I. Trabalho análogo à escravidão
O trabalho análogo à escravidão está tipificado no art. 149 do Código Penal. A norma criminaliza a conduta de reduzir alguém à condição análoga à de escravo, seja por meio de trabalhos forçados, jornadas exaustivas, condições degradantes de trabalho ou restrição da liberdade por dívida.
As principais hipóteses de configuração incluem: (i) trabalho forçado, com coação física ou moral; (ii) jornada exaustiva, que compromete a saúde e impede o descanso adequado; (iii) condições degradantes, como ausência de alojamento digno, água potável, alimentação adequada e segurança; e (iv) servidão por dívida, quando o trabalhador é mantido em débito com o empregador, impedido de deixar o trabalho.
As consequências jurídicas para os empregadores são severas. Na esfera penal, a pena prevista é de reclusão de dois a oito anos, além de multa.
Na esfera trabalhista, o empregador pode ser obrigado a pagar todas as verbas rescisórias, indenizações por danos morais individuais e coletivos, além de ser incluído na “Lista Suja” do trabalho escravo — o Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à escravidão, conforme estabelecido pela Portaria Interministerial MTE/MDHC/MIR nº 18/2024.
A Portaria nº 15/2024 também prevê a possibilidade de celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), com medidas de reparação e prevenção.
Como prevenir ou mitigar o risco?
É essencial que os empregadores adotem medidas preventivas como: formalização dos contratos de trabalho, com correta remuneração e controle rigoroso da jornada, fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPI), manutenção de condições dignas de higiene, saúde, segurança e alimentação.
Além disso, é fundamental monitorar a cadeia produtiva, incluindo fornecedores e prestadores de serviços terceirizados, pois a responsabilidade pode se estender à empresa contratante. A realização de due diilgence anterior à contratação e auditorias periódicas ao longo do contrato são essenciais, assim como a estipulação clara das consequências contratuais em caso de constatação de infrações praticadas pelos fornecedores.
II. Normas referentes à Saúde e Segurança
O empregador tem o dever de garantir que seus empregados trabalhem em condições seguras, em observância às normas de saúde e segurança previstas na legislação federal e nas Normas Regulamentares do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). O não cumprimento das normas de saúde e segurança aplicáveis expõe o empregador ao risco de responsabilização no âmbito trabalhista.
A título ilustrativo, o empregador poderá ser condenado a pagar indenizações em reclamações trabalhistas, sem prejuízo de autuações pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e investigações pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), as quais podem resultar na propositura de Termos de Ajustamento de Conduta e/ou o ajuizamento de ação civil pública.
Além disso, em certas situações, o dano causado ao empregado em razão do não cumprimento de normas de saúde e segurança pelo empregador pode também gerar responsabilidade penal.
O art. 132 do Código Penal brasileiro prevê o crime de perigo, que consiste, em linhas gerais, em expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente.
Sabemos que toda a atividade empresarial possui um risco que lhe é inerente. Porém, o cumprimento, pelo empregador, das normas de segurança do trabalho faz com que o risco ao trabalhador seja reduzido ao seu grau mínimo.
Assim, se o empregado for submetido a alguma situação que coloque sua vida, saúde ou integridade física em perigo para além do risco mínimo legalmente tolerado, poderá haver responsabilização pela prática do crime de perigo. Isso se não houver efetivo dano à vida ou à saúde do empregado, situação que poderá ensejar a responsabilização por crimes ainda mais graves, como lesão corporal ou homicídio.
Como a responsabilidade penal é pessoal e subjetiva, ter uma função na empresa não atrai automaticamente a responsabilidade penal de alguém, ainda que o crime tenha sido praticado no âmbito empresarial. É necessário apurar a real participação da pessoa, seu envolvimento com os fatos, além de seu poder de interferir no resultado causado.
Em uma investigação criminal, as autoridades tendem a focar a apuração sobre a conduta de gerentes e encarregados com atribuição específica na área de segurança do trabalho e prevenção de acidentes, ou seja, pessoas que assumiram de alguma forma o compromisso de reduzir o risco dos trabalhadores e que atuam, em geral, diretamente no local onde os empregados estejam submetidos ao perigo.
