Lei que dispõe sobre as apostas de quota fixa no Brasil é sancionada

​No dia 30 de dezembro de 2023, a Lei das Apostas de Quota Fixa (“Lei n.º 14.790/2023” ou “Lei”) foi sancionada com vetos pela Presidência da República. Esta foi a última etapa legal necessária para que o tema possa seguir para a regulamentação do Ministério da Fazenda (“Ministério da Fazenda”).

A nova Lei, que visa estabelecer diretrizes ao chamado “mercado das bets”, empregou novos contornos à legislação anteriormente vigente no setor. De acordo com a Lei, Apostas de Quota Fixa são aquelas onde o apostador tenta prever o resultado de um ato específico que tem por objeto (a) eventos reais de temática esportiva; ou (b) eventuais virtuais de jogos online. A Lei não estabelece número limitado de outorgas, e qualquer pessoa jurídica interessada, que cumprir os requisitos legais, pode requisitar tal outorga ao Ministério da Fazenda.

Abaixo, destacamos os principais pontos da Lei:

1. O agente operador de apostas

A exploração de Apostas de Quota Fixa será exclusiva de pessoas jurídicas constituídas e com sede e operação no Brasil, que deverão receber a devida autorização do Ministério da Fazenda para atuar como agente operador de apostas.

Os operadores de apostas devem, obrigatoriamente, ter pelo menos um sócio brasileiro detentor de ao menos 20% (vinte por cento) do capital social da pessoa jurídica.

O sócio ou acionista controlador de uma empresa operadora de loteria de Apostas de Quota Fixa não pode ter participação em Sociedade Anônima do Futebol, ou organização esportiva profissional, nem atuar como dirigente de equipe desportiva brasileira.

O valor máximo da outorga a ser pago pelas empresas autorizadas a explorar Apostas de Quota Fixa ficou limitado a R$ 30 milhões, para a exploração de até três marcas, pelo prazo de validade de até cinco anos.

O agente operador deverá adotar mecanismos de segurança e integridade na promoção de suas atividades, que incluem:

  • Observar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei n.º 13.709/2018), para a proteção dos dados dos apostadores.

  • Observar a Lei Geral do Esporte (Lei n.º 14.597/2023), de forma a adotar ações de mitigação de manipulação de resultados e de corrupção – notem que a Lei prevê que são nulas de pleno direito as apostas realizadas com a finalidade de obter ou assegurar vantagens, ou ganhos com a manipulação de resultados e a corrupção nos eventos reais de temática esportiva.

  • Adotar políticas, procedimentos e controles internos de:

    • Prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa, especialmente em cumprimento dos deveres previstos nos artigos 10 e 11 da Lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (Lei n.º 9.613/1998), e da Lei n.º 13.260/2016.

    • Atendimento aos apostadores e ouvidoria.

    • Jogo responsável e prevenção aos transtornos de jogo patológico.

2. Pagamento e prescrição dos prêmios

  • Os prêmios serão pagos por meio de transferências de créditos ou de remessas de valores em favor de contas bancárias, ou de pagamento de titularidade dos respectivos apostadores e por eles mantidas em instituições com sede e administração no Brasil que sejam autorizadas pelo Banco Central do Brasil.

  • O apostador perderá o direito de receber ou de solicitar os prêmios se não for reclamar o prêmio em até 90 (noventa) dias da data de divulgação do resultado pelo operador de apostas responsável.

  • Metade dos prêmios não reclamados será destinada ao Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e a outra metade ao Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (FUNCAP).

3. Tributação

  • Tributação dos operadores: incidirá alíquota de 12% sobre o gross gaming revenue*. Os operadores também estarão sujeitos à tributação corporativa.

    *Termo em inglês para se referir à métrica utilizada no cálculo da receita bruta gerada pelos operadores.

  • Tributação dos apostadores: incidirá alíquota de 15% sobre os prêmios líquidos pelo Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF). O projeto de lei original previa que prêmios até a primeira faixa da tabela progressiva do IRPF ficariam livres de tributação. Porém, esse dispositivo foi vetado pelo Presidente da República.

  • Do total arrecadado com as apostas, 12% serão destinados às áreas de seguridade social, da educação, do esporte, da saúde, do turismo e da segurança pública.

4. Taxa de fiscalização

Será cobrada uma taxa mensal de fiscalização dos operadores, a ser definida com base na receita líquida do operador e que terá como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, podendo variar de R$ 54.419,56 a R$ 1.944.000,00.

5. Direitos dos jogadores

  • Constituem direitos dos jogadores:

    • Todos os direitos dos consumidores previstos pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/1990).

    • Ter acesso à informação e à orientação adequadas e claras acerca das regras e das formas de utilização de recintos, equipamentos, sistemas e canais eletrônicos das apostas.

    • Ter acesso à informação e à orientação adequadas e claras sobre as condições e os requisitos para acerto de prognóstico lotérico e aferição do prêmio, vedada a utilização de escrita dúbia, abreviada ou genérica no curso de efetivação da aposta.

    • Ter acesso à informação e à orientação adequadas e claras quanto aos riscos de perda dos valores das apostas e aos transtornos de jogo patológico.

    • Ter protegidos os seus dados pessoais, conforme disposto na Lei Geral de Proteção de Dados.

    • Ter acesso a um serviço de atendimento aos apostadores, operacionalizado por canal eletrônico ou telefônico de acesso e uso gratuitos, a fim de solucionar dúvidas e solicitações relacionadas à operacionalização da loteria de Aposta de Quota Fixa.

6. O regime sancionador

  • Infrações relacionadas às Apostas de Quota Fixa serão apuradas e penalizadas por meio de processo administrativo sancionador.

