de desempenho das ofertas intermediadas

Anexo J para divulgação do desempenho histórico das ofertas, permitindo avaliação da qualidade dos intermediários:

  1. Títulos de dívida e securitização: exigência de informações sobre ofertas realizadas nos últimos cinco anos, com métrica de adimplemento.
  2. Títulos de participação societária e dívida conversível: horizonte de sete anos, com dados sobre eventos de liquidez, rentabilidade e comparação com o CDI.

Anexo disponibilizado em destaque nos sites, estimulando transparência e concorrência.

  • Flexibilização do material publicitário

Flexibilização do material publicitário, permitindo incluir percentual de captação e, para dívida/securitização/CPR-F, remuneração e prazo.

Medida amplia utilidade prática das informações, reduzindo assimetrias e reforçando clareza.

VII. Acesso às ofertas, negociação subsequente e liquidez

  • Distribuição por conta e ordem

Permite distribuição por conta e ordem por instituições tradicionais, ampliando capilaridade e superando barreiras do duplo cadastramento.

Requisitos: autorização do emissor, distribuidor assume obrigações equivalentes à plataforma, contrato escrito e integração sistêmica para intercâmbio automático de informações.

Preserva-se proteção ao investidor e fortalece-se complementaridade entre crowdfunding e sistema tradicional.

  • Ambiente de transações subsequentes

Aprimoramento em dois pontos:

  1. Revisão do conceito de investidor ativo: elimina-se a exigência de histórico de investimento em ofertas anteriores, bastando o cadastro atualizado do investidor na plataforma ou no distribuidor por conta e ordem. A medida simplifica o acesso e amplia a base potencial de participantes.
  2. Recompra pelo emissor: passa a ser admitida, desde que prevista na oferta, realizada de forma equitativa entre investidores e precedida de comunicação específica. A metodologia de precificação deve ser objetiva, transparente e previamente divulgada, sendo vedada a recompra em situações de informação relevante não divulgada.
  • Diversificação de investimentos por meio do sindicato de investimento participativo

Fortalecimento do sindicato permitindo comprometimento prévio de recursos em torno de tese de investimento para múltiplas ofertas futuras, estimulando diversificação.

Líder deve ter registro ativo como gestor na CVM. Tese com requisitos formais, prazo de 180 dias para captação e 18 meses para alocação.

Ofertas seguem procedimentos da Resolução CVM nº 88, admitindo adesão de outros investidores, com contrato prevendo direitos e deveres.

Preserva-se vedação de múltiplos investimentos por veículo, harmonizando com novo marco de fundos.

VIII. Uso de tecnologia de registro distribuído (DLT)

Reconhecimento do uso de tokens DLT em ofertas de crowdfunding, especialmente securitização, mantendo sujeição integral ao regime de valores mobiliários (Parecer CVM nº 40/2022).

Visão agnóstica: uso de DLT não altera obrigações regulatórias nem responsabilidades das plataformas. CVM convida comentários sobre fatores de risco tecnológicos.

1. Definir a categoria do registro:

(i) S1, permite emitir títulos somente com regime fiduciário; e

(ii) S2, permite emitir com ou sem regime fiduciário.

2. Assegurar a governança mínima antes do protocolo:

(i) Nomear 2 diretores estatutários: (a) um responsável pelas atividades de securitização; e (b) um responsável pelo cumprimento das regras, políticas, procedimentos e controles internos.

(ii) Se a companhia for distribuir títulos próprios, nomear também diretor responsável pela distribuição.

3. Organizar os documentos previstos no Suplemento B, da Resolução CVM 60/2021

(i) Para S1 (todos obrigatórios):

a) Requerimento assinado pelo diretor de securitização indicando a categoria pretendida;

b) Atos constitutivos atualizados, com previsão da atividade e indicação dos diretores do art. 5º, da Resolução CVM 60/2021;

c) Informações cadastrais (conforme norma de cadastro de participantes);

d) Formulário de Referência (Suplemento C), atualizado até o último dia útil do mês anterior ao protocolo (justificar dados faltantes);

e) Ata da Assembleia Geral que aprovou o pedido de registro;

f) Ata do Conselho de Administração/Assembleia Geral que designou os diretores do art. 5º, da Resolução CVM 60/2021;

g) Estatuto consolidado + comprovação de aprovações societárias e, se aplicável, homologação do regulador setorial;

h) Demonstrações Financeiras auditadas dos 2 últimos exercícios; e

i) Demonstrações Financeiras auditadas, especialmente elaboradas para o pedido, em data posterior.

(ii) Para S2 (tudo de S1 +):

a) Atas de todas as Assembleias Gerais dos últimos 12 meses ou equivalentes;

b) Cópias de acordos de acionistas/pactos arquivados;

c) Política de divulgação de informações e de negociação de valores mobiliários pela administração/funcionários;

d) Declarações sobre valores mobiliários da companhia detidos por administradores, conselheiros, membros de órgãos técnicos/consultivos.

4. Encaminhar o pedido à Superintendência de Supervisão de Securitização (SSE), indicando se será S1 ou S2 e anexando os documentos do Suplemento B.

5. Prazos oficiais de análise (contagem e suspensões)

(i) Checagem inicial: SSE tem 10 dias para apontar falta de documentos do Suplemento B.

(ii) Análise de mérito: SSE tem 60 dias após dossiê completo. Pode suspender para exigências (requerente tem 20 dias, prorrogável por 10). Fato novo permite nova suspensão (resposta em 10 dias). Perda de prazo resulta em indeferimento automático. Silêncio da SSE.

Este boletim apresenta um resumo de alterações legislativas ou decisões judiciais e administrativas no Brasil. Destina-se aos clientes e integrantes do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. Este boletim não tem por objetivo prover aconselhamento legal sobre as matérias aqui tratadas e não deve ser interpretado como tal.

Compartilhe este post
Receba conteúdos de especialistas do nosso Centro de Inteligência

Leia também

Receba conteúdos de especialistas
do nosso Centro de Inteligência

Contato
Helena Pawlow
(+55) 11 97310-8569
Anderson Guerreiro
(+55) 51 99539-1212
Marília Paiotti
(+55) 11 99617-2133