Porém, pessoas da diretoria também podem ser responsabilizadas criminalmente se determinaram, decidiram ou autorizaram que alguma medida fosse adotada fora dos parâmetros das normativas de segurança e saúde do trabalho, ou seja, em incremento ao risco legalmente permitido à atividade empresarial.
A mesma responsabilidade pode recair sobre membros da diretoria que tomaram conhecimento das condições impróprias de trabalho submetidas aos empregados e nada fizeram para mudar esse cenário, mesmo tendo poder e condições de fazê-lo (omissão).
Como prevenir ou mitigar o risco?
Para prevenir esse risco, as empresas devem: garantir o cumprimento das normas de saúde e segurança vigentes, incluindo legislação federal e normas regulamentadoras do MTE; monitorar atualizações da legislação e manter times de engenharia e de medicina ocupacional capacitados para implementação das obrigações; manutenção de equipamentos de proteção (coletivos e individuais) adequados para neutralização de eventuais riscos ambientais e/ou relacionados à função; realização de treinamentos sobre saúde e segurança; monitoramento contínuo do ambiente e realização de inspeções técnicas periódicas, com manutenção de laudos atualizados; implementação de CIPA atuante; monitoramento de índices de afastamento por acidentes e/ou doenças ocupacionais.
III. Assédio Sexual
O assédio sexual é outro exemplo de intersecção entre o Direito do Trabalho e o Direito Penal. O tipo penal de assédio sexual, previsto no art. 216-A do Código Penal, criminaliza a conduta de “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. A pena prevista é de 1 a 2 anos de detenção.
Veja-se que o tipo do art. 216-A do Código Penal é mais restrito que o conceito trabalhista de assédio sexual, criado pela jurisprudência e doutrina pela lacuna da lei. Enquanto o conceito trabalhista visa a coibir o ambiente hostil e garantir reparação civil ou moral do empregado, o tipo penal busca a responsabilização criminal do agressor.
De toda forma, o constrangimento com motivação sexual e a posição de poder hierárquico ou ascendência são elementos centrais em ambos os contextos e estabelecem uma ponte importante entre a violação dos direitos trabalhistas e a responsabilização penal. A conjunção dessas abordagens reforça a eficácia do combate a essa prática e amplia os instrumentos de proteção à vítima.
Em que pese a independência entre as esferas trabalhista e criminal, provas coletadas no âmbito trabalhista podem ser usadas em processos penais e vice-versa.
Como prevenir ou mitigar o risco?
Para evitar situações de assédio sexual ou mitigar seus riscos, é imprescindível implementar códigos de conduta, políticas internas claras e completas que abordem ambiente de trabalho saudável e antiassédio; manter um canal de denúncia íntegro e eficiente, com garantia de anonimização, confidencialidade e proteção contra retaliação; conduzir investigações com responsabilidade e aplicando medidas disciplinares quando oportuno, sempre com aconselhamento jurídico; realizar treinamentos antiassédio periódicos, o que é necessário inclusive por determinação legal.
IV. Omissão penalmente relevante
A responsabilidade penal não recai apenas sobre quem praticou diretamente a conduta criminosa, mas pode pesar também sobre quem prestou auxílio ou contribuiu de alguma maneira (coautoria). Ainda, a responsabilidade penal pode ser imputada a quem tinha o compromisso de impedir o resultado criminoso, sabia ou, ao menos, desconfiava de práticas ilícitas no âmbito da empresa e decide não fazer nada. Nesse caso, a responsabilização criminal não adviria em razão de uma ação efetivamente praticada pelo empregador, mas, sim, por uma omissão penalmente relevante.
Omissão penalmente relevante (art. 13, § 2º, do Código Penal) é aquela em que a pessoa, apesar de dever e poder agir para evitar o resultado, não o faz. Só podem ser responsabilizados criminalmente por omissão aqueles que possuem efetivamente o dever de agir, são eles:
- A pessoa que tenha por lei a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
- Aquele que assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; ou
- Aquele que, com um comportamento anterior, criou o risco para a ocorrência do resultado.
