Tarifaço: impacto econômico e efeitos em contratos de financiamento

A imposição do “tarifaço” com a elevação significativa de tarifas comerciais dos EUA sobre produtos brasileiros vem gerando grande preocupação em diversos setores da economia. As suas consequências comerciais e potenciais impactos jurídicos são relevantes. Empresas exportadoras e que se encontram no espectro do setor de exportação, bem como instituições financeiras, têm se mobilizado preventivamente para mitigar riscos contratuais diante do cenário de incerteza criado por essa tensão comercial.

Contexto e Potencial Impacto Econômico do Tarifaço

O chamado tarifaço surgiu pela primeira vez em carta enviada pelo presidente Donald Trump ao presidente do Brasil em 09 de julho, comunicando que, a partir de 1º de agosto, seriam impostas tarifas de importação significativamente mais altas.

Como se pode imaginar, essa notícia teve um efeito instantâneo no mercado e empresas e instituições financeiras começaram a se mobilizar para entender quais os impactos caso a ameaça se concretizasse.

Afinal, tal medida afetaria todos os bens exportados pelo Brasil aos EUA, mas alguns setores seriam particularmente sensíveis. Setores tradicionais de exportação, como agronegócio (especialmente café, carne bovina e suco de laranja), a pecuária, a mineração, a siderurgia e indústrias de manufaturados (autopeças, aeronaves, etc.), figurariam entre os mais vulneráveis.

Do ponto de vista macroeconômico, as consequências também seriam negativas. Os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, de forma que barreiras desse porte reduziriam exportações, produção interna e empregos.

Ainda que a ameaça do tarifaço em 1º de agosto não tenha se concretizado e o seu início (com algumas isenções) tenha sido adiado para o dia 7 de agosto, o impacto esperado gera grande instabilidade: empresas revisam planos de investimento, governos estudam contramedidas, e todo o mercado precifica um risco maior.

Efeitos nos Contratos de Financiamento Vigentes

Essa conjuntura de possível choque externo já se reflete nas negociações e performance de alguns contratos de financiamento das empresas que integram a cadeia de exportação para os Estados Unidos, pois, apesar de as empresas exportadoras serem diretamente afetadas, toda a cadeia da exportação, incluindo empresas de transporte, armazenamento, logística em geral e outros setores acessórios, estão sendo impactados pela ameaça do tarifaço. Em cenários de tarifas acrescidas, o risco de crédito aumenta imediatamente: empresas ligadas a setores de exportação teriam fluxo de caixa reduzido ou volatilizado, elevando a probabilidade de inadimplência. Consequentemente, credores reavaliam garantias e a qualidade de crédito desses devedores – ativos dados em garantia (estoques, recebíveis de exportação, equipamentos) podem sofrer desvalorização, exigindo reforço de garantias ou trigando cláusulas de margens adicionais. Além disso, contratos de financiamento usualmente contêm covenants financeiros (índices de endividamento, cobertura de juros, etc.). Um abalo nas receitas e resultados poderia levar ao descumprimento de covenants, gerando, em tese, eventos de default técnico e vencimento antecipado da dívida.

Para evitar consequências imediatas, empresas nessa situação tendem a buscar negociações preventivas com os credores. Num primeiro momento, é frequente, por exemplo, que os devedores solicitem waivers, isto é, um perdão ou dispensa pontual pelo descumprimento de certas obrigações contratuais. Esse mecanismo costuma ser utilizado por empresas que conseguem antecipar dificuldade em cumprir determinados covenants contratuais, evitando que o simples desenquadramento torne a dívida vencida de imediato.

Paralelamente, credores passam a gerir seus riscos com mais cautela.

A partir daí, renegociações tendem a iniciar, podendo ocorrer reprecificações de taxa de juros, acréscimo de colateral, mecanismos de cash sweep, alterações de prazo e curva de pagamento, bem como uma análise mais rigorosa das projeções de desempenho das empresas impactadas.

