Foi publicado no Diário Oficial da União desta terça-feira, 25 de julho de 2023, a Medida Provisória nº 1.182, de 24 de julho de 2023 (“MP”), que regulamenta as apostas esportivas no Brasil e altera a Lei Federal nº 13.756/18 (“Lei 13.756/18”), que dispôs, dentre outros temas, sobre a modalidade lotérica denominada “apostas de quota fixa”, em que o apostador tenta prever o resultado de um evento específico.
A Lei 13.756/18 possuía a previsão de que o Ministério da Fazenda regulamentaria, no prazo de até 2 (dois) anos da data de sua publicação, prorrogável por igual período, a loteria de aposta de quota fixa. Com base na previsão de regulamentação, o mercado de apostas esportivas expandiu consideravelmente nos últimos anos no Brasil. Porém, as empresas responsáveis, usualmente conhecidas como “bets”, mantiveram, até então, as suas sedes no exterior.
Isso ocorreu porque a redação original do art. 29 da Lei 13.756/18 previa que as apostas de quota fixa seriam modalidade de serviço público “exclusivo da União”. Porém, com a edição da MP, essa exclusividade foi retirada do dispositivo legal, passando a ser possível a exploração dessa atividade pelo setor privado, em caráter oneroso e sem limites de outorgas. Essa alteração normativa permite que as empresas de aposta passem a atuar no Brasil, recolhendo os tributos correspondentes.
O Ministério da Fazenda ainda precisa regulamentar a forma de concessão das outorgas, o que deve ocorrer nos próximos 4 meses.
Confira abaixo um sumário, na forma de perguntas e respostas, sobre o tema:
1. O que é a Aposta de Quota Fixa?
É uma modalidade lotérica, sob a forma de serviço público, cuja exploração comercial ocorrerá no território nacional e que consiste em sistema de apostas relativas a eventos reais de temática esportiva, em que é definido, no momento de efetivação da aposta, quanto o Apostador pode ganhar em caso de acerto do prognóstico.
Quota Fixa é o fator de multiplicação do valor apostado que define o montante a ser recebido pelo Apostador, em caso de premiação, para cada unidade de moeda apostada.
2. O que são “Eventos Reais de Temática Esportiva”? É permitido explorar Apostas de Quota Fixa relacionadas a outros eventos que não sejam esportivos?
Eventos reais de temática esportiva são eventos, competições com ou atos que incluam competições desportivas, torneios, jogos ou provas com interação humana, individuais ou coletivos, cujo resultado é desconhecido no momento da aposta e que sejam promovidos ou organizados
(a) de acordo com as regras estabelecidas pela organização nacional de administração do esporte, de acordo com a Lei Geral do Esporte, ou por suas organizações afiliadas; ou
(b) por organizações de administração do esporte sediadas fora do país.
Não é permitida a exploração de Aposta de Quota Fixa relacionada a eventos
(a) não esportivos;
(b) que envolvam exclusivamente a participação de menores de dezoito anos de idade; ou
(c) que ocorram sem interação humana.
3. Qual a diferença entre aposta virtual e física?
Aposta virtual é aquela realizada diretamente pelo Apostador em canal eletrônico, e a aposta física, aquela realizada presencialmente mediante a aquisição de bilhete em forma impressa, sendo que, em ambos os casos, as apostas devem ser efetuadas antes ou durante a ocorrência do evento real objeto da aposta.
4. É necessária alguma forma de autorização para a exploração da Aposta de Quota Fixa no Brasil?
Sim, a loteria será objeto de concessão, permissão ou autorização concedida, em caráter oneroso, pelo Ministério da Fazenda e será explorada, exclusivamente, em ambiente concorrencial, sem limite do número de outorgas, com possibilidade de comercialização em quaisquer canais de distribuição comercial, físicos e em meios virtuais.
O Ministério da Fazenda já é responsável, por meio da Secretaria de Reformas Econômicas – SRE, pela autorização e fiscalização de promoções comerciais, incluindo sorteios, concursos e distribuição de vale-brindes. Muito embora não haja previsão no texto da MP, é possível que a autorização de Apostas de Quota Fixa relacionadas a eventos desportivos também fique sob responsabilidade da referida secretaria.
5. Quem pode explorar Apostas de Quota Fixa?
Podem explorar esse tipo de loteria os Agentes Operadores, isto é, pessoas jurídicas nacionais ou estrangeiras, estabelecidas no território nacional, com outorga do Ministério da Fazenda.
6. Quem pode participar como Apostador nas Apostas de Quota Fixa?
Qualquer pessoa natural, exceto
(a) proprietário, funcionário ou pessoal com influência significativa, sob o Agente Operador;
(b) agente público com funções diretamente ligadas à fiscalização da atividade de aposta;
(c) menores de dezoito anos de idade;
(d) pessoa que tenha ou possa ter acesso aos sistemas informatizados de loteria de Apostas de Quota Fixa;
(e) pessoa que tenha ou possa ter qualquer influência no resultado de evento real de temática esportiva, incluindo
(i) pessoa que exerça cargo de dirigente desportivo, técnico desportivo, treinador, integrante de comissão técnica;
(ii) árbitro de modalidade desportiva, assistente de árbitro de modalidade desportiva, ou equivalente, empresário desportivo, agente ou procurador de atletas e de técnicos, técnico ou membro de comissão técnica;
(iii) membro de órgão de administração ou fiscalização de entidade de administração de organizadora de competição ou prova desportiva; ou
(iv) participante de competições organizadas pelas entidades integrantes do Sistema Nacional do Esporte; e
(f) pessoa inscrita nos cadastros nacionais de proteção ao crédito.