Dentre essas categorias, o empregador se encaixa perfeitamente na primeira hipótese, já que tem a obrigação legal de cuidado, proteção e vigilância em relação aos seus empregados.
Entretanto, outras pessoas da empresa, como gerentes e encarregados, apesar de não serem responsáveis legais da empresa, podem se ajustar à segunda hipótese, quando, por seus compromissos profissionais, cargos ocupados e áreas de atuação, assumem a responsabilidade de garantir a saúde, a segurança e a integridade física e moral dos trabalhadores que lhe são subordinados.
A título de exemplo, é o caso do gestor que toma conhecimento da prática reiterada de assédio sexual contra determinado empregado, porém, por qualquer motivo, prefere manter-se inerte. Ou seja, o gestor não repreende o assediador, não protege seu subordinado nem comunica esses fatos graves ao departamento de compliance da empresa. Na prática, esse gestor acaba consentindo os assédios sexuais praticados e, assim, assume o risco de que novos eventos venham a acontecer.
Quanto ao exemplo de não observância de normas de saúde e segurança do trabalho, a responsabilidade penal por omissão poderia recair sobre o encarregado direto que, em que pese tenha ciência dos riscos, não dá as orientações adequadas aos seus subordinados, não fiscaliza o uso de EPI, não monitorar o cumprimento das normas de segurança ou não indica medidas de mitigação.
Como prevenir ou mitigar o risco?
Para mitigar os riscos associados à omissão penalmente relevante, as empresas devem estabelecer protocolos claros de comunicação interna e designar formalmente responsáveis por cada área crítica, com atribuições documentadas. Além disso, devem ser implementados sistemas de monitoramento para identificar tempestivamente situações que exijam intervenção, bem como capacitar gestores e lideranças sobre seus deveres legais de agir e as consequências da omissão. É fundamental, ainda, manter registros documentais de todas as medidas adotadas em resposta a incidentes ou denúncias. Por fim, os canais de denúncia devem ser efetivamente monitorados, com prazos definidos para análise e providências, demonstrando postura proativa na prevenção de danos.
V. Quem da empresa pode ser responsabilizado criminalmente por danos trabalhistas ocasionados ao empregado?
O Direito Penal brasileiro não admite a responsabilidade penal objetiva. Isto é, para que haja responsabilização criminal, deve ser demonstrado o dolo na conduta do agente (sua consciência e vontade de agir), o chamado dolo eventual (quando o agente assume o risco do resultado criminoso) ou, ao menos, culpa (a falta de um dever geral de cuidado, agindo o agente com negligência, imperícia ou imprudência).
Assim, por ser subjetiva a responsabilidade penal, os tribunais superiores fixaram o entendimento de que a mera condição de representante legal ou ocupante de determinado cargo de liderança na empresa não pode ser utilizada para motivar a responsabilização por todo e qualquer crime praticado no âmbito corporativo. É necessário demonstrar de que maneira a conduta da pessoa contribuiu para a prática do crime.
Nesse sentido, tecnicamente, se o representante legal da empresa (em geral, membro da diretoria) não tenha se envolvido diretamente nos processos relacionados ao dano ocasionado ao empregado, não existirá o necessário nexo de causalidade entre sua atuação na empresa e o dano, o que, em tese, afastaria sua responsabilização penal.
No entanto, não são raras as situações práticas em que procedimentos investigatórios e, até mesmo, ações penais são iniciadas contra representantes legais de empresas pela mera ocupação do cargo de liderança.
Por outro lado, uma vez que a responsabilidade penal na empresa não é automática nem exclusiva dos seus representantes legais, qualquer empregado que agir para a prática de um crime no âmbito da empresa, seja por uma ação, seja por uma omissão penalmente relevante, quer de maneira intencional, quer por não cumprir medidas de cuidado que lhe são exigidas, pode ser responsabilizado criminalmente.
Por isso, é importante que a empresa, seus representantes legais e ocupantes de cargos de liderança adotem todas as medidas possíveis para prevenir e evitar uma possível responsabilização criminal em caso de incidentes trabalhistas no ambiente de trabalho.