Mecanismos Contratuais Acionáveis em Cenários de Crise

Contratos de financiamento geralmente possuem disposições aplicáveis a cenários de crise súbita ou impacto externo relevante como o tarifaço:

  • Waiver de obrigações: Conforme mencionado, o waiver costuma ser o primeiro mecanismo acionado. O devedor solicita formalmente aos credores um perdão ou dispensa pontual pelo descumprimento de certas obrigações contratuais, de modo que não seja caracterizado default. Essa medida preventiva depende de aprovação dos credores (p.ex. assembleia de debenturistas, titulares de CRI ou de CRA, ou, ainda, concordância dos bancos, a depender do tipo de financiamento) e geralmente é acompanhada de condições (limitação de distribuição de dividendos, fornecimento de informações extras, pagamento de waiver fee, etc.).
  • Vencimento antecipado (cláusulas de default): Contratos financeiros usualmente contêm cláusulas de vencimento antecipado que permitem ao credor exigir o pagamento integral imediato da dívida se ocorrerem certos eventos de inadimplemento ou quebra de condições pactuadas. O não pagamento de parcela, a violação de covenants ou mesmo a deterioração significativa na situação do devedor podem acionar essas cláusulas. Por exemplo, a falta de cumprimento de um índice financeiro pode engatilhar a antecipação da dívida, dando ao credor o direito de cobrar de imediato todo o saldo devedor que seria pago parceladamente. Diante de um evento externo como o tarifaço, credores podem ameaçar exercer esse direito; contudo, muitas vezes optarão por negociação (como um waiver ou standstill) em vez de acelerar a dívida e possivelmente precipitar a insolvência do devedor.
  • Nos contratos regidos por lei brasileira, é possível discutir o enquadramento da situação em questão nos conceitos de caso fortuito ou força maior, ou ainda perquirir sobre a revisão dos contratos com fundamento nas teorias baseadas no excesso de onerosidade e na alteração superveniente das bases negociais. Embora majorações fiscais, em regra, possam ser consideradas um risco dentro da álea natural dos negócios, a magnitude de um tarifaço dessa natureza e a imprevisibilidade de suas consequências pode abrir espaço para essa discussão a depender do caso concreto.

Paralelos com a Experiência da COVID-19

Nos últimos anos, apenas a pandemia da COVID-19 apresentou algum precedente relevante em termos de renegociação contratual, mas a natureza e o alcance do tarifaço são distintos, não permitindo uma correlação direta.

Um aprendizado que ficou da pandemia e que pode ser aproveitado foi que uma resposta rápida e cooperativa das partes ajuda a preservar contratos e relacionamentos.

Essa experiência serve de guia para a situação do tarifaço: apesar de tratar-se de um fato de natureza diversa (um ato de política internacional), a lógica de impacto externo significativo e necessidade de preservação negocial é similar.

Recomendações Práticas para Gestão de Riscos Contratuais

Diante de cenários de elevada incerteza econômica internacional deflagrada pelo tarifaço, é crucial que empresas adotem estratégias proativas na gestão de seus contratos, tais como o mapeamento dos contratos de financiamento e identificação de cláusulas sensíveis a oscilações externas (covenants financeiros, requisitos de desempenho, cláusulas de MAC). Com antecedência, é importante estabelecer comunicação com os credores sobre os potenciais riscos e, se necessário, solicitar ajustes ou waivers temporários para atravessar o período de instabilidade. É esperado que se fortaleça a documentação financeira e demonstre de boa-fé o impacto do evento externo sobre suas métricas – isso embasa pedidos de renegociação ou prorrogação. Esteja atento aos prazos de notificações previstos em contrato (por exemplo, informações acerca de eventuais efeitos adversos relevantes no negócio). Além disso, avalie a possibilidade de renegociar garantias (substituir ou complementar colaterais que tenham se desvalorizado).

Com relação aos credores, uma postura diligente e colaborativa é sempre bem vista. Um canal de diálogo com os clientes ajuda a mitigar riscos e reduzir surpresas e prejuízos. Em vez de acionar precipitadamente vencimentos antecipados, medidas de suporte como prazos de carência adicionais, reescalonamento de dívida ou flexibilização temporária de covenants, quando a viabilidade de longo prazo da empresa assim o justificar, pois preservar a empresa ativa pode maximizar a chance de pagamento. A exigência de contrapartidas razoáveis por essas concessões, como maior transparência financeira do devedor, cessão de recebíveis futuros, ou reforço de garantias onde possível, equilibrando a mitigação de risco com a necessidade de fôlego do cliente, é comum e também é bem vista. Afinal, uma atuação responsável e cooperativa desde o início da crise favorece eventual cobrança judicial ou arbitral futura, já que fica evidenciado que houve tentativa de superar a situação de forma amigável.

Este boletim apresenta um resumo de alterações legislativas ou decisões judiciais e administrativas no Brasil. Destina-se aos clientes e integrantes do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. Este boletim não tem por objetivo prover aconselhamento legal sobre as matérias aqui tratadas e não deve ser interpretado como tal.

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