7. Quem fiscaliza as loterias?
O Ministério da Fazenda. O órgão poderá requisitar informações técnicas, operacionais, econômico-financeiras e contábeis, dados, documentos, certificados, certidões e relatórios relativos às atividades desenvolvidas. A recusa, a omissão, a falsidade ou o retardamento injustificado no fornecimento de informações ou de documentos requeridos sujeitam o infrator à multa diária de R$ 10.000,00, que poderá ser majorada em até 20 vezes, se necessário, para que seja garantida a sua eficácia.
8. Devem ser pagos impostos sobre os prêmios?
Sim, sobre os ganhos obtidos com prêmios decorrentes de Apostas de Quota Fixa haverá tributação exclusiva de Imposto de Renda na fonte de 30% sobre os valores que excederem o limite de isenção da 1ª faixa do imposto, atualmente de R$ 2.112,00 (conforme art. 1º, X da Lei nº 11.482, com redação dada pela Medida Provisória nº 1.171).
9. Qual a tributação incidente sobre os Agentes Operadores?
Os Agentes Operadores devem pagar, além dos tributos normalmente exigidos da pessoa jurídica dedicada à prestação de serviço (IRPJ, PIS, COFINS e ISS):
(a) a Taxa de Fiscalização devida pela exploração comercial da loteria de Apostas de Quota Fixa, cujo valor fixo varia de R$ 54.419,56 a R$ 1.944.000,00, a depender da premiação mensal e
(b) encargos correspondentes a 18% sobre a receita obtida pelo Agente Operador após o pagamento dos prêmios aos Apostadores e imposto de renda sobre a premiação, denominada GGR – “Gross Gaming Revenue”, assim distribuídos:
(i) 10% de contribuição para a seguridade social;
(ii) 3% ao Ministério do Esporte;
(iii) 2,55% ao Fundo Nacional de Segurança Pública;
(iv) 1,63% aos clubes, como contrapartida à cessão do nome; e
(v) 0,82% para educação básica.
10. Existem restrições relacionadas à publicidade?
Sim. As ações de comunicação, publicidade e marketing da loteria de Apostas de Quota Fixa deverão ser pautadas pelas melhores práticas de responsabilidade social corporativa direcionadas à exploração de loterias, sendo incentivada a autorregulação.
O Agente Operador promoverá ações informativas de conscientização dos Apostadores e de prevenção do transtorno do jogo patológico, por meio da elaboração de códigos de conduta e da difusão de boas práticas.
O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR poderá estabelecer restrições e diretrizes adicionais à regulamentação do Ministério da Fazenda e expedir recomendações específicas para as ações de comunicação de publicidade.
É vedada, no território nacional, a realização de publicidade e propaganda comercial de sítios eletrônicos e de pessoas jurídicas ou naturais que ofertem ou tenham por objeto a exploração da loteria de apostas de quota fixa sem a autorização concedida pelo Ministério da Fazenda. Essa vedação entrará em vigor em prazo estabelecido pelo Ministério da Fazenda.
Ademais, a MP também estabelece que as entidades de administração do esporte proibirão, nos regulamentos de suas competições, que organizações de prática desportiva e atletas veiculem nomes e marcas de empresas que ofertem ou explorem loteria de Apostas de Quota Fixa, sem que estas tenham adquirido a outorga para operar nos termos da regulamentação aplicável
11. Empresas de apostas localizadas fora do Brasil e que não possuam outorgas poderão continuar a prestar os seus serviços na forma atual?
Sim, mas somente até que o Ministério da Fazenda possibilite a realização do processo de outorgas. Após tal data, apenas pessoas jurídicas que obtenham outorga do Ministério da Fazenda poderão continuar a operar Apostas de Quota Fixa no Brasil. O Banco Central disciplinará os arranjos de pagamento de forma a impedir a ocorrência de pagamentos que tenham por finalidade a realização de apostas de quota fixa por operadores não autorizados.
Nesse sentido, é exclusiva de instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil a oferta de contas transacionais que permitam ao apostador efetuar transações de pagamento de Apostas de Quota Fixa, e o recebimento de seus eventuais prêmios.
12. Existem restrições de participação cruzada?
Sim, o sócio ou acionista controlador de empresa operadora de loteria de Apostas de Quota Fixa, individual ou integrante de acordo de controle, não poderá deter participação, direta ou indireta, em Sociedade Anônima do Futebol ou em organização esportiva profissional, nem atuar como dirigente de equipe desportiva brasileira.