  • Constituirão infrações, dentre outras:

  • Explorar loteria de Apostas de Quota Fixa sem observar os requisitos previstos pelo Ministério da Fazenda.
  • Realizar operações em desacordo com a autorização concedida.
  •  Divulgar publicidade ou propaganda comercial de operadores de loteria de Apostas de Quota Fixa não autorizada. 
  • Serão aplicáveis às pessoas jurídicas de direito público ou privado as seguintes penalidades, de forma isolada ou cumulativa:

    • Advertência.

    • Multa no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) sobre o produto da arrecadação após a dedução das importâncias, relativo ao último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo sancionador, observado que a multa nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação, nem superior a R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais) por infração.

    • Suspensão parcial ou total do exercício das atividades, pelo prazo de até 180 (cento e oitenta) dias.

    • Cassação da autorização, extinção da permissão ou da concessão, cancelamento do registro, descredenciamento ou ato de liberação análogo.

    • Proibição de obter titularidade de nova autorização, outorga, permissão, credenciamento, registro ou ato de liberação análogo, pelo prazo máximo de 10 (dez) anos.

    • Proibição de realizar determinadas atividades ou modalidades de operação, pelo prazo máximo de 10 (dez) anos.

    • Proibição de participar de licitação que tenha por objeto concessão ou permissão de serviços públicos, na administração pública federal, direta ou indireta, por prazo não inferior a 5 (cinco) anos.

  • Quanto às pessoas físicas, a Lei define a aplicação das seguintes penalidades, de forma isolada ou cumulativa:

    • Advertência.

    • Inabilitação para atuar como dirigente ou administrador e para exercer cargo em órgão previsto em estatuto ou em contrato social de pessoa jurídica que explore qualquer modalidade lotérica, pelo prazo máximo de 20 (vinte) anos.

7. Publicidade de Apostas Esportivas

  • Em linha com a sanção da Lei de Apostas por Quota Fixa, ao final do mês de dezembro de 2023, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (“CONAR”) aprovou e divulgou o “Anexo X” do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (“CBAP”), contendo regras específicas que passarão a reger a publicidade de apostas esportivas (bets) no Brasil.

  • O Anexo X tem por objetivo melhorar o ambiente de comunicação comercial do segmento de Apostas por Quota Fixa, promovendo um tipo de publicidade socialmente responsável, e entrará em vigor em 31 de janeiro de 2024, quando passará a produzir efeitos jurídicos e normativos.

  • É relevante ressaltar, ainda, que as normas éticas relacionadas à publicidade de apostas esportivas vinham sendo discutidas desde agosto de 2023, por meio de um Grupo de Trabalho (“GT”), criado pelo CONAR para a idealização do Anexo X. O GT em questão foi formado por representantes das entidades fundadoras e cofundadora do CONAR, do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (“IBJR”), bem como da Associação Nacional de Jogos e Loterias (“ANJL”).

  • Nesse sentido, dentre as disposições elencadas no Anexo X, destacam-se as seguintes:

    • Vedação de estímulos ao exagero ou ao jogo irresponsável, com a proibição da divulgação de resultados ou ganhos certos, fáceis e/ou elevados, incluindo a proibição à indução de que a participação poderá levar ao enriquecimento.

    • Necessidade de menção explícita quanto à “publicidade” ou “parceria paga”, com indicação expressa do anunciante responsável e identificação da autorização/licença.

    • Proibição de publicidade voltada para crianças e adolescentes, devendo os anúncios conterem o símbolo “18+” ou “proibido para menores de 18 anos”.

    • Necessidade de cláusula de advertência, que promova o jogo responsável, tal como “jogue com responsabilidade” ou “aposta não é investimento”, em todas as publicidades das bets.

  • Por fim, o CONAR reiterou que, por se tratar de atividade regulamentada, é imprescindível que os responsáveis pela publicidade de apostas esportivas, tais como, patrocinadores, casas de jogos, embaixadores, dentre outros, conheçam e cumpram a Lei n.º 14.790/2023 e as regulamentações do Ministério da Fazenda.

8. Próximos passos

  • O Ministério da Fazenda deverá publicar nos próximos meses regulamentação para detalhar:
    • O valor mínimo e a forma de integralização do capital social da pessoa jurídica interessada.

    • A exigência de comprovado conhecimento e experiência em jogos, apostas ou loterias de pelo menos um dos integrantes do grupo de controle da pessoa jurídica interessada.

    • Os requisitos para posse e exercício de cargos de direção ou gerência nas pessoas jurídicas interessadas.

    • A determinação de que o estabelecimento designe um diretor responsável pelo relacionamento com o Ministério da Fazenda.

    • A estrutura e o funcionamento do serviço de atendimento aos apostadores e componente de ouvidoria do agente operador.

    • A determinação de que seja designado pela pessoa jurídica interessada um diretor responsável pelo atendimento aos apostadores e pela ouvidoria.

    • Os requisitos técnicos e de segurança cibernética a serem observados pela infraestrutura de tecnologia da informação e pelos sistemas dos agentes operadores, com a exigência de certificação reconhecida nacional ou internacionalmente.

    • A determinação de que haja integração ou associação do agente operador a organismos nacionais, ou internacionais de monitoramento da integridade esportiva.

    • A exigência de ter brasileiro como sócio detentor de ao menos 20% (vinte por cento) do capital social da pessoa jurídica.

    • O prazo para requerimento de autorização pela pessoa jurídica interessada e o prazo para análise pelo Ministério da Fazenda.

Este boletim apresenta um resumo de alterações legislativas ou decisões judiciais e administrativas no Brasil. Destina-se aos clientes e integrantes do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados. Este boletim não tem por objetivo prover aconselhamento legal sobre as matérias aqui tratadas e não deve ser interpretado como tal.

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