13. O que a MP prevê sobre integridade e corrupção?
O Agente Operador
(a) deverá adotar mecanismos de segurança e integridade na realização da loteria de Apostas de Quota Fixa;
(b) estabelecerá ações de mitigação de manipulação de resultados e de corrupção nos eventos reais de temática esportiva;
(c) integrará organismo nacional ou internacional de monitoramento da integridade esportiva; e
(d) reportará eventos suspeitos de manipulação ao Ministério da Fazenda no prazo de cinco dias úteis, contado a partir do momento em que o agente operador tomou conhecimento do evento suspeito.
O Ministério da Fazenda poderá, no exercício da atividade fiscalizatória, determinar a suspensão ou a proibição, a todos os Agentes Operadores, de apostas em eventos intercorrentes ou específicos, ocorridos durante a prova ou a partida, que não o prognóstico específico do resultado final.
14. O que acontece se os Apostadores não solicitarem os prêmios?
Os Apostadores perdem o direito de receber seus prêmios ou de solicitar reembolsos se o pagamento não for reclamado em até 90 (noventa) dias, contados da data da primeira divulgação do resultado do último evento real objeto da aposta. Os valores dos prêmios não reclamados serão revertidos ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).
15. As informações sobre Apostadores devem ser enviadas para algum órgão público?
O mercado de apostas está sujeito às regras de prevenção à lavagem de capitais. Embora ainda sujeita a regulamentação do Poder Executivo, atividades suspeitas deverão ser reportadas de forma sigilosa ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF.
16. Quem regulamentará o uso da propriedade intelectual dos clubes em relação aos Agentes Operadores?
O Ministério da Fazenda regulamentará a forma e o processo pelo qual serão concedidas autorizações para que os Agentes Operadores façam uso (a) da imagem, do nome ou do apelido desportivo e dos demais direitos de propriedade intelectual dos atletas; e (b) das denominações, das marcas, dos emblemas, dos hinos, dos símbolos e dos similares das organizações esportivas.
17. Quais atos estão sujeitos a sanção?
Os seguintes atos estão sujeitos a sanção nos termos da MP:
(a) explorar loteria de Apostas de Quota Fixa sem prévia outorga do Ministério da Fazenda;
(b) realizar operações ou atividades vedadas, não autorizadas ou em desacordo com a outorga concedida;
(c) opor embaraço à fiscalização do órgão administrativo competente;
(d) deixar de fornecer ao órgão administrativo competente documentos, dados ou informações cuja remessa seja imposta por normas legais ou regulamentares;
(e) fornecer ao órgão administrativo competente documentos, dados ou informações incorretas ou em desacordo com os prazos e as condições estabelecidos em normas legais ou regulamentares;
(f) divulgar a publicidade e a propaganda comercial de operadores de loteria de Apostas de Quota Fixa não autorizados;
(g) descumprir normas legais e regulamentares cujo cumprimento caiba ao órgão administrativo competente fiscalizar; e
(h) executar, incentivar, permitir ou, de qualquer forma, contribuir ou concorrer para práticas atentatórias à integridade esportiva, à incerteza do resultado esportivo, à transparência das regras aplicáveis ao evento esportivo, à igualdade entre os competidores, e qualquer outra forma de fraude ou interferência indevida apta a afetar a lisura ou a higidez das condutas associadas ao desempenho idôneo da atividade esportiva.
18. Quais as sanções aplicáveis?
As sanções previstas na MP são:
(a) advertência;
(b) no caso de pessoa jurídica, multa no valor de 0,1% a 20% sobre o produto da arrecadação, relativo ao último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo sancionador, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação, nem superior a R$ 2.000.000.000,00, por infração;
(c) no caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado e quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do produto da arrecadação, a multa será entre R$ 50.000,00 e R$ 2.000.000.000,00 por infração; (d) suspensão parcial ou total do exercício das atividades, pelo prazo de até cento e oitenta dias;
(e) cassação da autorização, extinção da permissão ou da concessão, cancelamento do registro, descredenciamento, ou ato de liberação análogo;
(f) proibição de obter titularidade de nova autorização, outorga, permissão, credenciamento, registro ou ato de liberação análogo pelo prazo máximo de dez anos;
(g) proibição de realizar determinadas atividades ou modalidades de operação, pelo prazo máximo de dez anos;
(h) proibição de participar de licitação que tenha por objeto concessão ou permissão de serviços públicos, na administração pública federal, direta ou indireta, por prazo não inferior a cinco anos; e
(i) inabilitação para atuar como dirigente, administrador e para exercer cargo em órgão previsto em estatuto ou em contrato social de pessoa jurídica que explore qualquer modalidade lotérica, pelo prazo máximo de vinte anos.
A MP entrou em vigor no dia 25 de julho (com alguns artigos entrando em vigor apenas dentro de 4 meses) e deverá ser votada em até 120 dias pelo Congresso Nacional para que suas disposições permaneçam em vigor. As disposições fornecidas pela MP são importantes para regulamentar e internalizar a atuação de um mercado que tem movimentado grande quantidade de recursos entre os brasileiros.
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As equipes do Cescon Barrieu estão à disposição para assessorá-los no âmbito da operacionalização das atividades de apostas esportivas no Brasil.